Padilha no laboratório
Apontado como promessa de renovação no PT, o ministro se
prepara para enfrentar o domínio tucano em São Paulo, mas o primeiro obstáculo
às suas pretensões políticas é a situação da saúde no país
- Padilha, o que esse balde está fazendo no meio do corredor?
– Deve ser goteira, por causa da chuva, presidenta.
Dilma Rousseff foi até a janela e abriu uma brecha na cortina. O céu de Brasília estava como no cartão-postal da cidade, incrivelmente azul.
– Padilha, que chuva? Olha só o sol lá fora... É assim que funciona: tem que ver, ligar e cobrar.
Alexandre Padilha ouviu a lição em silêncio.
Naquela tarde de janeiro, participava da primeira reunião da Presidência com o Ministério da Saúde, que ele comanda desde o início do governo. Andando pela sala no Palácio do Planalto, Dilma passava em revista as câmeras que exibiam ao vivo imagens de alguns prontos-socorros pelo país, integrados a um dos programas da pasta, o SOS Emergências.
Momentos antes de flagrar o balde no Hospital de Base do Distrito Federal e ensinar ao ministro como deveria proceder, a presidente já havia se incomodado com uma paciente estacionada sobre uma cadeira de rodas no meio do corredor de um pronto-socorro em Porto Alegre. Ordenou que ligassem para o hospital exigindo explicações: O que fazia ali aquela mulher de avental e aparência sonolenta? Em questão de minutos a paciente se desmaterializou da tela. “Pode melhorar, pode melhorar”, repetia, como um mantra, a presidente. “Antes, tinha tantas macas nos corredores que não seria possível ver nem o balde nem a mulher”, defendeu-se o ministro.
O médico Alexandre Padilha é o mais jovem dos 39 ministros de Dilma Rousseff. Com 41 anos, pertence também ao grupo do primeiro escalão do governo em quem ela costuma dar broncas sem muita cerimônia. Ao menos em público, Padilha não reclama. “Aprendi esse tipo de monitoramento com a presidenta”, diz, referindo-se ao tempo em que a atual chefe era ministra da Casa Civil e ele trabalhava como subchefe de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais, ainda antes de assumir o comando daquela pasta. Padilha era então encarregado de tratar com as prefeituras sobre o andamento das obras do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento. Longe da presença de jornalistas, assessores do ministro já o viram comentar que o detalhismo dos monitoramentos da presidente muitas vezes emperra as ações do governo.
Veterano no Planalto, o atual secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, diz que a relação entre Dilma e Padilha “é de muito carinho”. Eexplica: “O Padilha tem, naturalmente, uma forte propensão a privilegiar a política. O medo da presidenta sempre foi de que ele fique mais na política do que na gestão. Quando vê que ele está rodando muito pelo país, vai lá e puxa a orelha: ‘Padiiiiilha, olha a gestão, Padilha!’”
O fiador do político Alexandre Padilha é o mesmo padrinho de Dilma, Luiz Inácio Lula da Silva. Sem o seu patrocínio, o nome do ministro da Saúde não estaria sendo seriamente cogitado para concorrer ao governo de São Paulo no ano que vem.
Até poucas semanas atrás, dava-se como certo que a disputa no PT pelo Palácio dos Bandeirantes se travava entre Padilha e Aloizio Mercadante. O anúncio inesperado do ministro da Educação, na última sexta-feira de abril, de que está fora do páreo pegou as hostes padilhistas de surpresa. A reação foi mais de cautela do que de comemoração.
O ministro, desde então, tem se esquivado do assunto. “O meu foco continua o mesmo: enfrentar os grandes desafios da saúde, principalmente levar os médicos para perto da população”, limitou-se a dizer à piauí, antes de embarcar para um compromisso do ministério em Israel, na véspera do 1° de Maio.
Na prática, porém, Padilha já deixou vários rastros de que está em pré-campanha. No final do mês passado, a Folha de S.Paulo publicou que ele concentrou viagens a São Paulo no último ano. Entre janeiro de 2012 e abril de 2013, esteve no estado, para compromissos oficiais, em 57 dias – quase dois meses inteiros.
