Prêmio Nobel, para mim, não é exatamente título que recomende um homem. Particularmente quando se trata do prêmio Nobel da Paz, que reúne uma extensa lista de vigaristas notórios. O de Literatura também não me convence muito. Nestes dois casos, vigem critérios políticos e ideológicos. Eu ainda nutria algum respeito pelos Nobéis da área científica. Nutria. Porque a safra recente deixa muito a desejar.
Comentei há pouco a concessão do último Nobel de Física aos cientistas David Wineland e Serge Haroche que, segundo a última edição de Veja, foi atribuido pela verificação em laboratório do paradoxo da mecânica quântica, intitulado o Gato de Schrödinger, que estaria morto e vivo ao mesmo tempo. Meu respeito pelo Nobel de Física caiu a zero. Pois o tal paradoxo não passa de um jogo bobo de palavras, que só tem servido para alimentar delírios de místicos. Como foi proferido por um cientista renomado, fez carreira. Ainda ontem, uma leitora que nada tem a ver com física mas cultiva o bom senso, me escrevia:
- A primeira vez que vi, acho que no segundo grau, o paradoxo do “Gato de Schroendiger”, não vi paradoxo nenhum. Como assim o gato está vivo e morto ao mesmo tempo? Só porque não podemos ver dentro do cilindro isto não muda a realidade, ou o gato morreu ou está vivo somente não conseguimos observar. Quando nasci ainda não havia aparelho de ultrassonografia e uma mãe somente saberia o sexo do bebê após o nascimento. E daí? Então os bebês eram machos e fêmeas ao mesmo tempo? Claro que não, apenas não conseguíamos vê-los antes, fato agora resolvido, pois os novos aparelho de ultrassom podem ver até a cor dos olhos de um feto. A tá! Agora eles já podem ser identificados como meninos ou meninas, se bem que no mundo do século XXI teremos que aguardar até a adolescência e olhe lá, mas ai a questão é outra, rs. Se o cilindro fosse de vidro transparente ou pudesse ser colocado em um aparelho de raio X não haveria duvidas sobre a situação do gato. Onde está o principio da incerteza afinal?
Para detonar certas grandes descobertas científicas, basta às vezes o olhar descomprometido de uma criança. Outro leitor há pouco me informava como o tal de Toque Terapêutico, que tem rendido milhões aos que o usam como terapia nos Estados Unidos, foi ridicularizado por uma menina de nove anos. A informação é do Emerson Schmidt:
- Ocorre que em 2009 o TT foi desmascarado nos EUA em um projeto de ciências por Emily Rose, uma menina de nove anos, usando apenas um papelão com dois buracos na base que permitiam a terapeuta colocar suas mãos através deles, mas não permitia que a terapeuta visse o que ocorria do lado onde as mãos ficavam. Como elas alegam que podem sentir a energia da pessoa, Emily escolhida aleatoriamente uma das mãos da terapeuta e colocava a sua mão sobre a da terapeuta, mas sem tocá-la fisicamente. A seguir a terapeuta deveria escolher sobre qual das suas mãos estava a mão de Emily. Nem se precisa comentar que os resultados foram piores do que se cara e coroa tivesse sido jogado para escolher a mão.
A informação de Veja era incorreta, como suspeitei. Outro leitor, o Darke Mayer Goulart, me informa:
- Eu perdi algum tempo lendo o press release no site do Prêmio Nobel e os laureados desse ano, Serge Haroche e David Wineland, ganharam a indicação por terem criado métodos para medir e manipular partículas individuais sem que elas percam suas propriedades quânticas (ou seja, contornando aquela limitação de que a observação das partículas interferia no seu comportamento). Pelo pouco que eu entendo dessas coisas, isso tornaria o "paradoxo do gato" irrelevante. Não li a reportagem da Veja (francamente, só leio a Veja em consultórios médicos), mas se eles escreveram que as técnicas desenvolvidas pelos Nobéis de Física desse ano "resolvem" o problema do "gato de Schröedinger"... não é bem isso que a descoberta quer dizer.
Veja anda muito mística ultimamente. Parece existir uma ala na redação propensa a crer nas coisas do Além. A revista já andou fazendo acenos às terapias espíritas, à impostação de mãos e ao tal de reiki. Minha confiança nos Nobéis de Física, por enquanto, não foi abalada. Seja como for, o nome de Haroche está sempre associado ao famigerado paradoxo.
Mas minha confiança em outro Nobel vacilou. Um estudo sobre combinações e parcerias rendeu ao matemático norte-americano Lloyd Shapley o Prêmio Nobel de Economia deste ano, dividido com outro matemático dos EUA, Alvin Roth. Os resultados podem ser aplicados em decisões como escolher uma escola para seu filho, racionalizar a doação de órgãos e até conseguir um casamento mais feliz.
