Ao fim de mais de seis meses de buscas dona Dilma decidiu-se pelo advogado Luís Roberto Barroso para a vaga de Carlos Ayres Brito no Supremo Tribunal Federal.
Chega muito festejado o novo ministro o que me leva de volta a um velho tema.
O que mais me preocupa sobre o futuro da democracia brasileira não é a desfaçatez com que os que sempre se declararam inimigos dela articulam seus golpes mas, antes, os sinais do quanto a sociedade brasileira está acostumada às agressões que sofre e despreparada para defender-se delas que transpiram das entrelinhas da cobertura da imprensa sobre esse episódio.
Esta nomeação, desde sempre se sabe, pode reverter o julgamento do Mensalão e jogar a última pá de cal nas esperanças de que a derradeira instituição viva do Estado brasileiro permaneça funcionando como uma barreira entre os nossos direitos mais elementares e a sanha de arbítrio de um partido que declara todos os dias o seu ardente desejo de passar por cima deles.
Mas mesmo diante de circunstâncias tão explícitas nada parece ser capaz de nos escandalizar.
O nomeado, informa o noticiário, traz como nota mais fresca do seu currículo o fato de ter escrito inúmeras matérias em seu blog e em outras publicações por ocasião do pronunciamento das sentenças do julgamento que ele agora terá o poder de anular.
Nelas registrou “a surpresa de inúmeros magistrados”, não com o fato de, pela primeira vez na história deste país, ter sido quebrada a impunidade de sempre e condenados malversadores contumazes do dinheiro público e agressores notórios da ordem republicana, o que seria de se esperar nem que fosse apenas para fingir apreço à Justiça posto que ninguém sequer tenta desmentir que é isso que eles são, mas sim com “a dureza das penas proferidas”.
É, coincidentemente, exatamente o mesmo argumento dos advogados dos réus cujas petições ele passa a ter o poder de julgar: reduzir “a dureza das penas” até o limite aquém do qual elas resultam, na prática, em impunidade.
Não ha um registro sequer, nas manifestações pregressas do escolhido de Dilma, sobre o mérito da história que o Ministério Público reconstituiu em minúcias relatando passo a passo, pacote por pacote, cueca recheada por cueca recheada, como os milhões do Mensalão foram passando de mão em mão, de onde saíram, a quem foram entregues, por quem e para que.
O novo ministro do Supremo, assim como os advogados dos réus e o resto do país, não contesta os fatos. Apenas “surpreende-se” com o fato de uma corte exigir que eles paguem pelo que fizeram, para variar.
Tanto que o único argumento que ele apresenta é o “inusitado interesse da imprensa e da opinião pública” nesse julgamento, que teria “influenciado os juízes”. Algo equivalente a propor a anulação de um pênalti porque, ao mesmo tempo em que o juiz o apitou a torcida inteira gritava o flagrante da bola agarrada com as mãos dentro da área à vista de todos.
Tudo isso, entretanto, impressiona menos um bom punhado de repórteres, editores e comentaristas da imprensa que o fato do agora ministro ter se pronunciado favoravelmente ao casamento gay, ao aborto de anencéfalos e a pesquisas com células tronco o que lhe garante um passaporte de “progressista” com viés “técnico” não obstante o resto do seu currículo apontar, entre outros feitos, a sua notória especialização em manter a salvo de penas duras ou moles clientes endinheirados nacional e internacionalmente conhecidos como vetores fundamentais da corrupção que devasta o país tais como a CBF da famiglia Havelange e outros do mesmo quilate.
Consta, finalmente, do currículo de sua excelência estar entre os primeiros a atender ao chamamento de don Lula I para inverter decisão do Supremo e dar guarida no Brasil a um assassino condenado pela justiça italiana que, na visão petista de democracia e direitos humanos, não tem legitimidade suficiente para julgar os crimes de Cesare Battisti.
Também isso é tratado como um pormenor que nos diz menos que aqueles três votos “progressistas” sobre o homem que chega à Suprema Corte brasileira pelas mãos interessadíssimas da mais alta figura do partido político condenado no mais importante julgamento de toda a sua história, com a missão quase explícita de anulá-lo.
Toda essa desfocada confusão de pesos e medidas remeteu-me diretamente a outra manifestação recente da mesma ausência de critério.
Falo da celeuma levantada em torno do ministro Luís Fux, outro escolhido de Dilma, quando ninguém menos que José Dirceu revelou à Nação que ele lhe tinha prometido livrá-lo no julgamento do Mensalão mas não entregou o que se comprometera a entregar.
E não é que foi essa “traição” e o caráter do ministro que dominaram o debate da imprensa naquele momento?
Pouco ou nada se disse sobre a revelação chocante de que fazer promessas a José Dirceu é fator decisivo para a escolha de ministros do Supremo na presidência de Dilma, “a faxineira”. O que justifica a pergunta com que terei de dormir até que se desate o nó do Mensalão: o que terá o ministro que mais trabalhou para deixar impune o condenado Cesare Battisti prometido desta vez ao condenado José Dirceu?
27 de maio de 2013
vespeiro
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