"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

GOVERNO TENTA ACOBERTAR RISCO DE RACIONAMENTO

 

 

Enquanto o sistema elétrico nacional caminha para uma situação de incerteza que pode levar a um racionamento, o governo se apresenta dividido sobre o cenário real.
De um lado, declarações oficiais tentam mostrar que o risco não existe - como garantiram o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e o secretário-executivo da pasta, Márcio Zimmermann, nestas segunda e terça-feiras.
De outro, as avaliações técnicas apontam para um cenário de insegurança, que agora depende mais das chuvas do que da ação do governo. O tema desencadeou preocupação no Executivo, especialmente no Planalto - fazendo, inclusive, com que a presidente Dilma Rousseff antecipasse o fim de suas férias e voltasse a Brasília para uma reunião de emergência na quarta-feira.
A presidente, que também foi ministra de Minas e Energia no governo Lula, costuma demonstrar irritação quando questionada sobre o risco de apagão. Na sua avaliação, 'apagão' é um racionamento generalizado, como o adotado em 2001 pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
Ela não admite que o termo seja aplicado a sua gestão - da mesma forma que não pronuncia a palavra privatização para nomear os inúmeros pacotes que divulgou ao longo do ano, concedendo à iniciativa privada a operação de diversos projetos de infraestrutura. Adriano Pires, sócio e diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), acredita que o jogo de palavras não passa de uma forma de maquiar o problema.
"Estamos pendurados em variáveis imponderáveis, graças à falta de planejamento do governo", diz o consultor. Segundo Pires, a situação de dependência das chuvas, pleno funcionamento das usinas térmicas, abastecimento constante das usinas e controle do consumo é insustentável. “Estamos na antessala do racionamento”, resume.
Níveis críticos
No Sudeste, que responde por 70% da capacidade de armazenamento do país, os reservatórios estão em 29% da capacidade - isso equivale a 72% da média histórica para janeiro. No Nordeste, os reservatórios estão com 33% da capacidade preenchida, o que significa apenas 31% da média histórica, de acordo com dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
O nível dos reservatórios das hidrelétricas está abaixo do patamar de segurança estabelecido pelo governo para evitar o racionamento, todas as térmicas estão acionadas - e, mesmo assim, os níveis dos reservatórios continuam caindo. Com isso, os olhos se voltam agora para duas soluções: as chuvas ou a diminuição do consumo.
Do lado das chuvas, as estimativas tampouco são otimistas, conforme mostram dados do próprio ONS no índice ENA (Energia Natural Afluente), que mede a expectativa de chuvas a caírem nas cabeceiras dos reservatórios, com base na média histórica.
No relatório desta semana, o ENA esperado para o Sudeste em janeiro está em 72% da média (ou seja, abaixo da média histórica, que seria 100%); para o Nordeste, está em 31%; para o Norte, 57%; e para o Sul (127%).
“A previsão no Sul é a melhor, mas ele só contribui com 7% da capacidade de armazenamento do sistema hidrelétrico nacional. Chegamos a isso mesmo tendo um crescimento da economia muito pequeno comparado às previsões oficiais”, comentou Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil.
Férias frustradas
A situação alarmante fez a presidente Dilma, que está no litoral da Bahia, planejar sua volta a Brasília para esta terça-feira, quando o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) se reunirá para tratar do assunto. Nos últimos meses, os encontros do CMSE já apontavam para o nível alarmante dos reservatórios das hidrelétricas. Como o cenário não se alterou, a expectativa é de que o encontro desta quarta resulte em medidas mais concretas.
O governo agora depende do imponderável, na avaliação de Adriano Pires: "A situação é preocupante, com certeza. O nível dos reservatórios hoje está muito baixo e, se não chover suficientemente em janeiro e em fevereiro, e no lugar certo (as cabeceiras dos rios), pode piorar ainda mais", diz ele.
Governo evita comparações
Nesta terça-feira, Márcio Zimmermann disse que há um "equilíbrio natural" nos reservatórios e descartou comparações com a situação de 2001, quando o governo Fernando Henrique Cardoso recorreu ao racionamento de energia. Para Zimmermann, os problemas da época eram "conjunturais", o que não ocorreria hoje.
Um dia antes, em entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, o ministro Edison Lobão também afirmou que o racionamento não é necessário - mas reconheceu que o custo de acionamento das termelétricas será repassado ao consumidor:
"Há um acréscimo de algo em torno de 400 milhões de reais durante os meses em que as térmicas a diesel e a óleo estão sendo despachadas. Essa pequena diferença será repassada ao consumidor. Não chega a ser 1%", afirmou ele.
Preço
Ainda que o governo afirme incansavelmente que os problemas no setor elétrico não afetarão o preço da energia, o discurso não é compartilhado pelo setor privado.
"Enquanto a energia das hidrelétricas custa cerca de 100 reais por MWh (MegaWatt-hora), o custo da energia gerada por usinas térmicas que queimam óleo diesel pode chegar a 800 reais por MWh", afirma Nelson Leite, da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee). Segundo ele, o aumento do preço será inevitável.
A discussão sobre o impacto da falta de chuvas sobre o custo da energia se dá em meio a um cenário de atrito entre o governo e as companhias do setor elétrico.
A comunicação entre as elétricas e o governo enfrenta dificuldades desde que o pacote do setor elétrico foi anunciado, prevendo reduções importantes no preço da energia para as concessionárias que renovarem seus contratos com o governo, cujo vencimento está previsto para 2015.
“As elétricas estão pressionando o governo por meio desse alerta de apagão. E a presidente quer resolver principalmente essa crise de comunicação com as elétricas - mais até do que qualquer risco de racionamento”, afirma uma fonte do setor elétrico próxima do governo.
Politização
A advogada e economista Elena Landau, especialista no setor elétrico, disse ainda ao site de VEJA que a negação do governo sobre o risco de racionamento se fundamenta em medo político. Para ela, a “confiança” apenas nas térmicas e na meteorologia está indo além do necessário.
“Estamos vivendo um dos piores cenários, com alta do consumo, ligamento das térmicas que geram muitos poluentes, falta de chuvas e falta de uma política ampla e direta de diminuição do consumo.
Isso tudo para evitar o uso da palavra racionamento, que o próprio governo petista politizou para usar nas campanhas de 2002”, disse. Elena comandou as privatizações do governo de Fernando Henrique Cardoso durante o período em que foi diretora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), entre 1994 e 1996.
A economista acredita que o racionamento é uma questão puramente técnica - e que, se for necessário para preservar nosso sistema energético, o governo precisa fazer.
“O governo anunciou a diminuição da conta de energia, a custo da sobrevivência do sistema Eletrobras, não pediu que não aumentássemos o consumo e ainda nos passa a impressão que não estamos com problemas”, afirma.
camuflados
09 de janeiro de 2013

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