"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

POR QUE OS LONDRINOS NÃO LIGARAM PARA SANTA MARIA

 
Como jornalista sempre desconfiei muito sobre o quanto notícias que se passaram em nosso país realmente repercutiam no exterior. “Deu no New York Times” ou “apareceu na BBC” nunca me pareceu o suficiente para saber se os gringos ligavam de verdade para alguma tragédia brasileira.
 
Pois a morte de mais de 230 jovens em uma casa noturna de Santa Maria definitivamente me faz crer que não, eles não dão a mínima. É uma sensação bem pessoal, mas acho que conversei com britânicos o bastante nos últimos dias para afirmar sem medo de errar.
 
Vivo em Londres há pouco mais de seis meses. No mestrado que frequento são quase todos britânicos na nossa classe de 50 pessoas.
Eles já me perguntaram várias vezes sobre Copa do Mundo e sobre a segurança nas cidades-sede. Já me perguntaram sobre Lula e Dilma. Têm alguma curiosidade para falar sobre o estereótipo de Brasil ao qual têm acesso. Notícias do dia, nada.
 
Embora a mídia londrina tenha tratado do assunto, inclusive dando bem mais opiniões do que fatos, nenhum colega ou conhecido daqui me perguntou sobre a tragédia. Nenhum.
 
Os países que nunca tiveram relações intensas com o Império Britânico parecem despencar para o segundo plano da preocupação de quem é daqui. É basicamente uma questão cultural. Dois mortos no Egito são assunto entre os meus colegas. A ação francesa no Mali contra militantes supostamente ligados a Al Qaeda já atraiu grupos de debate na faculdade. O Brasil, mesmo com Copa do Mundo e Olimpíadas por virem, ainda não pegou. Azar deles.
 
Outros brasileiros que vivem por aqui relataram o mesmo. Trabalharam a semana inteira ao lado de britânicos e nenhum piu sobre a tragédia da boate gaúcha.
 
Cheguei a achar que fosse uma questão de preocupação, mas os insistentes convites para festas e o tom animado das aulas nesta semana me deram a certeza de que o assunto nem sequer passava pela cabeça deles -- embora eu seja o único estrangeiro da classe.
 
O máximo que ganhei foi um joinha no Facebook por criticar a cobertura britânica -- dado por um filho de indianos que quer viver por aí.
 
Não acho que brasileiros sejam absurdamente diferentes de britânicos, mas quanto mais o tempo passa mais claro fica que eles são auto-centrados demais para lidar com estrangeiros com a franqueza e o acolhimento que damos no Brasil aos que vêm de fora.
Imagino que eles poderiam até falar de si mesmos, porque já fui a clubes bem inseguros em Londres, passíveis de uma tragédia semelhante.
 
Mas, embora os 11 jornais nacionais tenham tratado do assunto, para os britânicos o Brasil é simplesmente longe demais.
 
Essa insensibilidade me parece ainda mais aterradora porque as vítimas não apenas foram muitas, mas também porque tinham a mesma idade de muitos dos meus colegas daqui.

Maurício Savarese é mestrando em Jornalismo Interativo pela City University London. Foi repórter da agência Reuters e do site UOL. Freelancer da revista britânica FourFourTwo e autor do blog A Brazilian Operating in This Area

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