Com a divulgação, esta semana, do novo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), compilado pela Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, ficamos sabendo que o Brasil estacionou na 85ª posição entre os 187 países avaliados. Com base num índice compósito de indicadores de renda, educação (anos de estudo) e saúde (expectativa de vida), aquartelamos no mesmo patamar que a Jamaica e Omã, o que soa pouco animador, mas também não quer dizer nada.
Dói bem mais, nestes primeiros dias de Papa Francisco, saber que estamos 40 posições atrás da Argentina. No topo da pirâmide permanece a Noruega, seguida da Austrália e com os Estados Unidos em terceiro.
Em compensação, a pirâmide se inverteria caso algum órgão mundial medisse o grau de estresse das nações. É bastante provável que os Estados Unidos disparariam e atolariam como o país menos equipado para lidar com esse malaise infiltrado na nossa vida urbana.
Um livro recém-lançado por uma pesquisadora e professora de Assistência Social em Bryn Mawr, na Pensilvânia, disseca a obsessão dos americanos com estresse. Para Dana Becker, a autora do “One Nation Under Stress: The Trouble With Stress as an Idea” (“Uma nação estressada: O problema do estresse como conceito”, pela Oxford University Press), o distúrbio foi abraçado pela sociedade e transformado em cultura, quase status.
Declarar-se estressado passou a significar inserção e ascensão social.
Segundo dados da Associação Americana de Psicologia, 80% dos americanos consideram que o estresse faz parte de suas vidas; 73% acreditam ter a saúde afetada pelo coquetel de falta de tempo, preocupação, insatisfação, ressentimento, solidão, ansiedade, e tudo o mais que nos aflige.
Foi no longínquo final do século XIX que o neurologista nova-iorquino George Beard popularizou o termo “neurastenia” como um distúrbio essencialmente americano. Para Beard, a condição representava “tanto a mobilidade social da vida [nos Estados Unidos] como o alto preço que a população paga pelo rápido crescimento industrial e pelo crescente materialismo da sociedade”.
Só quase um século depois surgiu o trabalho pioneiro de um endocrinologista húngaro radicado nos Estados Unidos, Hans Selye, sobre o estresse como conceito médico e seus efeitos sobre o corpo humano. Selye pesquisava os cataclismos psicológicos gerados pela Grande Depressão e pela II Guerra Mundial quando publicou, em 1956, “O estresse da vida”. A palavra, em português, está dicionarizada no “Houaiss” desde 1975.
A saudável bronca de Dana Becker, a autora do livro de agora, é com o status que o distúrbio adquiriu na sociedade de seu país. “Estamos usando o termo para tudo — de unha encravada à guerra contra o terror”, resume ela.
Becker analisou a enxurrada de trabalhos publicados sobre o estresse decorrente da jornada dupla da mulher e se impacienta com a natureza das recomendações para dirimir o problema: ingerir quinoa, praticar ioga, recorrer à autoajuda. Ficam em segundo plano as condições sociais que geram o estresse. “A seguir essa trilha nos distanciamos cada vez mais de medidas sociais, como tornar compatíveis horários de creche e escola com o trabalho, por exemplo.” Seu olhar é o mesmo sobre outras áreas: “Pobreza tem a ver com investimentos, não com serotonina. Jovens gays precisam de políticas eficazes de combate ao bullying, e não apenas de terapia”, acredita.
No ano passado, o espirituoso artigo de um escritor e cartunista americano intitulado “The Busy Trap“ (algo como “A armadilha de estar ocupado”) tornou-se viral no país. Publicado num dos blogs do “New York Times”, foi um dos dez textos do ano de maior repercussão. Nele, o autor, Tim Kreider, admitia não apenas que tinha tempo sobrando, mas que gostava de ser desocupado em meio a um mar de amigos que se vangloriavam de não dispor de tempo livre.
Foi um assombro nacional, entre a heresia e a libertação. E antes que fosse acusado de fazer uma apologia elitista do ócio, Kreider esclareceu saber que quem tem três empregos porque precisa e gasta duas horas na condução não é uma pessoa ocupada — é uma pessoa exausta.
O que para a maioria dos americanos ainda é visto como renúncia, na Inglaterra sempre foi saudado como saber supremo: acumular o mínimo possível de obrigações, sobretudo as autoimpostas “Nossa visão de futuro deveria mirar no pleno desemprego, para que possamos desfrutar da recreação”, já ensinava com convicção o escritor e inventor britânico Arthur C. Clarke, autor de “2001: Uma odisseia no espaço”.
Assim como só poderia ser britânica uma publicação que tem por título “The Idler” (“O ocioso”) e sobrevive em plena era do estresse. A missão e o princípio da publicação constam dos estatutos:
“Explorar alternativas para a ética do trabalho e promover a arte de não fazer nada.”
Na sede londrina do clube/livraria de mesmo nome, a Academia Idler, é oferecida uma variada gama de cursos e palestras — ukulele, filosofia, latim, marcenaria. Todas as quintas-feiras.
Ou quase todas, para não cansar.
17 de março de 2013
Dorrit Harazim é jornalista
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