Regras inusitadas na formação do novo partido não conseguem disfarçar cacoetes da política tradicional que a ex-ministra, com razão, deseja combater
Embora seja uma temeridade considerar como garantidos votos conseguidos numa eleição, Marina Silva saiu da urnas de 2010 com um “patrimônio” de 20 milhões de eleitores e acaba de lançar as bases de um partido — com um ar de movimento ou organização social — com base neste ativo político.
Indiscutível que, mantenha ou não este cacife eleitoral, a ex-petista, senadora pelo Acre, candidata dissidente ma non troppo à Presidência da República em 2010, ganhou estatura político-eleitoral. E nesta condição criou, no fim de semana, a 31ª legenda do país, o Rede Sustentabilidade, ou simplesmente REDE, nome que transpira modernidade. Se o partido de Marina ajudará mesmo na tão necessária modernização da política brasileira, isto já não é tão certo.
Conhecida em todo o mundo como militante ambientalista, senadora pelo PT, partido que trocou pelo PV, Marina, entre outros riscos, corre o de ser acusada de repetir velho cacoete da política tradicional, que deseja, com toda razão, reformar: usar a legenda como trampolim pessoal. Pois é sugestivo que uma das regras inusitadas do REDE seja limitar as adesões a políticos que tenham no máximo 16 anos de mandatos — não por acaso, a soma dos dois mandatos de Marina no Senado.
O método de criação do partido parece novo, mas, na essência, a legenda padece de ambiguidades da velha e surrada política, as quais a própria Marina Silva carrega em sua vida pública.
Por mais que se esforce, a ambientalista ainda não conseguiu cortar os laços com o PT. No segundo turno, em 2010, preferiu liberar seus eleitores, na prática um sinal verde — sem trocadilho — para que votassem em Dilma Rousseff, embora tenha sido a então ministra das Casa Civil causa relevante de sua saída do ministério, no segundo governo Lula.
Fazer política pela sua negação nunca foi exercício fácil. Mesmo na ditadura militar, políticos que se disfarçavam de tecnocratas nunca enganaram os mais atentos. Neste sentido, o REDE chama a atenção ao fechar a porta a pessoas jurídicas financiadoras de campanhas que atuem nos ramos do fumo e bebidas, agrotóxicos e armas, mas mantendo-a aberta a empreiteiras e bancos. Faz pensar.
Outro escorregão oportunista, e revelador, é justificar a aceitação de fichas-sujas no partido com o argumento de que há companheiros de movimentos sociais condenados “injustamente”. Ora, não se pode apoiar a limpeza ética na vida pública em função de conveniências ideológicas, postura típica dos defensores dos mensaleiros condenados irrevogavelmente pelo Supremo.
A política brasileira não precisa partidos salvacionistas, mas de políticos que lutem em suas legendas, no Congresso e junto ao eleitorado, por mudanças na legislação. Todas elas já conhecidas, para acabar com partidos nanicos de aluguel, a coligação em eleições proporcionais etc. Marina Silva e seu grupo poderiam ter ficado para lutar por esta causa no próprio PV.
19 de fevereiro de 2013
Editorial de O Globo
Indiscutível que, mantenha ou não este cacife eleitoral, a ex-petista, senadora pelo Acre, candidata dissidente ma non troppo à Presidência da República em 2010, ganhou estatura político-eleitoral. E nesta condição criou, no fim de semana, a 31ª legenda do país, o Rede Sustentabilidade, ou simplesmente REDE, nome que transpira modernidade. Se o partido de Marina ajudará mesmo na tão necessária modernização da política brasileira, isto já não é tão certo.
Conhecida em todo o mundo como militante ambientalista, senadora pelo PT, partido que trocou pelo PV, Marina, entre outros riscos, corre o de ser acusada de repetir velho cacoete da política tradicional, que deseja, com toda razão, reformar: usar a legenda como trampolim pessoal. Pois é sugestivo que uma das regras inusitadas do REDE seja limitar as adesões a políticos que tenham no máximo 16 anos de mandatos — não por acaso, a soma dos dois mandatos de Marina no Senado.
O método de criação do partido parece novo, mas, na essência, a legenda padece de ambiguidades da velha e surrada política, as quais a própria Marina Silva carrega em sua vida pública.
Por mais que se esforce, a ambientalista ainda não conseguiu cortar os laços com o PT. No segundo turno, em 2010, preferiu liberar seus eleitores, na prática um sinal verde — sem trocadilho — para que votassem em Dilma Rousseff, embora tenha sido a então ministra das Casa Civil causa relevante de sua saída do ministério, no segundo governo Lula.
Fazer política pela sua negação nunca foi exercício fácil. Mesmo na ditadura militar, políticos que se disfarçavam de tecnocratas nunca enganaram os mais atentos. Neste sentido, o REDE chama a atenção ao fechar a porta a pessoas jurídicas financiadoras de campanhas que atuem nos ramos do fumo e bebidas, agrotóxicos e armas, mas mantendo-a aberta a empreiteiras e bancos. Faz pensar.
Outro escorregão oportunista, e revelador, é justificar a aceitação de fichas-sujas no partido com o argumento de que há companheiros de movimentos sociais condenados “injustamente”. Ora, não se pode apoiar a limpeza ética na vida pública em função de conveniências ideológicas, postura típica dos defensores dos mensaleiros condenados irrevogavelmente pelo Supremo.
A política brasileira não precisa partidos salvacionistas, mas de políticos que lutem em suas legendas, no Congresso e junto ao eleitorado, por mudanças na legislação. Todas elas já conhecidas, para acabar com partidos nanicos de aluguel, a coligação em eleições proporcionais etc. Marina Silva e seu grupo poderiam ter ficado para lutar por esta causa no próprio PV.
19 de fevereiro de 2013
Editorial de O Globo
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