Em outra reportagem do jornal, soube-se que Padilha percorreu 36 cidades paulistas nos três meses finais das eleições municipais do ano passado para dar apoio a candidatos.
A não ser Mercadante, que se colocou fora do jogo, nenhum dos eventuais adversários que tenha no PT se movimentou mais do que ele.
s cabelos acentuadamente grisalhos são o único elemento que dão a Padilha uma aparência mais velha do que sua idade de fato. No mais, o ministro tem hábitos e espírito de jovem. Veleja, pratica windsurfe e usa gírias como “massa” com certa frequência. Carrega tatuado nas costas um índio da tribo Zo’é, com a qual teve contato na época em que viveu em Santarém, no Pará. E gosta de dançar carimbó e coco, dois ritmos de origem indígena que receberam influência africana e são muito difundidos no Norte e Nordeste.
Solteiro, Padilha mora sozinho num flat em Brasília. Em São Paulo, aluga um apartamento na rua Avanhandava, conhecido endereço de restaurantes e hábitos noturnos na região central da cidade. Ele se entusiasma ao falar da namorada: “Meu corpo e alma têm dono. Estou apaixonadíssimo.” E faz a seguir uma autocrítica que também soa como um autoelogio: “Mas não devo ser um bom companheiro, sou muito ausente.”
“Dinâmico”, “máquina”, “alucinante”, “sem limites”. É muito comum ouvir tais palavras na boca de terceiros para descrever a energia do ministro. Na definição de um assessor, Padilha é “uma pessoa muito agitada, que não consegue ficar quieta”. Quando passa das 22 horas, acontece de arrastar parte da equipe para continuar o despacho em um pub perto da Esplanada dos Ministérios, apelidado de “gabinete londrino”. Também vão à chácara de um assessor, a “sede campestre do Ministério”. “Mudar o ambiente ajuda”, justifica-se o ministro.
“Não tem o compromisso de fazer encaminhamento ali na hora, as pessoas se sentem mais à vontade para fazer avaliação crítica.”
Ao comentar a rotina do chefe, um de seus assessores diz que ele “só consegue isso porque não tem mulher e filhos”. “O que mantém a gente aqui, apesar da loucura, é a afetividade dele”, disse outro. Padilha é do tipo atencioso: repara em cortes de cabelo, pergunta sobre a vida pessoal dos subordinados, gosta de contato físico. É frequente vê-lo andando com o braço em volta do ombro de quem conversa, não importa quem seja. Lembra mais Lula do que Dilma nesse aspecto.
um sábado de janeiro seu destino era Borba, município da região ribeirinha do Amazonas, onde Padilha inauguraria uma Unidade Básica de Saúde Fluvial. O voo estava programado para as 8 horas. Como de costume, ele chegou com atraso à Base Aérea. Vestia calça azul-marinho e uma blusa social branca, com os emblemas do Ministério e do governo federal bordados.
Usava colar e anel. Colocou o pé em cima da mesinha do avião para exibir sua tornozeleira de proteção. Eram todos artefatos indígenas. “Protege mesmo. Quando estava em Alter do Chão, no Pará, pisei numa arraia e levei ferroada no outro pé”, disse, sorrindo.
Enquanto tomava café da manhã no Legacy da Força Aérea Brasileira, entre Brasília e Manaus, Padilha falou sobre sua trajetória de vida. Disse que o acaso interferiu na decisão que tomou de voltar à política quando já a havia abandonado.
Era novembro de 2003 e ele, então um jovem médico, esbaforido, arrufava-se com a atendente no balcão de uma companhia aérea, no aeroporto de Manaus. O voo em Brasília atrasara, e ele perdera a conexão para Santarém. Insistiu que era médico, que tinha compromissos urgentes e inadiáveis. Foi em vão. A companhia aérea o encaminhou para o hotel Tropical Manaus. O próximo voo sairia só no dia seguinte.
O hotel, um complexo com mais de 4 mil metros quadrados, na entrada da floresta amazônica, estava às moscas. Ao caminhar por longos corredores desertos, Padilha teve a sensação de estar enclausurado num mosteiro. Seu pensamento era a única coisa audível: “Vou ou não vou?” Ligou para um amigo do governo: “Vocês mandaram a Infraero atrasar o voo de Brasília, não foi? Só para eu ficar aqui sozinho repensando a proposta. Como vocês fizeram isso?”
