Media Watch - Folha de S. Paulo
A Folha de São Paulo noticia que a Comissão da Verdade de São Paulo promoverá uma série de audiências públicas durante esta semana.
O Seminário “Verdade e infância roubada” – como é chamado o evento - será palco para que os filhos de “ex-presos políticos” – na época crianças – exponham as suas memórias e contem como foram vítimas do Regime Militar [1].
A publicação reproduz a versão da história contada pelos “herdeiros” dos “revolucionários”.
Não faz qualquer questionamento ou objeção. (a) Ou por bloqueio – idiotizada pela tese “politicamente correta”, que elevou a mitologia revolucionária à condição de verdade sacrossanta. (b) Ou por pura má-fé, pois os militantes do passado são hoje as estrelas do jornalismo brasileiro, ocupam postos de poder e são os ídolos intocáveis que inspiram a “nova geração”.
Ou, enfim, (c) por descaso e negligência com o próprio exercício do ofício, porque não concedeu aos “acusados” o contraditório e não teve o trabalho sequer de pesquisar a própria história.
Sim, as crianças que aparecem na reportagem foram “vítimas”.
É preciso lamentar os constrangimentos pelos quais eventualmente passaram, os traumas que por ventura sofreram. No entanto, estas “crianças” foram “vítimas” – sobretudo - de seus próprios pais. Porque foram eles que as envolveram em um surto alucinatório de querer fazer do Brasil – através da via armada – um país Socialista-Comunista. Nenhum pai leva o filho para a guerra. Nenhum pai utiliza o próprio filho – crianças! – como escudo em um conflito. Mas os terroristas e guerrilheiros levaram os seus para a batalha. Eles utilizaram as suas crianças – em uma estratégia macabra de combate – para a própria proteção e como instrumento de uma “causa” [2].
A reportagem da Folha apresenta a história de algumas dessas “crianças” que - hoje adultas – participam das audiências promovidas pela Comissão da Verdade de São Paulo. Porém, concede aos pais delas - com o testemunho de seus herdeiros - o estatuto de “heróis”. “Heróis” de uma história mutilada: o romance revolucionário que a Comissão da Verdade pretende consagrar como a História oficial de um país.
A Folha conta como drama a história da família do ex-deputado federal Aldo Arantes (PC do B). Ele “se exilou em Montevidéu após o golpe de 1964, com a mulher Maria Auxiliadora”. André, seu filho, nasceu no Uruguai. A irmã dele, Priscila, nasceu no Brasil em 1966, mas na clandestinidade. Para a menina – conta a própria Priscila – o pai dizia que aquela vida de disfarces e de ocultamento era necessária, porque eles “lutavam por um mundo melhor”.
O que Aldo Arantes não contou para a filha pequena – e o que a Folha não informa para o público – é que no Uruguai ele participou do “Pacto de Montevidéu”, que unificou os grupos revolucionários em uma “Frente Popular de Libertação” (FPL).
O projeto era tomar o poder através da luta armada, utilizar estratégias de infiltração e subversão das massas, a pratica de “atos de guerra”, “atos de sabotagem urbana” e “focos de guerrilha”.
Em 1976, Aldo Arantes foi preso no episódio conhecido como “Chacina da Lapa”. Foi quando a filha Priscila – ela mesma revela – percebeu uma parte da realidade que a “historinha” que ouvia do pai maquiava. No entanto, a fantasia revolucionária permaneceu como parte integrante do seu imaginário. Porque a operação que desmontou o comitê central do PC do B - que funcionava clandestinamente no bairro da Lapa, zona Oeste de São Paulo – continua sendo chamada de “CHACINA”: uma “CHACINA” que fez DUAS – DUAS – vítimas.
A reportagem da Folha de São Paulo apresenta também o depoimento de Adilson Lucena. Ele afirma ter visto o pai – Antônio Raymundo Lucena – ser assassinado na própria casa:
“Eu tinha uns 9 anos. Eles chegaram como uma pequena tropa, eram em torno de dez homens com armas compridas. Eu me lembro bem, fiquei aterrorizado. Depois que houve o tiroteio, eles entraram em casa. Uns diziam que iam nos matar, outros diziam que era para esperar”.
Mas, o registro que se tem da morte de Lucena destoa muito da memória infantil de seu filho. Lucena foi morto no dia 20 de Janeiro de 1970. QUATRO policiais – não DEZ, como afirma Adilson – trabalhavam para desvendar o roubo de um carro. Os militares chegaram até uma casa no Jardim Cerejeiras, em Atibaia – residência da família Lucena.
Eles - sem desconfiarem que ali funcionava um “aparelho” dos terroristas da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) – solicitaram a Lucena a documentação do carro. Lucena pediu um instante para buscá-lo. Porém, o veículo era roubado. Lucena trouxe, sim, um fuzil FAL. Ele abriu a porta e disparou uma rajada contra os policiais.
O sargento Antônio Aparecido Posso Nogueró foi morto. Edgar Correia da Silva ficou gravemente ferido. Os outros dois policiais reagiram e Antônio Raymundo Lucena acabou morto. A mulher dele, Damaris, foi detida junto com os filhos.
