"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 17 de março de 2013

"SEM PAPA, OSCAR OU NOBEL"

Piadas sobre Francisco revelam recalques nacionais e nossa obscuridade sintomática
 
 
A ARGENTINA tem papa; vários Nobel e Oscar, dizia-se entre milhares de piadas que suscitou a eleição de Francisco.

O chiste tem lá suas relações com o inconsciente, mas não se trata aqui de fazer análise de recalques nacionais nem de lamentar o fracasso no BBB da fama mundial, bobagem provinciana e burra.

O Oscar é dado por uma associação comercial, kitsch como tantas, que chama a atenção por ser povoada por gente bonita, rica e famosa.

O Nobel poderia ser lá um indicador com mais tutano, ainda mais se a gente levasse em conta prêmios de ciência. Os Nobel de Literatura são o túmulo do escritor desconhecido, de tanto escrevinhador agraciado. O da Paz já premiou ex-terroristas, afora trastes demagogos.

Ainda assim, por que o país é desconhecido e ignorado como esses nomes de rua? Numa piada do ciclo papal, um cardeal diz a outros: "Não tínhamos combinado de eleger um brasileiro?". Alguém responde: "Ué, mas a capital do Brasil não é Buenos Aires?". A piada é velha, mas não seu motivo.

Para glosar Francisco, se a Argentina vive no "fim do mundo", o Brasil parece morar no mesmo endereço, mas nos fundos. Por que somos tão obscuros? Importa? Importa, mas como sintoma de deficiências e perversidades nacionais.

Somos obscuros porque somos recentes. Até 1960, não passávamos de mistura de Sudão com Império Russo perdida num canto do mapa. Tínhamos fome africana, massas de servos no sertão, éramos ainda mais iletrados do que hoje. Exportávamos café, açúcar e algodão, produtos sem rosto, afora o de Carmen Miranda. Os vizinhos do Cone Sul eram mais educados e ricos. E mais brancos, o que diminui o preconceito.

Somos separados do mundo porque falamos português, essa língua remota, quando não acham que falamos espanhol (ainda hoje, sim, até em universidades aqui nos EUA).

Somos isolados porque países grandes tendem a ser mais autocentrados. Por não temos importância militar e geopolítica. Mas moramos longe em parte porque queremos.

Somos muito ignorantes. Gostamos pouco de escola; de aprender no exterior; de falar com o exterior. Nas universidades de elite dos EUA, há relativamente menos brasileiros que mexicanos, chilenos e argentinos.

Entre 187 países, estamos em 85° lugar em desenvolvimento social (Chile: 40º; Argentina: 41º). Isso, entre outras coisas, é sinal de ignorância, de incivilidade.

Somos isolados. O Brasil é um dos países mais fechados do mundo ao comércio internacional.

Demoramos a importar tecnologias; raro importamos cérebros. Vendemos ainda produtos sem rosto, soja e ferro (nada contra) e raras Embraer. Nas prateleiras do mundo, há café da Colômbia e daqueles países miúdos da América Central e da África que confundimos no mapa. Não do Brasil.

Mas o Brasil tem o maior sistema de ciência e a economia com o maior nível de sofisticação técnica no mundo em desenvolvimento. A invenção de tais coisas ajudou a criar mais desigualdade, mas essa é outra história.

Somos assim algo obscuros porque pouco "conversamos" com o resto do mundo, embora gostemos de miçangas, "gadgets"; olhamos muito para nosso umbigo pouco educado.

17 de março de 2013
Vinicius Torres Freire, Folha de São Paulo

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