Alexandre Padilha fora a Brasília participar de uma conferência na área de saúde. Era supervisor do Núcleo de Extensão em Medicina Tropical do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e havia sido convidado para ser um dos relatores do Plano Saúde Amazônia Legal. Na conferência, encontrou-se com Gastão Wagner, então secretário-executivo de Humberto Costa, ministro da Saúde à época. Wagner o convidou para assumir a área indígena da Fundação Nacional de Saúde, a Funasa.
Naquele momento, lembrou Wagner, “o problema dos índios era crítico, a taxa de mortalidade estava altíssima. Eu disse para o presidente Lula e para o ministro Humberto Costa que precisávamos de um médico que fosse político e entendesse de cultura indígena. Eles me perguntaram: ‘Mas existe esse cara?”’. Wagner falou de um ex-aluno da Universidade Estadual de Campinas que trabalhava com índios, militava no PT e em quem confiava: “Liguei para Marabá, onde o Padilha estava.
Combinamos de conversar assim que ele viesse a Brasília. Quando fiz o convite, ele me respondeu: ‘Pelo amor de Deus, professor, não posso deixar meus compromissos aqui. Estou concluindo meu projeto de doutorado, dirijo o Fundo de Pesquisa em Doenças Tropicais da Organização Mundial da Saúde, estamos quase lançando um novo medicamento para a malária...’”
Terminada a conversa, Padilha foi ao Congresso visitar um amigo, assessor parlamentar da Petrobras. Os dois esbarraram em um terceiro amigo, também da época do movimento estudantil. Este, por sua vez, estava no telefone combinando um jantar com um quarto amigo do grupo. Saíram todos juntos nessa noite. Padilha não os via desde 1995, quando deixou a Secretaria de Juventude do PT. “Contei-lhes do convite e eles fizeram quase uma sessão de tortura comigo. Eu não podia ficar de fora desse governo que lutamos tanto para eleger, não podia fugir da responsabilidade de ajudar a construir”, lembrou Padilha.
O fato de ter perdido o voo para Santarém no dia seguinte empurrou o ministro a tomar a decisão no hotel, nas horas em que ficou sozinho. Faltava comunicar sua mulher que aceitaria o convite de ir para Brasília. “Nós dois éramos de São Paulo, mas tínhamos nos conhecido em Santarém. Ela sabia que eu tinha militado no PT, que era filiado ao partido, mas não tinha a dimensão do grau do meu envolvimento. Eu estava afastado da política havia oito anos”, contou.
Padilha chegou a Brasília em julho de 2004. Um ano depois, o governo que ele tinha “lutado tanto para eleger e que tinha que ajudar a construir”, como disseram seus amigos, havia sido flagrado no escândalo do mensalão e mergulhava na pior crise política da era Lula. A Funasa foi parar nas mãos do PMDB e Padilha logo percebeu que teria que sair de lá. Bingo.
No mesmo momento, o atual governador da Bahia, Jaques Wagner, assumiu a coordenação política do governo. Padilha já pensava em retomar o doutorado quando foi levado ao Planalto mais uma vez por antigos amigos do movimento estudantil. Um deles era chefe de gabinete de Wagner. O outro, Olavo Noleto, trabalhava na Subchefia de Assuntos Federativos das Relações Institucionais. Desta vez, Padilha ficou em Brasília para assumir um cargo no quarto escalão do Ministério, como chefe de gabinete de Noleto.
nredado neste mundo invisível de assessores, subchefes e burocratas que muitas vezes têm mais poder e influenciam mais coisas do que se pode enxergar de fora, Padilha ascendeu silenciosa e rapidamente. Ocupou, primeiro, o lugar do amigo Noleto, que foi disputar uma vaga para deputado estadual em 2006.
Em 2007, Vicente Trevas, um quadro histórico do PT e titular da SAF, sai a convite de Tarso Genro, para auxiliá-lo no Ministério da Justiça. Padilha assume a subchefia. Tempos depois, o ministro José Múcio Monteiro, conhecido político do PTB, é nomeado para o Tribunal de Contas da União, e, em setembro de 2009, aos 38 anos, Padilha assume a Secretaria de Relações Institucionais.
