Na briga de interpretações, STF começa a transformar incertezas
em certezas
Parece não haver muita divergência sobre os fatos no julgamento
de hoje. Há quase consenso da existência de um conjunto de pagamentos
inusitados. Há certo consenso de que alguns pagamentos envolveram direta ou
indiretamente recursos privados e públicos. Como há consenso de que estes
pagamentos tinham fins políticos.
Diverge-se então de quê?
Diverge-se do significado desses pagamentos. Eles são ruins ou
são bons? Legais ou não? Fizeram bem para a vida política e para o país, ou
não? Não sabemos ainda. Há uma batalha de interpretações concorrentes. Há
incertezas no ar.
Hoje, o Supremo Tribunal Federal começa a transformar
incertezas, em certezas. Julgar é isso. Além de constatar os pagamentos,
trata-se de escolher uma interpretação. Feriu ou não a Constituição? As duas
interpretações que em princípio estão em jogo são as seguintes.
Por um lado, a acusação, o Ministério Público, defende que esses
pagamentos estão encadeados, interconectados, em objetivo único a unir
políticos, partidos, bancos e empresas. Existiria um sentido, um significado
comum nesses pagamentos: corrupção. Ao fundamentar a acusação na atuação de uma
quadrilha, o MP tem uma visão sistêmica dos pagamentos, partes que integram um
todo, e com destino comum: corromper a política, a gestão do Estado. O que é
crime.
Por outro lado, os advogados dos réus negam essa visão
sistêmica. Insistindo que no direito penal a individualização da conduta é o
principio básico. Cada um só pode ser responsabilizado pela ação que cometeu.
E mais: tem que haver provas específicas para cada ação
individual. Ninguém responde pela ação do outro. E se houve ação coletiva foi
para pagar dívidas de campanha. Pagar dívidas de campanha, mesmo por caixa
dois, não é crime. A lei não prevê.
O Supremo, ao colocar ponto final nessa incerteza, enfrenta dois
desafios. O primeiro é sobrepor sua natureza de órgão colegiado a
individualismos, que muitas vezes abalam sua legitimidade e paralisam sua ação.
Tudo indica que o ministro Ayres Britto tem tido sucesso em negociações internas
para obter consenso sobre o método de julgar. Diria o poeta: condenar ou
absolver não é preciso, julgar é preciso.
O segundo desafio é convencer os cidadãos e a opinião pública
dos bons fundamentos de sua decisão.
Não pode ser hermético, hesitante ou se obscurecer em retóricas
doutrinárias. Sua autoridade está em sua clareza. Julgar não é somente
convencer o ministro ao lado. Na democracia, o Supremo dialoga com a opinião
pública. Participa de um amplo processo de construção de compreensões mútuas.
Sem o qual paz social não há.
Folha de S. Paulo (SP) -02/08/2012
JOAQUIM FALCÃO
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