"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 3 de agosto de 2012

CRIANDO UMA CELEBRIDADE ( 3 )


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(Criando uma celebridade ( 2 ) - Arquivo do dia 02/08/2012)
(Criando uma celebridade ( 1 ) - Arquivo do dia 30/07/2012)

A “direita conservadora” é, na mais generosa das hipóteses, uma vaga convergência de insatisfações entre cidadãos isolados. Fazer dela uma corrente política ativa é um fingimento histérico mediante o qual a esquerda dominante camufla o controle hegemônico que exerce sobre toda a sociedade brasileira.
A falsificação histérica da situação de discurso consiste em que o sujeito fala e escreve não desde sua posição real na vida e na sociedade, mas desde um posto imaginário que ele se atribui ad hoc. Na mesma proporção, o objeto de seus ataques, quando se trata de uma investida polêmica, deve ser transferido desde seu contexto social verdadeiro a um lugar fictício onde pareça mais vulnerável.

O sr. Moreira é, na realidade, um recém-egresso de faculdade cuja única ocupação pública conhecida é sua participação na comunidade “Olavo de Carvalho nos Odeia”, um entre cinco mil detratores empenhados em praticar dia e noite o Estratagema 7 de Schopenhauer contra um alvo individual, dando-se ares de que o fazem por motivos morais nobres e elevados.




Seu currículo de realizações científicas é nulo, sua reputação de estudioso é inexistente, a lista de suas obras publicadas não contém um só título sequer. Mesmo sua experiência jornalística se reduz à fabricação de um blog sem leitores.
Ao escrever sua série de artigos, no entanto, ele fala no tom superior do erudito universitário consagrado que se volta contra um “pseudo-erudito” (sic), um invasor apedeuta que deve ser urgentemente expulso dos ambientes intelectuais superiores.
A simples comparação de nossos currículos já basta para mostrar que se trata realmente de uma inversão histérica, como a do filme Zellig, de Woody Allen, em que o maluco internado no hospício, ao receber a visita da médica, acredita que o médico é ele, e ela a paciente.


Mas ainda faltam alguns detalhes para que a falsa situação de discurso adquira, na mente do seu criador, a verossimilhança alucinatória necessária para que ele acredite nela durante o tempo requerido para a redação.

A falsificação das respectivas posições no mundo intelectual deve ser complementada, ainda, por algumas alterações necessárias para dar ao debate um sentido político imaginário. Para esse fim, o sr. Moreira tem de fazer de mim um representante da “direita conservadora empenhada no combate aos movimentos negros” (v. “Imposturas de Olavo de Carvalho, 6 de julho de 2012, http://gustavoacmoreira.blogspot.com.br/2012/07/imposturas-de-olavo-de-carvalho.html). Para dar verossimilhança a essa classificação, ele alinha vários argumentos padronizados, supostamente típicos da tal “direita conservadora”, sem avisar, é claro, que nenhum deles se encontra em qualquer dos meus livros, artigos ou comentários radiofônicos.[2] Fazendo de mim, não muito sutilmente, o responsável por chavões anônimos que jamais emiti nem aliás emitiria, o sr. Moreira já falsificou radicalmente a identidade do seu oponente, fazendo dele o alvo fácil do que quer que se diga contra a “direita conservadora” em geral.

A expressão mesma é enganosa no mais alto grau. No Brasil não existe nenhuma “direita conservadora” como corrente política identificável. Nem mesmo como corrente cultural minimamente unificada. Não existe uma corrente política onde não há um empenho coletivo de unificar um discurso ideológico para fazer dele a base de uma estratégia para a conquista do poder. O que há, neste país, são algumas pessoas em número irrisório, isoladas por distâncias enormes, praticamente sem nenhum contato pessoal, que às vezes protestam contra isto ou aquilo em blogs da internet, sem nenhum outro meio de difusão.

Suas idéias são enormemente variadas, não configuram nenhuma unidade ideológica, muito menos um programa político. O próprio sr. Moreira reconhece, mais adiante, que a “direita conservadora” não tem “nenhuma perspectiva de poder”. É um eufemismo.