A Folha de São Paulo não revela o ambiente no qual viviam os filhos do casal Lucena. Sobre ele, a própria mãe das crianças revela em um depoimento para o livro “Mulheres que foram à luta armada”, de Luiz Maklouf Carvalho:
“Tinha um FAL por cima da mesa, coberto, que ficava sempre à mão. O Doutor [codinome do seu marido, Antonio Lucena] pegou o FAL e atirou” (apud USTRA, p. 246).
Na casa da família Lucena – onde vivia Adilson - foram apreendidos 11 FAL, 24 fuzis, 4 metralhadoras, 2 carabinas, 2 espingardas, 1 Winchester, munição e explosivos. Este era o ambiente “familiar” – “afetuoso” e “instrutivo” – no qual o casal cuidava e educava os seus filhos.
Janaína e Edson também participarão do evento promovido pela Comissão da Verdade de São Paulo. Os filhos do casal Teles – informa a Folha - “viram os pais César Augusto e Maria Amélia serem torturados”. Porém, a reportagem não esclarece que este episódio é objeto de um processo judicial. Neste, o juiz Gustavo Santini Teodoro - 23a Vara Cível de São Paulo, Fórum João Mendes – acatou a denúncia da família Teles contra o Cel. Brilhante Ustra. Mas, sobre a tortura, observou o seguinte:
(...) “Entretanto a prova testemunhal ficou muito vaga quanto aos autores Janaína de Almeida Teles e Edson Luiz de Almeida Teles, então menores de idade, filhos dos autores Cesar Augusto e Maria Amélia. Realmente, as testemunhas não viram Janaina e Edson na prisão. NINGUÉM SOUBE ESCLARECER SE OS ENTÃO MENORES REALMENTE VIRAM OS PAIS COM AS LESÕES RESULTANTES DAS TORTURAS. NADA INDICA QUE ELES TERIAM RECEBIDO AMEAÇAS DE TORTURA OU SIDO USADOS COMO INSTRUMENTOS DE TORTURA DE SEUS PAIS” (os destaques são meus).
Paulo Fonteles Filho é o herdeiro de Paulo Fonteles, falecido advogado que foi ligado a grupos comunistas. Ele – que escreve, “sou comunista desde tenra idade e vou levando na lápela (sic) a rosa vermelha da esperança” – participará também do evento anunciado pela Folha de São Paulo. Porém, sobre “crianças” vitimadas, Fonteles Filho está envolvido em um episódio no mínimo constrangedor. Autoridades o apontam como responsável por incluir a ossada de um adolescente na expedição realizada para investigar a Guerrilha do Araguaia (Ximboiá, 2001, Araguaia (TO)).
A ossada – que era de um jovem falecido em 1990 - teria sido subtraída de uma igreja e levada em uma mala [3]. Apesar disso, Paulo Fonteles Filho é integrante do Comitê Paraense pela Verdade, Memória e Justiça, que tem parceria com a Comissão NACIONAL da Verdade.
Enfim, romantizar a vida destas “crianças” – contando apenas parte da História – é contar uma MENTIRA. Isto não é apenas uma falha grave – na hipótese de boa-fé da publicação – de uma matéria jornalística. É o propósito declarado – e obsceno – de uma Comissão que está comprometida – não com a “Verdade”, com a pesquisa e com a investigação históricas -, mas, sim, com a consagração dos revolucionários. Transformá-los em “heróis” de uma mitologia forjada para ser a História oficial de um país.
Se os militantes, guerrilheiros e terroristas do passado fizeram de seus filhos vítimas de um surto alucinatório – os seus herdeiros, hoje, não hesitam em querer projetar sobre as crianças e jovens de toda uma nação, as suas fantasias, os seus estereótipos e obsessões. As crianças e jovens serão mais uma vez “vítimas” – de um macabro processo de “conscientização” e de um pervertido processo de educação.
Serão sensibilizadas – terão sentimentos e reações estimulados e um comportamento condicionado. Uma foto exposta no site da Comissão da Verdade traduz muito bem o resultado deste projeto monstruoso. Nela uma criança aparece timidamente segurando um microfone.
Ela discursava – em uma audiência promovida pelo grupo nacional da Comissão da Verdade em Belo Horizonte – sob os aplausos do público e dos integrantes da mesa. Foi ovacionada porque reproduziu as palavras e tipos vazios esgoelados por qualquer militante rebelde – ela reproduzia a mitologia revolucionária [4].
É assim que as “crianças”, mais uma vez, estão sendo vitimadas.
09 de maio de 2013
Bruno Braga
Notas:
[1]. Folha Online, 06 de Maio de 2013 [http://www1.folha.uol.com.br/poder/2013/05/1273814-comissao-da-verdade-de-sp-faz-audiencias-sobre-criancas-vitimas-da-ditadura.shtml].
[2]. BRAGA, Bruno. “Comentário sobre a matéria de capa da Revista Brasileiros: ‘Subversivos’” [http://b-braga.blogspot.com.br/2013/04/comentario-sobre-materia-de-capa-da.html].
[3]. Ricardo Mazzini, Coluna Espalanada, 19 de Janeiro de 2013 [http://blogs.d24am.com/artigos/2013/01/19/coluna-esplanada-19-de-janeiro/].
[4]. BRAGA, Bruno. “Sensibilizando a nova geração” [http://b-braga.blogspot.com.br/2012/10/sensibilizando-nova-geracao.html].
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