Nunca fui muito de carnaval. Quem me conhece, provavelmente
em descrição mais precisa, diria que sempre fui nada de carnaval.
Nunca consegui
abandonar temporariamente todas as preocupações, os problemas, as dificuldades,
para me dedicar a quatro dias de festa. Amnésia temporária nunca foi uma
característica minha. Aliás, amnésia permanente também me falta.
Não que tenha excelente memória. Com muito custo, minha memória aprende a se lembrar. Mas nem com muito esforço, ela aprende a se esquecer. Uma pena. Amnésia temporária tem suas vantagens. O carnaval é uma delas.
Amnésia permanente, entretanto, parece trazer poucos benefícios. A incapacidade de lembrar os problemas faz com que a necessidade de corrigi-los seja esquecida. Condena-os ao esquecimento em um cemitério dos eventos que deveriam ter sido corrigidos, mas que permanecem, como mortos-vivos, esperando a repetição enquanto gritam por solução.
Coletivamente, a amnésia parece demonstrar uma incapacidade de acompanhar apenas um problema de cada vez. Cada novo problema exige a eliminação (da memória, pelo menos) de um problema anterior.
Como são muitos os problemas e todo sistema (até mesmo a amnésia!) precisa de ordem, os problemas são lembrados, discutidos e esquecidos em ordem cronológica. Cada problema novo substitui aquele que, no momento imediatamente anterior, ocupava corações, mentes e memória.
É dessa maneira que parece que as coisas vão se sucedendo, como em um desfile em frente aos olhos, em imagens que brilham das telas, em palavras que pingam dos papeis ou escorrem da boca dos comentaristas. É desta maneira que tudo é falado. Tudo é discutido. E nada é resolvido.
A certeza de que tudo será esquecido quando o próximo evento acontecer serve como justificativa para a inação. E a abundancia de eventos que fornecem assunto inesgotável parece confirmar a conveniência e inevitabilidade da amnésia coletiva.
Talvez este seja um juízo muito severo. Sempre resta a esperança de que, na Quarta-Feira de Cinzas, a inevitável ressaca traga a lembrança e a disposição para encarar e resolver tantos e tão graves desafios que vagam à espera de solução.
Novos, antigos, ou mesmo aqueles que ainda estão por se repetir.
04 de fevereiro de 2013
Elton Simões mora no Canadá. Formado em Direito (PUC); Administração de Empresas (FGV); MBA (INSEAD), com Mestrado em Resolução de Conflitos
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