Da totalidade dos colaboradores que escrevem para o Mídia Sem Máscara e outros sites “de direita”, não conheço um só que tenha planos de entrar na política, quanto mais de “conquistar o poder”.
A “direita conservadora” é, na mais generosa das hipóteses, uma vaga convergência de insatisfações entre cidadãos isolados. Fazer dela uma corrente política ativa é um fingimento histérico mediante o qual a esquerda dominante camufla o controle hegemônico que exerce sobre toda a sociedade brasileira e, no auge do poder monopolístico, se faz de vítima perseguida e ameaçada. Não encontrando em torno ninguém poderoso o bastante para persegui-la e ameaçá-la, tem de compor, com exemplos minguados e esparsos, uma força política imaginária que dê artificialmente a um combate desigual e covarde os ares de um empreendimento heróico.

Como mesmo esse esforço ficcional não produza resultados apreciáveis, é preciso transferir imaginariamente para a “direita” todas as facções da esquerda moderada que, por um motivo ou outro, denunciem a corrupção nas altas esferas federais.


O sr. José Serra, que tem uma longa folha de serviços prestados à esquerda, e cujos discursos de campanha têm se empenhado numa competição de esquerdismo em eleições onde, como reconheceu o próprio sr. Luís Inácio Lula da Silva, todos os candidatos são de esquerda, é freqüentemente atacado como porta-voz da “direita conservadora”.
E, na última reunião do Foro de São Paulo a presença de dois repórteres da revista Veja, tradicional propugnadora das causas culturais esquerdistas, foi denunciada como infiltração de perigosos agentes “da extrema direita”.
Quem não vê que essa mudança do eixo das catalogações ideológicas deriva da pura necessidade de criar um inimigo imaginário por falta de um verdadeiro, e que aliás ela expressa aquele tipo de radicalização crescente que os governos revolucionários só se permitem, justamente, quando se sentem seguros de não ter mais concorrentes “com perspectiva de poder”?

Dessa falsificação mais ampla, o sr. Moreira não é decerto o criador. Apenas participa dela por contaminação passiva, sem jamais ter-lhe ocorrido a idéia de examiná-la criticamente.

Também não foi ele que criou a idéia de mesclar, entre fumaças, o terceiromundismo e o “movimento negro”. Isso já vem de longe, é mesmo um elemento constante da propaganda comunista.

Embora o terceiromundismo seja uma criação soviética e um movimento internacional onde para cada participante negro há pelo menos mil brancos, o que quer que se diga contra ele é instantaneamente transmutado em “combate aos movimentos negros”, para lhe dar ares de racismo.

Mas como poderia haver aí algum racismo se, justamente, os movimentos pelos direitos civis dos negros inexistem em todos os países comunistas e islâmicos – três quartas partes do bloco terceiromundista – e só prosperam, com amplo apoio da sociedade, nos países ocidentais mais atacados pelo terceiromundismo? Transformando a minha crítica ao terceiromundismo em “ataque ao movimento negro”, o sr. Moreira falsifica ainda mais a minha posição – e a dele – neste debate.

Não contente com isso, ele tem de adulterar também a minha identidade social e as minhas opiniões, para compor a figura imaginária, o espantalho ou “homem de palha” contra o qual vai, em seguida, obter a mais fácil das vitórias: a vitória de um histérico contra um fantasma de sua própria invenção.




Num de seus últimos artigos o sr. Moreira se queixa de que costumo “desqualificar os oponentes”. Provavelmente, ao escrevê-lo, ele já não lembrava mais que havia começado a série fazendo exatamente o mesmo comigo.
No seu artigo “Balelas de Olavo de Carvalho”, de 25 de abril (http://gustavoacmoreira.blogspot.com.br/2012/04/balelas-de-olavo-de-carvalho-arabes.html), ele começa com uma espécie de captatio benevolentiae às avessas, onde, não podendo atrair simpatia para a sua pessoa, procura despertar antipatia à do oponente:

Olavo de Carvalho, “filósofo e jornalista sem diploma”, é uma das maiores celebridades conservadoras da Internet, na qual constantemente se queixa da falta de reconhecimento institucional

O sr. Moreira não poderá jamais mostrar uma única frase minha onde eu me “queixe da falta de reconhecimento institucional”. Bem ao contrário, tenho dito e repetido que títulos concedidos por qualquer universidade brasileira, nas áreas de filosofia e ciências humanas, não valem nada como provas de capacitação intelectual. Veremos adiante como o próprio sr. Moreira é mais uma prova disso, entre milhares.

