Na véspera do 7 de dezembro, hoje, o dia D para a plena vigência da Lei de Serviços Audiovisuais (Lei de Meios) na Argentina, instalou-se uma crise institucional com a duríssima e inédita manifestação do Poder Judiciário contra as pressões do Poder Executivo em relação à aplicação da lei.
Juízes de todo o país advertiram, em síntese, que “a independência do Poder Judiciário é fundamental para o funcionamento da democracia e constitui uma garantia fundamental para a defesa dos direitos dos cidadãos”.
O choque institucional tem como pano de fundo a ameaça à liberdade de imprensa e de expressão representada pela Lei de Meios. Venceria hoje a liminar obtida pelo Grupo Clarín suspendendo a aplicação dos artigos 45 e 161 da legislação, considerados inconstitucionais por violar direitos adquiridos. A Corte Suprema determinara a instância inferior que julgasse o mérito.
A Casa Rosada chegou ao extremo de impugnar todos os juízes da Câmara Civil e Comercial, que deveria se pronunciar sobre a matéria. Mas a Câmara, ontem, no final do dia, não só rejeitou a impugnação como prorrogou a liminar até uma “sentença definitiva”. Reação à altura da Justiça — e o choque se agrava.
A Lei de Meios, segundo o governo, busca “democratizar” e desconcentrar a mídia no país. Contudo, a prática kirchnerista mostra que ela é um instrumento para enfraquecer os grupos de comunicação independentes.
É antiga a alergia dos Kirchner aos veículos que monitoraram o desempenho do governo, criticando e apontando erros, quando for o caso. A estratégia, exacerbada no governo de Cristina, é criar uma verdade oficial a partir de uma forte rede estatal de comunicação, distribuir gordas verbas publicitárias aos grupos e veículos “fiéis” e desacreditar, caluniar e boicotar aqueles que se mantenham independentes. E o projeto já está em curso.
Para a Casa Rosada, há grupos de comunicação que têm concessões (de rádio e TV) excessivas. A Lei de Meios exige que eles se desfaçam de muitos desses veículos em nome da “pluralidade de vozes na mídia”. Mas a legislação foi feita para quebrar a espinha do Grupo Clarín, crítico do governo. É preciso torná-lo dependente de verbas oficiais.
Em sua manifestação contra a manobra de Cristina K., os magistrados argentinos exortaram “o Poder Executivo (...) a exercer suas faculdades no marco das regras processuais, evitando o uso de mecanismos diretos ou indiretos de pressão sobre os juízes que afetem sua independência”.
O modelo argentino destoa do que prevalece em países democráticos sul-americanos, como Brasil, Chile e Uruguai, e se alinha ao bolivariano-chavista, que vê na mídia uma “conspiração de elites” contra “governos populares” que se eternizam no poder.
Cristina manipula índices econômicos, cerceia a liberdade de imprensa e ataca o Poder Judiciário. Assim, criou uma crise institucional.
Insiste em dividir o país em amigos (do governo) e inimigos — todos os demais. É um caminho sem final feliz. A própria Argentina já viveu este drama.
07 de dezembro de 2012
Editorial, O Globo
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