A escolha do neófito foi alvo de muitas críticas e apreensão. Ele era considerado técnico demais para uma função essencialmente política. Com pouco trânsito no Congresso e virgem nas urnas, Padilha ficou encarregado da relação com os parlamentares. Dentro do PT, contudo, tinha respaldo de Dilma Rousseff e de Gilberto Carvalho. Em seu discurso de posse, disse que sentia “um honrão” com o novo cargo. “A minha geração começou na política e só se juntou na política pela liderança do senhor [Lula]”, falou Padilha. “Essa geração disputava intensamente na política, mas quando chegava para ser liderada pelo presidente Lula todo mundo cantava uma música só.”
Rogério Sottili, então na Casa Civil, hoje na Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania na prefeitura de Fernando Haddad, disse que toda uma geração de militantes se sentiu contemplada com a ascensão de Padilha. “Meu inconsciente dizia que um assessor como eu tinha virado ministro, por reconhecimento, sem politicagem”, contou Sottili. “O sentimento era de que um de nós virou general”, disse outro contemporâneo.
jovem guarda vem aí”, resume Marcos Nobre, professor de filosofia da Unicamp e pesquisador do Cebrap, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Segundo ele, o momento político atual exige renovação e os partidos se mexem para encontrar novas caras. “A transição de geração é algo que entrou na agenda de todos os partidos, desde a eleição de 2010. Só que no PT aconteceu mais cedopor causa do mensalão. A crise política obrigou o PT a dar a largada na troca de guarda geracional antes dos outros. O Lula precisou e soube fazer a troca”, disse.
Para Nobre, diferente do PSD de Gilberto Kassab ou do PSB de Eduardo Campos, onde é a própria nova geração que coordena a renovação, no caso do PT a velha guarda mantém a renovação sob seu controle. “O Lula vai escolher os caras que foram formados no governo dele. São, de fato, criaturas dele em um sentido muito maior do que se pode imaginar. Quando o Lula fala que o projeto do PT é para vinte anos, ele já está pensando nessa nova geração.”
É esse pano de fundo que pode ajudar a entender as razões da desistência de Mercadante. Ele já disputou e perdeu o governo paulista para os tucanos duas vezes. Em 2006, foi derrotado por José Serra, em 2010, por Geraldo Alckmin – nas duas ocasiões, não chegou sequer ao segundo turno. Um terceiro fiasco o colocaria na incômoda condição de ser o “Serra do PT”. E, até o momento, apesar da fadiga de material dos tucanos, que governam o estado há praticamente vinte anos, as pesquisas internas do PT mostram que Alckmin será um adversário muito duro de ser batido.
Mercadante se atreveria à disputa paulista se Lula tivesse feito um gesto público, convocando-o. Mas isso nunca passou de wishful thinking. Sem o ministro da Educação, a candidatura de Padilha fica obviamente reforçada, mas esse ainda não é um jogo decidido.
Nomes até então desconsiderados ou já esquecidos voltaram a circular. São eles o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o da Fazenda, Guido Mantega, e o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho.
Dos três, o de Cardozo é o único que parece ter potencial para fazer frente às pretensões de Padilha. Entre outras razões, porque a segurança pública é o calcanhar de Aquiles da gestão tucana. No PSDB alckimista, porém, tem-se a avaliação firme de que a especulação de outros nomes no PT é pista falsa, cortina de fumaça para não expor antes da hora o candidato já definido, Padilha. O fato é que, embora aposte e invista no ministro da Saúde, Lula não tem em relação à sua candidatura a mesma convicção incontrastável que tinha quando impôs o nome de Fernando Haddad à prefeitura paulistana.
As semelhanças entre os dois são muitas. Como Haddad, Padilha não vem do movimento sindical, não é um quadro histórico do partido, nunca disputou uma eleição e era uma figura desconhecida quando Lula chegou ao poder. Entre os militantes, no entanto, Padilha é muito mais querido do que Haddad jamais foi. Quando se tornou candidato, o prefeito paulistano era visto no PT como alguém frio e cerebral, algo arrogante e desconectado da vida partidária. Padilha, pelo contrário, faz questão de se dar bem com todo mundo.
