A escassez de divisas cambiais tem raízes na confusão em que o governo Cristina Kirchner se meteu, de forma deliberada.
Na economia, por exemplo, a quantidade de restrições governamentais impostas aos exportadores com o objetivo de financiar o déficit nas contas governamentais provocou uma queda de 3% nas vendas externas no primeiro trimestre. E nesse período, mesmo com drásticas medidas sobre os importadores, as compras externas do país cresceram 5%.
O mercado paralelo de dólar é pequeno e, na maior parte do tempo, oscila conforme as esperanças das pessoas sobre o futuro imediato da economia local. Na Argentina, hoje, prevalece a expectativa generalizada de uma desvalorização da moeda (o peso) por conta do acúmulo de desvarios na política.
Um deles foi a decisão de imprimir uma quantidade fabulosa de dinheiro, sob o pretexto oficial de mitigar os efeitos em solo argentino da crise financeira nos Estados Unidos e na Europa. O resultado foi o seguinte, conforme a descrição do repórter Jorge Oviedo, de Buenos Aires: “Cristina Kirchner emitiu tanta, mas tanta moeda em 2012, que chegou perto de igualar o volume total de dinheiro impresso por seu marido (o falecido Néstor Kirchner) em quatro anos e meio de mandato.”
Nos 12 meses do ano passado, Cristina autorizou a impressão de nada menos que 715,9 milhões de unidades de papel-moeda (pesos). Foi, sem dúvida, a maior realização de seu governo no primeiro ano do segundo mandato: na média, emitiu dois milhões de unidade de papel-moeda por dia - essa conta inclui domingos e feriados. Seu marido, Néstor, mandou imprimir 789,9 milhões ao longo de 54 meses.
Essa emissão de pesos foi para financiar a continuidade do projeto político de um “Estado solidário” na Argentina, no qual Cristina aparentemente se vê como rainha e como poderes absolutos, mais até do que o modelo feminino que adotou como espelho - Eva Perón.
Ela nasceu num fevereiro de 58 anos atrás numa cidade que acabara de mudar de nome, de La Plata para Cidade Eva Perón - pouco depois devolveram-lhe a denominação original. María Eva Duarte de Perón, Evita, morrera de câncer um ano antes do nascimento de Cristina. Referência do papel das argentinas na política da época, sua sombra paira sobre gerações. Cristina, por exemplo, frequentou escolas primárias e secundárias nas quais o livro “Minha vida”, supostamente escrito por Evita, era leitura obrigatória.
Era um tempo em que o governo decretava o congelamento de aluguéis, e eles permaneciam congelados pelas duas décadas seguintes. Era o meio encontrado pelo reformista Juan Perón para manejar sua peculiar versão do Estado solidário argentino.
O problema de Cristina é que, visivelmente, o dinheiro acabou e não há como financiar seu projeto de poder. A cotação do dólar no paralelo é apenas um indicador. O melhor, certamente, é a percepção coletiva exposta nas periódicas pesquisas de opinião que chegam à Casa Rosada, sede do governo argentino.
Uma das mais recentes foi concluída pela empresa Management & Fitch na última sexta-feira, com 2.000 entrevistas com pessoas de 16 a 70 anos de idade nas maiores cidades.
Em outubro de 2011, nessa mesma sondagem de opinião, Cristina despontava como favorita à reeleição com 64,1% de aprovação e apenas 29,4% de rejeição.
Na semana passada, 59,6% dos argentinos consultados rejeitavam o governo de Cristina e apenas 29,3% aprovavam. O quadro fica pior: 37,8% daqueles que declararam ter votado na reeleição de Cristina, em 2011, agora dizem abertamente não desejar que o governo saia vitorioso nas eleições legislativas de outubro próximo.
Com o marido, Cristina sonhou construir na Argentina um “modelo alternativo” ao que costuma chamar de neoliberalismo. Mimetizou uma forma de “Estado solidário” baseada na impressão sem fim de papel-moeda. O sonho mal começou e parece ter virado desilusão entre os argentinos. Ela insiste, e arrisca-se a transformar em pó o escasso capital político que lhe resta.
30 de abril de 2013
José Casado, O Globo
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