Na política dos “campeões nacionais”, o BNDES resolveu testar a hipótese de que uma política que deu errado uma vez, se repetida, daria certo. A proposta foi a mesma que mobilizou o governo militar: escolher algumas empresas para serem receptoras de recursos públicos. Elas se tornariam fortes, e o capitalismo brasileiro teria boa capacidade de competir com os outros países do mundo.
O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, anunciou em entrevista ao “Estado de S. Paulo” que a política vai ser abandonada por falta de setores para se criarem os campeões. É uma interpretação curiosa. E distante dos fatos.
O que o BNDES fez nos últimos tempos foi uma extravagante ajuda e uma inaceitável intervenção em alguns setores, como o de frigoríficos. A decisão de escolher os campeões foi feita quando o Brasil já havia se tornado o maior exportador de carne. Portanto, ganhava o campeonato sem o BNDES.
O banco distribuiu empréstimos subsidiados, aportou capital, comprou lotes inteiros de debêntures, transformou-as em capital em dois dos frigoríficos para que eles comprassem outros no Brasil e no exterior. Marfrig não vai bem, JBS virou o maior do mundo, mas alguns negócios no exterior não foram bem sucedidos, e a exportação brasileira de carne não aumentou.
O grupo Bertin foi convencido a vender para o JBS seu negócio e entrar em outra área. Foi novo desastre retumbante. Bertin entrou em energia, disputou vários leilões, ganhou, mas não conseguiu realizar os projetos.
Nada, no entanto, se compara ao desastre da decisão de fazer um grande campeão em laticínios. Pouco depois de ser constituída, em sociedade com o BNDES, a LBR Lácteos Brasil entrou em recuperação judicial e está assim até hoje.
Coutinho cita áreas em que o BNDES teria feito campeões: petroquímica, siderurgia, celulose, suco de laranja e cimento. Na petroquímica, a decisão que resultou na criação da Brasken, do grupo Odebrecht, em sociedade com a Petrobras, foi anterior à gestão atual do BNDES.
Na celulose, o Brasil já tinha grandes empresas, mas o surgimento da Fibria foi resultado de uma operação de salvamento. Aracruz e Votorantim Papel e Celulose estavam muito expostos a ativos cambiais em 2008, quando a crise internacional fez o dólar subir muito. Várias empresas tiveram dificuldades. Entre elas, as duas. E o BNDES entrou salvando e tornando possível a fusão.
A internacionalização dos setores de suco de laranja foi decisão das empresas e muito anterior ao atual governo. A concentração no setor de cimentos também já é antiga.
Fica difícil encontrar o ganho para o país e a economia brasileira dessa insistência na proposta de que o Estado deva conduzir o capitalismo, que o financiador estatal deve direcionar as decisões do setor privado, e que se houver muita concentração em cada setor o Brasil será mais rico.
Isso já deu errado em 1970. E dará errado toda vez que for tentado. O que se cria com isso é uma distribuição arbitrária de privilégios e um empresário Estado-dependente. A multinacional bem sucedida é uma empresa capaz de competir no exterior e essa capacidade não será dada através de dinheiro barato ou sociedade com o banco estatal.
Nesse aspecto, é muito mais eficiente melhorar as condições gerais de competitividade do país para que as boas empresas, as que forem bem geridas e tiverem boa estratégia, possam crescer aqui e no exterior.
O Brasil está com baixo ritmo de crescimento há vários trimestres, o investimento encolheu no ano passado, algumas empresas escolhidas estão em apuros financeiros, dos quais querem ser tiradas com mais dinheiro público. É o que o país colhe por ter persistido num erro cometido nos anos 1970.
23 de abril de 2013
Míriam Leitão, O Globo
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