Explosões em uma das maiores maratonas do mundo deixam três mortos e cerca de 150 feridos em Boston (EUA). Nicolás Maduro vence Henrique Capriles por pequena margem de votos nas primeiras eleições presidenciais após a morte de Hugo Chávez. O noticiário internacional do início da segunda-feira (15/4) prometia uma semana quente, mas nada disso importou para grande parte da mídia argentina.
O Grupo Clarín e outros veículos contrários ao governo da presidenta Cristina Kirchner praticamente colocaram para escanteio os amputados americanos, a retomada do medo terrorista nos Estados Unidos e o clima de convulsão político-civil na Venezuela. A ala governista da imprensa argentina tentou não ir a reboque, mas teve que ceder diante do apelo massivo da agenda jornalística do país.
Tudo isso porque o jornalista Jorge Lanata, o principal nome do maior grupo de comunicação da Argentina, na noite do domingo anterior estreou a segunda temporada de seu programa semanal Periodismo para todos com a denúncia sobre um suposto esquema de lavagem de dinheiro manejado por um empresário ligado à família Kirchner.
A bomba não veio só pela cifra expressiva – 55 milhões de euros lavados no exterior –, mas pelos personagens envolvidos e as práticas utilizadas na apuração da matéria.
O ponto de partida havia sido uma entrevista gravada por uma câmera escondida com Leonardo Fariña, marido de Karina Jelinek (profissão: celebridade), um sujeito que em pouco tempo começou a exibir uma vida de ostentação que despertou mais interesse do que questionamento no mundo dos programas vespertinos de fofoca na TV.
O rapaz seria responsável pelo transporte de bolsas com milhões de euros (qualquer semelhança com nossas práticas de malas e cuecas não é mera coincidência) para serem levados e lavados no exterior.
Além de ser marido de uma celebridade argentina, Leonardo Fariña usa coque nos cabelos. Logo, os programas governistas que diariamente discutem jornalismo no país fizeram uma analogia debochada – “Coquegate” – com o escândalo de corrupção que derrubou o presidente americano Richard Nixon, em 1974. Mas, além de caricaturar, os analistas desses programas chamaram a atenção para outras questões que colocam em dúvida as denúncias e as práticas de apuração em que se fundamentaram.
Novamente a câmera escondida entrou em ação. Novamente sem consentimento da Justiça.
E, previsivelmente, no dia seguinte um magistrado afirmou que as cenas gravadas não valeriam como provas. No entanto, qualquer telespectador mais atento já poderia perceber que o aparato não parecia tão oculto assim – o que foi confirmado por Fariña no dia seguinte à transmissão da matéria. Onde? Em um programa vespertino de celebridades. “Lanata não queria ficção? Pois então. Eu lhe dei ficção e criei uma história reproduzindo todas as difamações que outros meios já haviam feito sobre mim”, disse o galante rapaz ao negar toda a história.
Na segunda-feira seguinte à primeira denúncia (15/4), os debates há haviam ultrapassado os telejornais e se estendido aos programas de maior audiência do mundo do espetáculo. Que por sua vez foram usados nos telejornais, pois as celebridades em questão – que incluem a mulher de Fariña e de outro famoso envolvido na história – escolheram seu universo para contestar o programa de Jorge Lanata. Programa que escolheu dar mais foco a esses personagens que a documentos e outras provas sobre as irregularidades.
A repercussão da bomba
Diante da polêmica, que durante toda a semana passada ocupou a imprensa argentina e muitas discussões nas ruas e cafés (inclusive servindo de condimento para a manifestação massiva contra o governo ocorrida na quinta-feira, 18/4, nas principais cidades do país), na noite de domingo (21/4) a suíte da revelação de Lanata ganhou outra tintura.
O jornalista deixou de lado a espetacularização e resolveu apresentar em seu programa de TV informações mais consistentes sobre a denúncia que fizera dias antes. Curiosamente, apesar da estética que escolheu para divulgar o esquema, abriu o Periodismo para todos programa afirmando que não esperava toda aquela repercussão da semana anterior...
Lanata começou seu programa – em que se aprofundaria com mais consistência no eixo da questão, as suspeitas relações do milionário empresário Lázaro Báez com os governos de Néstor e Cristina Kirchner – com uma indignação que evidenciava as críticas à sua soberba e vaidade. “Como podem me comparar com dois lúmpens como Fariña e Federico Eláskar [o outro denunciante; operador de uma empresa que receberia o dinheiro do rapaz de coque e participaria do envio para o exterior]?”
A apresentação da suíte também se dirigia diretamente à presidenta Cristina Kirchner e a outros integrantes do governo, assumindo textualmente que “todos estão nos vendo agora”. Isto é, sem levar em consideração algo óbvio nos aparatos públicos de comunicação: o filtro quantitativo e interpretativo utilizado antes da transmissão de informações aos altos escalões, como à própria Presidência da República – ou seja, o clipping e a análise de notícias.
O resultado da espetacularização
Dessa vez, a matéria apresentado por Lanata no Periodismo para todos foi muito mais incisiva e trabalhosa. A produção viajou à província de Santa Cruz, berço político dos Kirchner, e mostrou o complexo de fazendas construído em sociedade por Néstor e Báez; um dos aviões presidenciais em manutenção em um hangar do empresário; documentos sobre empresas criadas em paraísos fiscais e dados sobre a transferência de dinheiro a bancos suíços.
A pergunta que fica no ar é quase óbvia: por que tudo isso não foi exibido no primeiro programa? Se o próprio Lanata disse que “o assunto começa e termina em Lázaro Báez e Néstor Kirchner” e rechaçou a espetacularização da política, da qual foi acusado, por que o jornalista e sua produção escolheram “dois lúmpens” para colocar sua denúncia na agenda política (e midiática) do país, em detrimento de papéis e imagens que foram mostrados no programa seguinte? A repercussão e a ansiedade pelo próximo capítulo da história garantiram ao programa de Jorge Lanata o recorde de audiência no domingo (21/4).
O Grupo Clarín, como os mais poderosos conglomerados de comunicação do continente, não constrói seu poder apenas com produtos jornalísticos, apesar da grande infraestrutura que dispõe para isso.
Parte importante do grupo são justamente os programas de fofocas, as novelas, as publicações sobre a vida dos famosos. Em suma, a “cultura da celebridade” tão consolidada na mídia do nosso tempo.
Celebridades atraem audiência e, sobretudo, anunciantes, bases insubstituíveis para qualquer meio de comunicação nos dias de hoje. E são cada vez mais valorizadas do que um minucioso e cansativo trabalho de investigação jornalística.
***
25 de abril de 2013
Maria Martha Bruno é mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ, jornalista e colaboradora freelance do UOL em Buenos Aires
Nenhum comentário:
Postar um comentário