Caros amigos: Estive presente, dia 21 de maio, à audiência pública promovida pela Comissão Nacional da Verdade (CNV), na qual se pretendeu apresentar o balanço de seu primeiro ano de atividades.
Do documento distribuído ao final, das exposições e dos debates pode-se depreender, rapidamente, que o trabalho está fadado, infelizmente, ao fracasso, pois parte de premissas equivocadas e viciadas pela unilateralidade. Certamente não será um documento de consulta para os verdadeiros historiadores, aqueles a quem interessam os fatos, suas causas e consequências, sem levar em conta a quem doa o conhecimento e a exposição de toda a verdade.
A pesquisa, declaradamente, foge ao escopo da lei que criou a CNV, pois inclui a investigação de mortes, desaparecimentos, tortura, violência sexual, e o “terrorismo de estado”, mas, sequer menciona o terrorismo e as ações do mesmo tipo impetradas pelos grupos armados que se dispuseram a derrubar o regime e instaurar a sua própria ditadura. É o estudo do efeito sem causa fadado ao fracasso, à imprecisão e ao descrédito.
Falam, inclusive, em investigar o apoio vindo do exterior que, segundo um dos debatedores, foi o responsável por uma espécie de evolução cultural da tortura com a contribuição, até, de Nelson Rockefeller!
Com todo o respeito que devo e tenho pela dor dos atingidos pelos efeitos e consequências da guerra, há teorias conspiratórias que denigrem e desvirtuam as sequelas físicas e anímicas que alegam carregar e das quais não me cabe duvidar.
Chama a atenção a superficialidade das pesquisas. Sobre, por exemplo, a cadeia de comando do então Sistema Nacional de Informações (SISNI), a simpática professora Heloísa Starling, do Departamento de História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – UFMG, “descobriu” que os clientes finais de órgãos de informações, como o CIE, o CENIMAR e o CISA, eram os Ministros das respectivas Forças.
Para obter esta “informação” bastava perguntar ao Cel Ustra. Para que a “pesquisa”? É possível que ela ainda não tenha descoberto que o cliente final do sistema era o Presidente da República, tanto quanto, nos dias de hoje, o cliente final do sistema encabeçado pela ABIN é a Sra Comandanta em Chefe das Forças Armadas! Ou seria, ainda, o Sr Lula da Silva?
Ouvi, durante a audiência, na forma de crítica, referências elogiosas à competência do SISNI, haja vista a extensão de sua capilaridade, característica desejável a qualquer órgão criado para buscar e coletar dados para a tomada de decisões. Isto é doutrinário e não se restringe a operações de guerra ou de defesa nacional, é fundamento, também, da gestão de empresas e da coisa pública.
Ainda segundo a nossa professora Heloísa, parece que a tortura foi inventada e “inoculada” no Brasil em abril de 64, haja vista, para ela, a grande quantidade de casos, à época, denunciados pela imprensa e relatados no conhecido "relatório Geisel". O que faltou à pesquisadora foi dizer, ou concluir, que, no primeiro momento da quebra da normalidade institucional, seria lógica esta massa crescente de investigações, detenções e interrogatórios, alguns, infelizmente, mais rigorosos e ríspidos que o necessário. No entanto ela preferiu concluir que “a tortura está na matriz da repressão, está na natureza e na origem do movimento de 64”. Obviamente, não me permito pensar em ignorância, mas sinto a presença do sectarismo.
Aparentemente, todos os integrantes da CNV, as “vítimas” e seus parentes acreditam que antes de 64 não havia tortura no Brasil e, mais importante e assustador, acreditam também que ela tenha acabado em 1985!
Fiquei com a firme convicção de que, para eles, a Constituição de 1988, assegurando ao cidadão de bem a proteção contra as possíveis ações repressivas do Estado, resolveu todos os problemas de direitos humanos no Brasil e, desta forma, permitem-se voltar as atenções para o período de 64 a 85, querendo remexer um contencioso de 400 mortos ou desaparecidos quando esta é a média mensal de vítimas da ação e da omissão dos governos desde então.
Volta-me a dúvida, seriam as vítimas da repressão ao terrorismo mais humanas que as vítimas da corrupção, da omissão e do desmando da era pós moral? Seriam todos os presos, detidos e interrogados pela repressão ao terrorismo e à guerrilha inocentes ou vítimas do sistema? Seriam menores os crimes da esquerda armada e, portanto, não merecedores de investigação? Segundo me pareceu, ao fim das três horas de audiência, a resposta dos integrantes da CNV a estas perguntas é SIM!
Concluo minha apreciação sobre o que vi e ouvi convencido de que a CNV, por vício de origem, desviou-se ilegalmente da sua destinação e fechou-se, conscientemente ou não, para trabalhar em proveito de uma causa pretérita, do interesse de um projeto político de poder do Partido dos Trabalhadores e de seus aliados.
Seus integrantes parecem acreditar que o que fazem trará benefícios para o Brasil e jogam com as legítimas emoções e esperanças das vítimas da guerra, inocentes ou não. Pregam, sem declarar, a revanche e, propositadamente ou não, negam a conciliação nacional, contribuindo para a conquista de objetivos totalitários contra os quais apresentam-se como paladinos. Inocência, mentira ou hipocrisia?
27 de maio de 2013
Paulo Chagas é General de Divisão na Reserva.
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