"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 17 de março de 2013

A BURRICE E SEU LIMITE

Desabafo de empresário e colaborador do Planalto sobre excesso de ministérios toca no ponto fraco do Estado -o império da fisiologia
 
Enquanto se processa um dos rotineiros ajustes nos ministérios (a palavra "reforma" seria evidente exagero), ouve-se de respeitável conselheiro do governo Dilma Rousseff um desabafo inusitado.

O empresário Jorge Gerdau, que a título de voluntariado exerce o cargo de presidente da Câmara de Políticas de Gestão da Presidência da República, declarou considerar uma "burrice" a existência de 39 pastas no país.

Em entrevista a Fernando Rodrigues e Armando Pereira Filho, o empresário alterna momentos de esperança e desespero. A rigor, combinam-se: é numa avaliação de desespero esperançoso, por assim dizer, que Gerdau acrescenta: a burrice "talvez já tenha chegado a seu limite".

Não se trata, evidentemente, de crítica à capacidade intelectual da presidente, com quem o encarregado de racionalizar a administração pública federal mantém bom relacionamento e compartilha, sem dúvida, opiniões parecidas.

A questão é que, para acomodar a ampla variedade de partidos políticos que apoiam o governo, cargos são criados e distribuídos sem nenhum motivo técnico. Vai-se chegando ao paradoxo: para garantir a chamada "governabilidade" do país, a estrutura do próprio governo se torna ingovernável.

Em face das pressões sempre crescentes do empreguismo e da fisiologia, são bastante modestos os avanços que Gerdau pode creditar a seu trabalho no governo.

Pequenas coisas foram obtidas, diz o empresário, e dá como exemplo o aeroporto de Guarulhos. A capacidade de atendimento do maior aeroporto brasileiro era de 900 usuários por hora; de 2011 para 2012, o índice passou a 1.500.
 
A minúcia dessa conquista já consiste, por si só, em sintoma de que os problemas estruturais da administração federal -à qual competiria, em tese, resolvê-los- passam longe da esfera de poder concedida a Gerdau e encontram sua origem num sistema político que, burramente, subsiste inalterado no país.

A burrice talvez tenha chegado a seu limite, espera Gerdau. Será? Anunciou-se na sexta-feira, por exemplo, uma mudança de nomes na Secretaria da Aviação Civil -órgão que, para quem não sabe, tem status de ministério no Brasil. Seu titular, um técnico sem filiação partidária, cede espaço a um político do PMDB. É que outra secretaria, a de Assuntos Estratégicos, antes destinada ao peemedebista, pareceu insuficiente à agremiação.

O problema, para resumir, parece não ser tanto o de que a burrice tenha limites. É que, na política brasileira, a esperteza não os tem de modo algum.

17 de março de 2013
editorial da Folha

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