Mas sigilo será mantido por ora, diz atual coordenador da Comissão da Verdade
BRASÍLIA - Instalada em maio de 2012 para investigar as violações de direitos
humanos no Brasil entre 1946 e 1988, a Comissão Nacional da Verdade fechou um
calendário de 250 depoimentos a serem colhidos nos próximos três meses, dois dos
quais sob comando do sociólogo e pesquisador Paulo Sérgio Pinheiro.
Pinheiro afirma, porém, que não pretende dar, no momento, publicidade a eventuais descobertas. "Isso é perturbar o trabalho dos investigadores", diz ele, numa clara contraposição a seu antecessor na comissão, o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles. "Não podemos fazer teatrinho, fazer de conta que estamos colocando os acusados no banco dos réus", diz Pinheiro, segundo quem as informações a partir de agora só serão tornadas públicas após a entrega do relatório final da comissão à presidente Dilma Rousseff, em maio de 2014.
Limitada pela Lei de Anistia, a comissão não pode punir, processar agentes da ditadura envolvidos em crimes. Para que serve a comissão, então?
Nenhuma das comissões da verdade que existiram no mundo depois da primeira - em Uganda (1974) - teve caráter de tribunal, nem de órgão do Ministério Público. Elas surgiram no nosso continente depois do processo de transição das ditaduras militares. O que se vê na Argentina hoje (antigos mandatários do governo no banco dos réus) aconteceu depois da Comissão Nacional de Desaparecidos, que foi a mãe das comissões da verdade na América do Sul, dirigida por (Ernesto) Sabato entre 1983 e 84. Nenhuma comissão pune nem emite sentença. Não somos um tribunal. A nossa comissão, inclusive, tem mais poderes do que várias no mundo e no Cone Sul.
Quais são esses poderes?
Temos acesso a todos os arquivos, sem limitação de sigilo. Podemos convocar qualquer cidadão brasileiro, civil ou militar. Se os convocados não comparecem, caem num tipo penal que cabe ao Ministério Público investigar. Nós não vamos punir porque nenhuma comissão da verdade puniu. A lei é muito precisa nos tipos de crime que podemos investigar: detenção arbitrária, desaparecimento, tortura e assassinatos, sem os constrangimentos que a Lei da Anistia impõe à jurisdição penal dos tribunais.
A Lei da Anistia não é limitadora?
Não ajuda nem atrapalha. O que importa é que a compreensão dos fatos desse período no Brasil vai ser diferente após a comissão. Será dividida em antes e depois do nosso relatório final.
Qual o foco agora dos trabalhos?
As comissões da verdade têm uma centralidade nas vítimas e suas famílias. Conhecer a verdade é fundamental primeiro para as famílias das vítimas; segundo para ir além de uma visão ideologizada, não compatível com a realidade do período ditatorial. Como até hoje quase nenhum responsável pelos crimes foi sequer nomeado, então a comissão terá um trabalho extraordinário.
Se o objetivo básico é revelar a verdade, por que tomar depoimentos em sigilo, proteger os autores?
Tudo vai estar no relatório final. Tenho certeza de que a comissão vai revelar as cadeias de comando, algo que jamais foi explicitado na história brasileira. Cadeias de comando que iam desde o general presidente até o torturador que usava o pau de arara.
Por que não divulgar os nomes assim que eles são descobertos?
Não podemos fazer teatrinho, fazer de conta que estamos colocando os acusados no banco dos réus. Nós não temos esse banquinho, não temos essa encenação do tribunal. E não dá para fazer isso a conta-gotas. Isso é perturbar nosso trabalho.
Mas a opinião pública não tem o direito de acompanhar?
Não estamos trabalhando em segredo. Não tem segredo nenhum. Temos um site razoável, com transparência e temos atividades públicas a todo momento. Agora, revelar a todo instante, não. Agora mesmo estamos investigando o caso de três torturadores, mas tem os outros da cadeia de comando. Eles têm que revelar os nomes. E não vamos ficar revelando a cada momento o que vamos fazer.
Os órgãos militares de inteligência entregaram o que foi pedido ou boicotam a comissão?
Hoje há no Arquivo Nacional 16 milhões de páginas. Por volta de 40% estão digitalizadas. Sem digitalização a gente não tem como ler. É preciso o robozinho que lê 20 mil páginas por minuto para os cruzamentos. No que diz respeito aos órgãos de informação temos uma parte importante, mas há materiais faltando. Se ficarmos nesse debate - se queimou ou não queimou (arquivos militares) -, a gente não vai a lugar nenhum. Na hora que julgarmos adequada, se nossas demandas forem satisfeitas ou não, revelaremos. Mas agora o que temos é o apoio total do Ministério da Defesa e um diálogo construtivo com os comandantes militares.
