O ministro Celso de Mello não se abala com ataques aos procedimentos do Supremo Tribunal Federal no julgamento do mensalão nem se deixa impressionar pelos elogios. "Isso tudo é passageiro", ameniza.
Permanente mesmo - o mais importante na opinião dele - é o "alto poder pedagógico" do processo, cuja essência não está na distinção entre técnica e política, mas em seu caráter moral. "A peça fundamental em exame é a ética de governos."
Obviamente o ministro repudia a versão de que o STF estaria atuando como um "tribunal de exceção", distanciando-se do rigor legal para enveredar pelo terreno da perseguição a um partido: "Os conceitos emitidos não estão distanciados da realidade constitucional. Ao contrário. A fidelidade à Constituição é que nos permite demonstrar a transgressão".
O juízo definitivo, considera, será dado pela percepção do País a respeito do que vem sendo dito há quase três meses pelo Supremo. "Há um esforço do tribunal para que a coletividade saiba perfeitamente por que os réus são condenados ou absolvidos."
Daí a utilidade e a necessidade de os ministros sustentarem seus votos em argumentos doutrinários e também em princípios como o defendido por ele no dia 1.º de outubro na condenação de deputados por corrupção passiva: "Quem tem nas mãos o poder do Estado não pode exercer o poder em proveito próprio".
Celso de Mello acompanha todas as críticas, lê os sites mais desaforados, cita autores, reproduz trechos de memória. Descontado o desconforto com as que "beiram a irracionalidade" e as que "resvalam para a ofensa pessoal", celebra o "pluralismo de ideias" e aponta que aí reside a beleza da democracia.
"Ruim era o tempo em que injúrias a ministros do Supremo eram consideradas crimes de lesa-pátria", diz, exibindo como prova o artigo da Lei de Segurança Nacional ainda em vigor, mas neste aspecto letra morta. "Ainda bem", comemora.
O decano, desde 1989 na Corte, prepara-se para dar por encerrada sua missão - "este é meu último outubro aqui" - antecipando uma aposentadoria que por idade ocorreria só em 2015, a conselho do médico por causa das sucessivas crises de hipertensão.
Não provocadas, mas agravadas pelo excesso de trabalho do processo em curso, "uma exaustiva maratona". O esgotamento físico, contudo, é, na visão do ministro, largamente compensado pela oportunidade de estabelecer novos paradigmas no trato de crimes cometidos a partir do controle do aparelho de Estado.
"Não estamos julgando simples delitos de corrupção, estamos diante de uma ação corruptora destrutiva do fundamento essencial da República, que é a separação dos Poderes e o equilíbrio entre eles."
A tentativa de subjugar o Legislativo às vontades do Executivo e ainda mediante a compra dessa submissão, na concepção de Celso de Mello, afronta a integridade do Estado de direito e põe em risco a garantia das liberdades.
Como? O decano explica: "Se um dos Poderes concentra toda a força e, mais grave, constrói essa hegemonia por meio de iniciativa criminosa, o que se tem é uma aguda distorção institucional decorrente da ilicitude e do modo imperial de governar".
A expectativa do ministro é que esse julgamento funcione também como um estímulo à restauração dos preceitos republicanos.
Torce para que a sociedade compreenda o panorama que emerge de todo esse debate e se esforce para defender seu direito de contar com "administradores íntegros, parlamentares probos e juízes incorruptíveis".
Para Celso de Mello a mensagem do STF está dada: "A absoluta intolerância do Poder Judiciário em face de atos de corrupção".
Sobre o maior ou menor alcance que isso terá daqui em diante o melhor juiz é "o povo brasileiro" que, na opinião do ministro, vive "um momento de decisão".
21 de outubro de 2012
DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo
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