"A água modela o curso de acordo com a natureza do solo por onde passa; o soldado prepara sua vitória de acordo com o inimigo que está enfrentando". (Sun Tzu, em "A Arte da Guerra")
Ou
"Uma nação que confia em seus direitos, em vez de confiar em seus soldados, engana-se a si mesma e prepara a sua própria queda". (Rui Barbosa)
Militares da ativa e da reserva já estão apreensivos com um possível voto do futuro ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, beneficiando os condenados na Ação Penal 470, assim que começarem a ser votados os tais embargos declaratórios e, principalmente, os polêmicos infringentes.
Mensagens trocadas ontem por oficiais-generais lembravam o comentário aparentemente pró-mensaleiros feito pelo novo ministro, no artigo em que assinou juntamente com Eduardo Mendonça: “STF entre seus papéis contrajamoritário e representativo” (publicado no site Consultor Jurídico em 3 de Janeiro deste ano).
O texto - também foi reproduzido no blog pessoal do Barroso – faz uma aparente defesa dos condenados no Mensalão. Faz elogios ao “impressionante” trabalho do relator Barbosa. Na tática retórica de agradar a gregos e aos baianos, também tece elogios à coragem moral do Ministro Ricardo Lewandowski (que teve muitos votos favoráveis aos réus no seu papel de revisor do relator Joaquim Barbosa).
Pérola, no entanto, é um comentário quase no final: “(...) É compreensível que os condenados se sintam, não sem alguma amargura, como os apanhados da vez, condenados a assumirem sozinhos a conta acumulada de todo um sistema”.
Vejamos, no artigo original, os textos que os generais selecionaram especialmente para leitura e análise de seus companheiros combatentes da ativa e da reserva. Na avaliação dos militares, o artigo começa poeticamente e termina em uma prosa que parece nada boa para o destino da segurança do direito em nossa República.
Na reprodução dos pontos de destaque (em negrito), apenas dividimos o texto em mais parágrafos, para facilitar a leitura de cada frase ou período:
Luzes da ribalta
“Vidas que se acabam a sorrir
Luzes que se apagam, nada mais
É sonhar em vão tentar aos outros iludir
Se o que se foi pra nós
Não voltará jamais
Para que chorar o que passou
Lamentar perdidas ilusões
Se o ideal que sempre nos acalentou
Renascerá em outros corações”.
Luzes que se apagam, nada mais
É sonhar em vão tentar aos outros iludir
Se o que se foi pra nós
Não voltará jamais
Para que chorar o que passou
Lamentar perdidas ilusões
Se o ideal que sempre nos acalentou
Renascerá em outros corações”.
Charles Chaplin
(Versos em português: Antônio de Almeida e João de Barro)
(Versos em português: Antônio de Almeida e João de Barro)
O título da música lembrada na abertura dessa resenha ilustra o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) ao longo de 2012, quando esteve no centro do palco dos acontecimentos nacionais, sob luzes intensas e grande atenção da plateia. Os versos se aplicam aos diversos atores que participaram do enredo da Ação Penal 470.
Quando o trem da história mudou de trilho e passou veloz, idealistas e oportunistas foram atropelados em um acidente coletivo e de grandes proporções.
Ainda não é possível olhar para o episódio com distanciamento crítico e perspectiva. Mas não se pode falar do ano de 2012 sem uma reflexão sobre o mais longo e complexo julgamento da história do Tribunal.
Esta relação do STF com a imprensa, com a opinião pública (o que quer que ela de fato signifique) e com a voz das ruas esteve particularmente em questão no julgamento da Ação Penal 470.
O caso será objeto de comentário específico logo adiante. A verdade é que jamais houve um julgamento sob clamor público tão intenso, assim como sob mobilização tão implacável dos meios de comunicação.
E é fora de dúvida que o STF aceitou e apreciou o papel de atender à demanda social pela condenação de certas práticas atávicas, que não devem ser aceitas como traço inerente ao sistema político brasileiro ou à identidade nacional.
Desempenhou, assim, o papel representativo de agente da mudança. É inegável, todavia, que a superação de linhas jurisprudenciais anteriores, a dureza das penas e o tom por vezes panfletário de alguns votos surpreenderam boa parte da comunidade jurídica.