Além disso, reconhecimento, da parte de instituições e pessoas verdadeiramente qualificadas, nunca me faltou. O Instituto Brasileiro de Filosofia, a Maison des Sciences de l’Homme, o First World Congress and School on Universal Logic (Montreux, Suíça, 2005), a Georgetown University, o New Europe College de Bucareste, sem contar celebridades internacionais no campo da filosofia como Miguel Reale, Alexandre Costa Leite, David Walsh, Jean-Yvez Béziau, Romano Galeffi e tantos outros que me honraram com convites para aulas e conferências, quando não com louvores expressos, são com toda a evidência mais qualificados para julgar o meu trabalho do que a universidade que concedeu o título de “historiador” a um monoglota confesso, incapacitado para atualizar-se com a bibliografia da sua profissão.

Quando se considera que sem o domínio cabal de pelo menos uma língua estrangeira o estudante não pode ser aprovado nem num exame vestibular, um título de mestrado concedido nessas condições é em si mesmo um escândalo que bem denota o estado das nossas universidades.

e produz teorias da conspiração em doses generosas. Previsivelmente, em boa parte de seus artigos os muçulmanos ocupam o papel de vilões, de ameaça constante à civilização ocidental. Todavia, no afã de combater o “inimigo”, ele não economiza disparates e juízos de valor que mais caberiam ao chefe de uma torcida organizada.

A tentativa grotesca de me expor à execração pública como inimigo visceral do Islam é uma prova cabal de que o sujeitinho se imagina qualificado para me julgar e condenar sem ter sequer examinado por alto o meu currículo, onde consta o prêmio recebido do governo da Arábia Saudita por um estudo sobre as origem do Islam (v.
http://www.olavodecarvalho.org/english/1Resume.pdf), e aliás sem ter tido nem mesmo o cuidado de procurar, no meu site, outras menções à civilização islâmica, para ver se confirmam a imagem de detrator sectário que ele deseja pintar de mim. Se tivesse o mínimo indispensável de idoneidade requerido para ler os escritos de um autor antes de vociferar contra ele, o infeliz teria encontrado, entre outras amostras, as seguintes:

“Na verdade, o Islã, acusado de sectarismo estreito, é a mais ecumênica das religiões: na sua doutrina da sucessão dos profetas, de Adão a Maomé, estão incluídas e legitimadas todas as religiões monoteístas, concebidas como patamares históricos de uma revelação única que culmina na “Laylat-al-Qadr”, a “Noite do Poder”, quando o Arcanjo Gabriel começa a ditar a Maomé os versículos do Corão.”
“...essas considerações impugnam a tirada antimuçulmana com que o historiador Paul Johnson deu substancial ajuda involuntária tanto aos inimigos do Islã quanto aos de Israel e do Ocidente. Pretendendo demonstrar a radical hostilidade do Islã às demais religiões, especialmente ao cristianismo, Johnson citou a Sura IX:5: “Matai os idólatras onde quer que os encontreis, e capturai-os, e cercai-os e usai de emboscadas contra eles”. Mesmo em seu sentido mais geral possível, o termo “idólatras” não se aplica aos povos monoteístas. Nessa passagem em especial, ele se refere aos politeístas de Meca mencionados no versículo anterior.”
(“Guerra de religião?”, Época, 20 de outubro de 2001,
http://www.olavodecarvalho.org/semana/greligiao.htm.)