Como não disponho do compte rendu da concessão do prêmio, vou confiar nas declarações ao UOL do economista e professor da FGV-SP Samy Dana. Uma das conclusões do estudo é que uma pessoa nunca deve deixar de flertar com alguém só por achar que não tem chances.
Se procede esta conclusão, me parece que a Svenska Akademie anda premiando o fútil. Mas vamos adiante. Segundo o professor Samy, os estudos facilitam o transplante de órgãos.
- Caso uma mulher tivesse problemas em seu rim, por exemplo, e seu marido quisesse doar um dos seus para ela, mas não fosse um doador compatível, eles deveriam esperar até que um doador anônimo surgisse. Tal evento poderia demorar muito a ocorrer ou nem mesmo acontecer. Os pesquisadores sugeriram, então, a criação de um sistema com cadastro das necessidades dessas pessoas, de modo que pessoas das mais diversas regiões pudessem doar a outras desconhecidas e assim salvar a vida dos cônjuges. Esse sistema foi implementado e funcionou nos EUA.
Ora, se sugerir a criação de um cadastro de órgãos é motivo para Nobel, então o prêmio deve ser pulverizado por todos os hospitais do mundo. Mas o mais bizarro vem adiante. Segundo o economista da FGV, pode existir uma "fórmula do amor": o algoritmo Gale-Shapley, nascido do estudo de Shapley, que tenta mostrar como estabelecer um relacionamento estável.
- Lloyd Shapley desenvolveu, com outro pesquisador, David Gale, o chamado algoritmo Gale-Shapley, para criar casamentos estáveis. Suponha quantidades iguais de homens e mulheres. O algoritmo prevê que, na primeira rodada de encontros feitos no estudo, os homens deveriam propor casamento a sua mulher solteira preferida. Ela deveria dizer "talvez" ao proponente que mais gostasse e "não" aos demais. Assim, casais seriam provisoriamente formados.
- Na rodada seguinte, os homens solteiros devem propor novamente às mulheres, e essas devem novamente dizer "talvez" aos proponentes que mais preferirem e "não" aos demais (podendo ser inclusive, o seu parceiro provisório). Ou seja, a uma mulher é permitido "mudar para melhor".
- O modelo prevê que, uma vez que uma mulher se case, ela deve estar sempre casada, mesmo que com parceiros diferentes. No final das rodadas, não poderá haver nenhum homem ou mulher solteira, e garante-se que os casamentos formados serão estáveis.
- O que garante que esses casamentos se tornem estáveis? – pergunta o repórter do UOL.
- É que o homem e a mulher sabem que não podem ficar com ninguém melhor que aquele parceiro. Foram rejeitados nas outras possibilidades.
Temos então a fórmula do amor, o algoritmo Gale-Shapley. Só o que faltava. Um casamento pode dar certo – e muitas vezes dá – por algo que nada que tem a ver com amor. E muitas vezes termina em desastre, exatamente devido ao tal de amor. Se existisse fórmula para o sucesso de um casamento, os advogados que fazem fortuna com Direito de Família morreriam à míngua. Sentimentos não podem ser reduzidos a fórmulas. Os nóbeis de economia estão invadindo seara alheia, e com muita falta de tato.
Não é reunindo homens e mulheres em uma sala que se chega a casamentos estáveis. Muito menos ao tal de amor. Tente explicar a um muçulmano ou a um bugre incivilizado em que consiste o amor, tal como os ocidentais o entendem. Eles vão rir na sua cara.
Ora, depõe contra um cientista ouvi-lo falar de amor. Amor, como Deus, são mitos que só existem para quem neles crê. Em História Natural do Amor, Morton Hunt nos conta que um antropólogo, o dr. Audrey Richards, que viveu entre os bembas da Rodésia, relatou certa vez a um grupo desses nativos, uma historieta folclórica inglesa. A história falava de um jovem príncipe que galgara montanhas de vidro, atravessara abismos e lutara com dragões, tão somente para obter a mão da moça que ele amava. Os bembas sentiram-se completamente atarantados, mas ficaram em silêncio. Por fim, um velho chefe tomou a palavra, para expressar os sentimentos de todos através de uma das perguntas mais simples deste mundo:
- Por que não escolheu outra moça?
Amor é uma ficção literária, surgida nos poemas de Safo de Lesbos, cinco séculos antes de Cristo. Alimentado durante séculos pelos literatos, adquiriu foros de existência. Como toda ficção, não obedece à regra nenhuma. Ao ver um economista e um matemático recebendo o Nobel por reduzir a uma fórmula uma ficção, ponho em dúvida a higidez mental dos acadêmicos suecos.
21 de outubro de 2012
janer cristaldo
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