Do ponto de vista técnico, é impossível não exaltar o desempenho de alguns atores do processo. Em primeiro lugar, deve-se registrar a competência com que a denúncia foi construída e, posteriormente, sustentada. Por igual, na tribuna de defesa, brilharam alguns dos melhores advogados criminais do país.
De outra parte, foi impressionante o trabalho do relator, ministro Joaquim Barbosa. Dominando amplamente os aspectos fáticos e jurídicos do processo, tornou imensamente difícil a divergência.
Por fim, ao realizar, em alguma medida, um contraponto à posição do relator, o revisor, ministro Enrique Ricardo Lewandowski, enfrentou com bravura e fidalguia a incompreensão geral. Aqui cabe um comentário a mais.
A visibilidade pública, a cobrança da mídia e as paixões da plateia criaram, na sociedade, um ambiente mais próprio à catarse do que à compreensão objetiva dos fatos.
Divergências maiores ou menores quanto à prova e suas implicações jurídicas eram tratadas pelo público com a exaltação das torcidas futebolísticas. De lado a lado.
Esse misto de incompreensão e intolerância levou a episódios de incivilidade como o que foi vivido pelo ministro Lewandowski em uma seção eleitoral em São Paulo.
O mesmo ministro, aliás, que havia recebido inúmeras manifestações de apoio popular por seu papel de destaque na condução das Eleições de 2010 e no julgamento que confirmou a validade da Lei da Ficha Limpa.
A lição é inequívoca: o reconhecimento popular pode ser efêmero e mutável, e o bom juiz não pode e não deve agir para obtê-lo.
Em ambos os casos, o ministro Lewandowski teve a coragem moral de votar segundo sua consciência jurídica, sendo coerente com suas reiteradas decisões em matéria penal e eleitoral, respectivamente.
Quem estava no caminho dessa mudança de percepção foi atropelado, e por isso é compreensível que os condenados se sintam, não sem alguma amargura, como os apanhados da vez, condenados a assumirem sozinhos a conta acumulada de todo um sistema.
Por isso mesmo, aliás, é razoável supor que a mudança ficará incompleta caso não se aproveite a ocasião para levar a cabo uma reforma política abrangente, que desça à raiz do problema.
Ainda assim, e sem entrar no mérito das condenações individuais, é fato inegável que o Supremo verbalizou e concretizou um desejo social difuso pela extensão do sistema penal aos desvios ocorridos na política e à criminalidade econômica.
Conclusão dos militares: o texto é um verdadeiro vai-e-vem retórico. E tudo ainda pode acontecer no julgamento do Mensalão – que ainda não terminou e nem tem data prevista para que a sentença final seja cumprida.
O texto do Barroso, não sei bem por quê, nos remete a outro Barroso – um que foi um gigante de nossa nacionalidade. O homem que conduziu a esquadra brasileira à vitória na Batalha do Riachuelo, durante a “Guerra do Paraguai”, Francisco Manuel Barroso da Silva (1804-1882), imortalizou, em 11 de junho de 1865, a expressão que se tornou uma marca de quem acredita na capacidade de vencer:
“Inimigo à vista. Preparar para o combate. O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever. Atacar e destruir o inimigo o mais perto que puder. Sustentar o fogo que a vitória é nossa”.
O novo Barroso, aos 55 anos, ainda tem um longo caminho para se transformar ou não em herói. O ministro Barroso terá de mostrar, no STF, se o fogo da condenação será mantido contra os mensaleiros - inimigos do Brasil.
Ou, então, se vamos ter uma revisão jurídica, que pode desagradar a opinião pública e publicada, em nome de uma outra visão de Justiça.
Enfim, o dilema é se Barroso vai de Barbosa ou de Lewandowski...
Na sabatina do Senado, Barroso já está aprovado de véspera, antes mesmo da criação do mundo e do Fla-Flu – como diria Nelson Rodrigues...
Aprovadíssimo, antes...
Vida que segue... Ave atque Vale! Fiquem com Deus.
27 de maio de 2013
Jorge Serrão é Jornalista, Radialista, Publicitário e Professor.
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