“Depoimentos e mais depoimentos, documentos e mais documentos comprovam que o radicalismo muçulmano não brotou espontaneamente da sociedade islâmica, da cultura islâmica, mas foi criado pelos serviços de inteligência soviéticos e é ainda alimentado e monitorado por agentes russos (leiam Ion Mihai Pacepa em http://www.nationalreview.com/articles/218533/ russian-footprints/ion-mihai-pacepa e Claire Berlinski em http://www.tabletmag.com/ jewish-news-and-politics/103576/the-cold-wars-arab-spring). Apesar disso, o governo americano continua tratando Vladimir Putin como parceiro confiabilíssimo, enquanto os intelectuais conservadores produzem toneladas de retórica piedosamente cristã para lançar a culpa do terrorismo em tradições corânicas de quatorze séculos, ajudando a ação da KGB-FSB a recobrir-se da camuflagem islâmica que, precisamente, estava nos seus planos desde o início.
(“Burrice americana”, Mídia Sem Máscara, 11 jul 2012,
http://www.midiasemmascara.org/artigos/internacional/estados-unidos/13224-burrice-americana.html.)

No artigo “Três pistas falsas”, publicado em Época em 29 de setembro de 2001, menos de duas semanas após o atentado ao World Trade Center, que despertava ódio anti-islâmico por toda parte, eu escrevia:

“Explicar os atentados como efeitos do ‘fanatismo’, da ‘belicosidade’ ou do ‘atraso’ da religião islâmica é talvez o erro mais grave de todos, pois fomenta um conflito geral entre o Islã e o Ocidente.”

O esforço do sr. Moreira para me retratar como fanático antimuçulmano é, portanto, algo mais que mera desonestidade intelectual. É um crime de difamação em toda a linha. Ele sabe que o cometeu? Sim e não. É característico da deformação histérica da realidade o sujeito viver num lusco-fusco no qual suas responsabilidades penais, ainda que não totalmente ignoradas, recuam para um fundo nebuloso onde não é preciso pensar nelas, quando se escreve, quando se fala e quando se age, de modo que é como se não existissem.

Esse é mais um traço comum entre o sr. Moreira e a média dos estudantes universitários brasileiros. Se a consciência de responsabilidade penal é um requisito essencial da vida adulta, o fenômeno da juventude prolongada, tão bem descrito por Robert Epstein,[3] é um coadjuvante da alienação histérica.
Ela permite que cada um exerça poderes de adulto resguardando-se, ao mesmo tempo, por trás da expectativa de que o mundo continuará tendo para com ele a tolerância paternal que se concede às crianças.

Refratário a Barack Obama, a quem acusa alternadamente de ser muçulmano, comunista e queniano...

Desde logo, nunca afirmei que Obama tivesse nascido no Quênia. Dou ao sr. Moreira um prazo de dez anos – ou de um século, se ele quiser -- para localizar, nos meus escritos e emissões de rádio, qualquer palavra minha nesse sentido.

Com relação aos termos “muçulmano” e “comunista”, o advérbio “alternadamente” dá a entender que se trata de qualidades mutuamente excludentes e contraditórias, que às tontas atribuo a Barack Obama, no puro intuito de dizer alguma coisa, qualquer coisa, contra a criatura. Na verdade, nunca escrevi que Obama fosse nem uma coisa, nem a outra. Escrevi, sim, que ele trabalha em favor de um esquema de poder internacional em que se aliam, contra os EUA e Israel, comunistas e radicais islâmicos (não “muçulmanos” tout court). A existência desse esquema é notória.
Para o cidadão comum desinformado, que entende as sentenças apenas pelas acepções nominais dos termos, sem referência aos fatos subententidos que ele desconhece, os qualificativos de “muçulmano” e “comunista” podem soar mesmo contraditórios, dando a impressão de que sou um louco empenhado em xingar Barack Obama per fas et per nefas. O sr. Moreira usa aí da própria ignorância como instrumento para explorar a ignorância alheia. O procedimento é caracteristicamente difamatório e não é de maneira alguma aceitável numa discussão intelectual séria.

(continua)
Escrito por Olavo de Carvalho

[3] Faça o teste do dr. Epstein em http://extendedchildhooddisorder.com/ e descubra o seu quociente de infantilismo.

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