Ainda Beto, o ex-padre e ex-católico – Ianomâmis praticam infanticídio, e isso parece aceitável para os politicamente corretos, mas eles acham um absurdo que a Igreja tenha seus valores.
Qual é a relação que existe entre o ex-católico e ex-padre Beto e as práticas cruéis de tribos indígenas? Já chego lá. Mas, primeiro, vamos passear um pouco.
Beto, aquele ex-padre de Bauru, também ex-católico, já que excomungado, está exercendo a sua verdadeira vocação, que como já identifiquei aqui: “Nasceu para brilhar. Nasceu para o palco, o picadeiro, o palanque, sei lá eu”. Ao comentar nesta terça a excomunhão, exagerando a própria importância, como parece ser o hábito do mau hábito, afirmou:
“Eu me sinto honrado em pertencer à lista de muitas pessoas humanas que foram assassinadas e queimadas vivas por pensarem e buscarem o conhecimento. Agradeço à Diocese de Bauru”.
Ulalá! Beto é o Giordano Bruno do casamento aberto! Tempos inglórios aqueles, estes, em que um tipo como esse rapaz ganha destaque e é tratado como um pensador. Mas notem: está feliz. Já pode escrever livros, fazer programa de televisão, virar consultor sentimental, viver, na prática, a vida que acha justa em teoria.
Se não estiver no Fantástico no domingo, corto os dois mindinhos e começo a falar com a língua mais presa do que o Lula. A Igreja também se livra, quando menos, de alguém, fica claro agora, que a detesta.
Os que admiram as ideias de Beto continuarão a receber o pão espiritual, já que ele é assíduo das redes sociais e, segundo li na Folha, das cervejarias. O único que está apanhando mesmo é o jornalismo — na pena de alguns jornalistas e na editorialização do noticiário.
Este senhor não está sendo chamado pelo nome ou apelido. Virou “o padre que defende os homossexuais”. É uma batatada! É uma bobagem! É uma mentira! Se ele, até agora, efetivamente, fez alguma coisa em favor de homossexuais, se desconhece.
A Igreja não o está excomungando porque, sei lá, ele declarou que todos são filhos de Deus, independentemente de sua sexualidade. Padres mundo afora declaram isso todos os dias. Nada disso!
Foi excomungado porque recusa a concepção de família da instituição a que ele pertence e porque declarou o seu direito de questionar, mesmo pertencendo à hierarquia católica, qualquer dos dogmas em que se fundamenta a religião. Como já deixei claro aqui, até grupos de amigos têm códigos de conduta; até aquela turminha que se reúne para tomar chope nos botecos eventualmente frequentados por Beto quando era padre e católico estabelece limites. Os que destoam muito do aceitável são excluídos.
Escrevi num dos posts que a Igreja “não é um clube de livres-pensadores”, e alguns idiotas estrilaram. Ora, não é mesmo! A rigor, não existem clubes de livres-pensadores porque, se livres, já não podem formar um clube.
A Igreja é uma reunião de pessoas em torno de uma doutrina. Por isso está aí há dois mil anos. Um jornal é uma reunião de pessoas em torno de uma linha editorial. Lá no jornal da CUT, por exemplo, não é permitido falar mal da CUT.
Nos blogs sujos financiados por estatais, não é permitido falar bem da imprensa independente, que se financia no mercado. Na imprensa independente, que se financia no mercado, não é permitido defender a censura — ainda bem, né?, embora, convenhamos, não é raro aparecer alguém com ideias exóticas.
NOTA À MARGEM — “Ah, então toda essa gente se iguala na defesa de pontos de vista particularistas, e a universalidade não está em nenhum lugar?” Nada disso! A imprensa que repudia a censura é moralmente superior à escumalha que a defende (com financiamento estatal) porque, num caso, busca-se vencer o adversário pela argumentação; no outro, pelo silêncio.
À imprensa livre só é lícito interditar o pensamento que defende o fim da própria liberdade, e seu horizonte é a pluralidade. Já os que estão a serviço de um partido ou de um projeto de poder sabem que seu inimigo principal é a liberdade. Mas me desviei um tantinho. Volto ao ponto.
