O ministro Gilmar Mendes, do STF, concedeu ontem liminar a mandado de segurança impetrado pelo senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) pedindo a suspensão da tramitação do projeto de lei que cria dificuldades para a criação de novos partidos, impedindo que as novas siglas tenham acesso a tempo de TV e Fundo Partidário correspondentes aos parlamentares que eventualmente migrarem.
A notícia foi dada em primeira mão neste blog. Muito bem!
A liminar foi concedida no mesmo dia em que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara tomou uma decisão estupidamente inconstitucional: aprovou uma PEC que submete decisões do Supremo ao Congresso e, eventualmente, a plebiscito.
Pode-se ver a liminar de Mendes como simples retaliação. Bobagem! Pode-se também atentar para o seu conteúdo.
A primeira pergunta a se fazer é esta: o ministro está entrando num assunto de economia interna da Câmara ou, então, legislando?
Não! A liminar responde à questão citando a jurisprudência do tribunal, que admite o controle o controle de constitucionalidade prévio dos atos legislativos “sempre que os corpos legislativos ultrapassem os limites delineados pela Constituição ou exerçam as suas atribuições institucionais com ofensa a direitos públicos subjetivos impregnados de qualificação constitucional e titularizados, ou não, por membros do Congresso Nacional”.
O trecho em azul é de Celso de Mello, ao se pronunciar em outro mandado de segurança.
A atividade legislativa é normatizada pela Constituição e se dá dentro de certos limites. E o guardião da Constituição, ainda que os petistas não gostem, é o Supremo. Assim, se uma decisão dos parlamentares, ainda que de caráter político, ofender “direitos públicos subjetivos” protegidos pela Carta, o tribunal atua. E cabe mandado de segurança nesse caso? Mendes responde assim: o expediente é cabível para “coibir atos praticados no processo de aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo legislativo constitucional”.
Nesse caso, cita o ex-ministro Carlos Velloso.
O ministro lembra na liminar que o Supremo se pronunciou no ano passado sobre a migração de parlamentares para novas legendas, por ocasião da Ação Direta de Inconstitucionalidade que buscava impedir que os que migraram para o PSD levassem para a nova sigla o tempo de televisão e a verba do Fundo Partidário. Ele começa citando a Constituição (em azul):
“Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humanas e observados os seguintes preceitos:
(…)
§ 3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei”.
(…)
§ 3º Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei”.
Justamente nesse contexto, o STF, ao interpretar os dispositivos transcritos, em Sessão Plenária realizada em 29.6.2012, julgou a ADI 4.430, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, e concedeu interpretação conforme à Constituição ao inciso II do § 2º do art. 47 da Lei 9.504/97, para assegurar aos partidos novos, criados após a realização das últimas eleições gerais para a Câmara dos Deputados, o direito de acesso proporcional aos dois terços do tempo destinado à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, considerada a representação dos deputados federais que migrarem diretamente dos partidos pelos quais foram eleitos para a nova legenda no momento de sua criação.
Essa interpretação foi observada pelo sistema político nas últimas eleições municipais e, portanto, abarcou os atores políticos aos quais foi aplicada até o momento. O PLC 14/2013 parece afrontar diretamente a interpretação constitucional veiculada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 4.430, Rel. Min. Dias Toffoli, a qual resultou de gradual evolução da jurisprudência da Corte, conforme demonstrado.
O ministro destaca, assim, que, ao se transferirem tempo de TV e verba do Fundo Partidário para o PSD, o que se fazia era decidir conforme a Constituição, que segue sendo a mesma. O PLC que tenta agora impedir essa migração de tempo e verba está afrontando a interpretação da Constituição aplicada naquele caso. Como negar? E acrescenta:
A aprovação do projeto de lei em exame significará, assim, o tratamento desigual de parlamentares e partidos políticos em uma mesma legislatura. Essa interferência seria ofensiva à lealdade da concorrência democrática, afigurando-se casuística e direcionada a atores políticos específicos.
Na mosca! O PLC parece ter, desta feita, endereço certo; busca atingir alguns alvos em particular e, afirmo eu, preservar um interesse também particularíssimo: o de Dilma Rousseff, que disputará a reeleição em 2014 — e, claro, dos petistas.
Mendes lembra ainda outro aspecto essencial nesse debate: o Supremo já considerou inconstitucional a tentativa do legislador de superar, por lei ordinária, interpretação constitucional fixada pela Corte. Ou por outra: sempre que o STF tomar uma decisão emanada na interpretação da Carta, não é possível “corrigir” essa decisão por um simples projeto de lei.
Escreve ainda o ministro:
“Observo que não se está a impedir a livre conformação legislativa. O que se pretende resguardar é a manifestação do Pleno do Tribunal acerca de sua fiel interpretação da Constituição e o tratamento isonômico, em uma mesma legislatura, de todos os atores e partidos políticos interessados, sob pena de violação aos princípios democrático, do pluripartidarismo e da liberdade de criação de legendas.”
Concluo
O esforço do governo para ver aprovado esse projeto de lei chega a ser desavergonhado. Trata-se de um casuísmo escancarado, que busca eliminar, pela via cartorial, alguns adversários de Dilma Rousseff na corrida presidencial. O plenário do Supremo vai se manifestar.
Reitere-se: quando o STF decidiu que o PSD tinha direito ao tempo de TV e ao Fundo Partidário, o que se fazia era interpretar a Constituição, e foi esse o entendimento de Dias Toffoli (relator), Luiz Fux, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Ayres Britto, Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello. Só Carmen Lúcia e Joaquim Barbosa se opuseram.
E lei ordinária não pode afrontar, já se decidiu, a interpretação constitucional fixada pela Corte.
“Ah, é uma decisão contra Dilma!” Só se Dilma decidiu ficar contra a moralidade, o bom senso e a igualdade perante a lei. Ah, sim: até outro dia, Gilberto Kassab aplaudiria uma liminar assim. Desta vez, ele não deve ter gostado.
Antes, ele era um recebedor de parlamentares descontentes. Agora, faz de tudo para não ser um fornecedor. Coube a Mendes decidir sobre a liminar, justamente a alguém que costuma usar a Constituição contra a cara feia. É assim que se faz.
25 de abril de 2013
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