Veja
também:
Estão na lista vítimas, testemunhas e autores de assassinatos e torturas
durante o regime militar (1964-1985). Nesta entrevista ao Estado, o coordenador
da comissão - cujo mandato vai até 16 de maio - diz que o trabalho não se
limitará a apurar a autoria material dos crimes. "Vamos levantar toda a cadeia
de comando, desde o general presidente ao torturador que utilizava o pau de
arara."Pinheiro afirma, porém, que não pretende dar, no momento, publicidade a eventuais descobertas. "Isso é perturbar o trabalho dos investigadores", diz ele, numa clara contraposição a seu antecessor na comissão, o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles. "Não podemos fazer teatrinho, fazer de conta que estamos colocando os acusados no banco dos réus", diz Pinheiro, segundo quem as informações a partir de agora só serão tornadas públicas após a entrega do relatório final da comissão à presidente Dilma Rousseff, em maio de 2014.
Limitada pela Lei de Anistia, a comissão não pode punir, processar agentes da ditadura envolvidos em crimes. Para que serve a comissão, então?
Nenhuma das comissões da verdade que existiram no mundo depois da primeira - em Uganda (1974) - teve caráter de tribunal, nem de órgão do Ministério Público. Elas surgiram no nosso continente depois do processo de transição das ditaduras militares. O que se vê na Argentina hoje (antigos mandatários do governo no banco dos réus) aconteceu depois da Comissão Nacional de Desaparecidos, que foi a mãe das comissões da verdade na América do Sul, dirigida por (Ernesto) Sabato entre 1983 e 84. Nenhuma comissão pune nem emite sentença. Não somos um tribunal. A nossa comissão, inclusive, tem mais poderes do que várias no mundo e no Cone Sul.
Quais são esses poderes?
Temos acesso a todos os arquivos, sem limitação de sigilo. Podemos convocar qualquer cidadão brasileiro, civil ou militar. Se os convocados não comparecem, caem num tipo penal que cabe ao Ministério Público investigar. Nós não vamos punir porque nenhuma comissão da verdade puniu. A lei é muito precisa nos tipos de crime que podemos investigar: detenção arbitrária, desaparecimento, tortura e assassinatos, sem os constrangimentos que a Lei da Anistia impõe à jurisdição penal dos tribunais.
A Lei da Anistia não é limitadora?
Não ajuda nem atrapalha. O que importa é que a compreensão dos fatos desse período no Brasil vai ser diferente após a comissão. Será dividida em antes e depois do nosso relatório final.
Qual o foco agora dos trabalhos?
As comissões da verdade têm uma centralidade nas vítimas e suas famílias. Conhecer a verdade é fundamental primeiro para as famílias das vítimas; segundo para ir além de uma visão ideologizada, não compatível com a realidade do período ditatorial. Como até hoje quase nenhum responsável pelos crimes foi sequer nomeado, então a comissão terá um trabalho extraordinário.
Se o objetivo básico é revelar a verdade, por que tomar depoimentos em sigilo, proteger os autores?
Tudo vai estar no relatório final. Tenho certeza de que a comissão vai revelar as cadeias de comando, algo que jamais foi explicitado na história brasileira. Cadeias de comando que iam desde o general presidente até o torturador que usava o pau de arara.
Por que não divulgar os nomes assim que eles são descobertos?
Não podemos fazer teatrinho, fazer de conta que estamos colocando os acusados no banco dos réus. Nós não temos esse banquinho, não temos essa encenação do tribunal. E não dá para fazer isso a conta-gotas. Isso é perturbar nosso trabalho.
Mas a opinião pública não tem o direito de acompanhar?
Não estamos trabalhando em segredo. Não tem segredo nenhum. Temos um site razoável, com transparência e temos atividades públicas a todo momento. Agora, revelar a todo instante, não. Agora mesmo estamos investigando o caso de três torturadores, mas tem os outros da cadeia de comando. Eles têm que revelar os nomes. E não vamos ficar revelando a cada momento o que vamos fazer.
Os órgãos militares de inteligência entregaram o que foi pedido ou boicotam a comissão?
Hoje há no Arquivo Nacional 16 milhões de páginas. Por volta de 40% estão digitalizadas. Sem digitalização a gente não tem como ler. É preciso o robozinho que lê 20 mil páginas por minuto para os cruzamentos. No que diz respeito aos órgãos de informação temos uma parte importante, mas há materiais faltando. Se ficarmos nesse debate - se queimou ou não queimou (arquivos militares) -, a gente não vai a lugar nenhum. Na hora que julgarmos adequada, se nossas demandas forem satisfeitas ou não, revelaremos. Mas agora o que temos é o apoio total do Ministério da Defesa e um diálogo construtivo com os comandantes militares.
A comissão tem
sofrido pressões do governo ou de militares?
17 de março de 2013
Vannildo Mendes - O Estado de S. Paulo
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