O tal Beto chega a ser folclórico, e é espantoso que mobilize a imprensa e atraia, é evidente, a simpatia de jornalistas. É um sintoma de rebaixamento intelectual. Que diabo andam ensinando nas faculdades por aí? Ora, o que conferia legitimidade e peso ao discurso de Beto? O fato de ele ser padre. O “ser padre” supõe a adesão
a) a uma doutrina;
b) a um conjunto de valores;
c) a uma disciplina;
d) a um comando;
e) a textos de referência.
Observem que é perfeitamente possível ser feliz e pensar sem ter de se subordinar a nada disso. Supõe-se que aquele que escolheu essas subordinações o fez em razão do “item f”: A FÉ.
Aí, então, se procede à pergunta óbvia: como é possível que alguém, cujo discurso é legitimado por essa cadeia de submissões ancoradas num princípio de fé, busque uma outra legitimidade que nasceria da denegação do que lhe confere identidade? De sorte que, no caso em espécie, Beto era, então, o “padre” que não aceita as regras da Igreja, o padre que não aceita a hierarquia, o padre que não aceita os dogmas?
É como se um jornalista buscasse legitimar o seu trabalho por intermédio da negação de alguns dos fundamentos que definem a própria profissão. E olhem que a ética profissional lida com conceitos um pouco mais fluidos e elásticos do que a doutrina de uma religião.
Agora Beto e os índios
Não faz muito tempo, houve no Brasil um enfrentamento entre antropólogos e religiosos (se não me engano, batistas, a conferir) por causa de uma tribo ianomâmi. Esses índios telúricos, que tanto encantam o rei da Noruega, matam as crianças deficientes. Uma das práticas é enterrá-las vivas. Missionários batistas, diante do horror, houveram por bem salvar uma criança. Estabeleceu-se, então, um confronto de valores. E aí? Certa antropologia argumenta que, ora vejam, aquilo que nos parece cruel corresponde aos valores daquela cultura. Assim, a preservação daquela forma particular de civilização supõe a existência do infanticídio. Não, não é o que eu penso, mas não vou abrir aqui uma polêmica nova. Fica para outra hora.
Da mesma sorte, o pensamento politicamente correto já produziu milhares de textos sobre o suposto preconceito dos cristãos contra os islâmicos, que seriam vistos com olhos negativos no Ocidente porque, no fundo, insistiríamos em ver a sua fé segundo a nossa própria ótica. Isso revelaria uma incapacidade de ver o outro… Sempre que me deparo com coisas assim, a minha primeira resposta é esta: “Acho bom esse choque de valores; só é uma pena que não possamos levar os nossos para os países islâmicos porque, não raro, resultaria em pena de morte…”. Mas esse também é outro debate, para outra hora.
Lembro esses dois casos porque acho notável a facilidade com que o pensamento politicamente correto pode defender até o infanticídio ou a eliminação de deficientes físicos, quando é o caso de falar em nome da “preservação de uma cultura”, ou nos convida a olhar sem preconceitos o islamismo — e, por exemplo, a evidente discriminação da mulher (dos homossexuais, então…) —, mas acha inconcebível que a Igreja Católica defenda seus próprios valores não por meio da eliminação física (é evidente!) do elemento indesejado, não por meio da imposição de valores e costumes a quem, se pudesse, escolheria outro caminho. Nada disso! A Igreja Católica defende o seu credo falando àqueles que a ele aderiram por livre e espontânea vontade, no exercício da plena liberdade, na expressão mais pura do livre-arbítrio.
À diferença do que parece, os que estão atacando a Igreja Católica em razão desse episódio é que não suportam a diferença — ao menos esta diferença em particular: a dos valores católicos. Podem achar justificável o assassinato de criancinhas; podem achar justificável a imposição do véu; podem achar justificável qualquer “orientalismo” (como diria Fernando Pessoa) em nome da afirmação da identidade. Só não podem aceitar que católicos, em suma, se afirmem como… católicos, ou, não é menos verdadeiro, evangélicos como evangélicos.
A verdade está no oposto. Intolerante é Beto, que havia dado um ultimato (!?) à Igreja: ou ela mudava, ou ele não voltaria!!! Intolerantes são aqueles que acham absurdo que a Igreja Católica tenha os seus valores num mundo em que se é católico por opção. Noto, para encerrar, que nascer deficiente numa tribo ianomâmi não é uma escolha. Não ignoro que a valorização do poder de escolha também é expressão de uma cultura. É a minha. E eu a considero superior a todas as outras.
30 de maio de 2013
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