Marcos Nobre afirma que essa é uma geração essencialmente pragmática. Nascidos da década de 60 em diante, não participaram do enfrentamento da ditadura, não tinham governo para derrubar nem revolução pesando em suas costas. “É uma geração que aprendeu com Lula o que é um projeto político, como implantá-lo e como governar. O governo abriu muito espaço para essas pessoas, principalmente depois do mensalão. Se você for conversar com o Padilha sobre o que é o Brasil antes e depois do governo Lula, ele vai dizer que o país se transformou profundamente.”
Padilha acha exatamente isso. Chorou nas suas duas cerimônias de posse como ministro e diz que se emociona quando vê a presidente Dilma defender o legado de Lula. “Eu sou meio chorão”, ele disse. Mas foi evasivo quando eu quis saber o que achava do resultado do julgamento do mensalão: “O grande aprendizado que fica disso é que só aprimorando de forma permanente as instituições se pode impedir malfeitos e condutas irregulares.”
Quando lhe perguntei se havia sido beneficiado de alguma maneira pelas consequências políticas do mensalão, ele reagiu: “Não sou fruto do mensalão. Sou fruto da ousadia do presidente Lula, que colocou um cara de 38 anos para fazer a coordenação política do governo dele. O processo de renovação que está em curso no PT sempre existiu, é independente do que aconteceu no mensalão. Foi a própria chegada do PT ao poder que abriu espaço para a nova geração.”
oi no período em que esteve à frente da Subchefia de Assuntos Federativos que nasceu o “@padilhando”, o Twitter do ministro. Ele viajava vendendo a ideia do “país transformado em um canteiro de obras”, uma das marcas que Lula colou a seu segundo mandato. Nessa época, independentemente da área em que atuava, quando alguém no governo trabalhava até mais tarde, ou aos sábados e domingos, dizia-se que estava “padilhando”. A ex-mulher achou que Padilha dava padilhadas demais. O casamento acabou.
Na SAF, Padilha se transformou numa espécie de antena parabólica do governo Lula nos municípios. Mapeou as demandas e passou a ser visto como a pessoa mais bem informada da teia do poder no âmbito das prefeituras. Foi isso que lhe deu musculatura e o cacifou junto a Lula para virar ministro da articulação política e cuidar dos apetites de varejo do Congresso.
Vicente Trevas, hoje secretário adjunto de Relações Internacionais e Federativas na cidade de São Paulo, disse que Padilha chegou à SAF em um momento muito importante. “As políticas dos governos petistas, o PAC, o Bolsa Família, não funcionam sem a incorporação dos governos municipais. E a Subchefia tinha como tarefa construir diálogo com os prefeitos. O governo federal repassa o recurso, eles que têm que fazer as listas e executar as obras”, contou Trevas.
Segundo ele, Padilha aprendeu rapidamente a agradar os prefeitos. “Ele é contemporâneo desse país que mudou”, observou, durante uma conversa num café de Brasília. Careca e com a barriga saliente, Trevas é um pouco mais velho que Lula e diz fazer parte da geração dos coroas do PT. “Eu fico cansado só de lembrar o ritmo acelerado do Padilha”, comentou.
No avião entre Brasília e Manaus, depois de um farto café da manhã com direito a frutas, pão, omelete e café com leite (o ministro nunca sabe quando será sua próxima refeição), Padilha disse que não precisa dormir mais de quatro horas por noite, “mas se não fosse a entrevista agora, estaria dormindo”. O ministro é capaz de cochilar em qualquer canto.
Além dos muitos voos, também dorme no carro, independentemente do trajeto, entre um compromisso e outro. “Ele conversa um pouco, tira os óculos, coça os olhos e adormece em questão de segundos”, descreveu um assessor.
mãe de Padilha, Macileia Rocha Santos Chaves, uma alagoana mais conhecida como doutora Leia, é uma senhora enxuta e enérgica, que balança os pés enquanto fala. Em 1969, ela largou o 5º ano da faculdade de medicina, em Maceió, para juntar-se ao movimento de resistência à ditadura em São Paulo. Foi acolhida na casa dos pais de Anivaldo Padilha, futuro pai do ministro. Os dois foram membros da Ação Popular, movimento ligado à esquerda católica surgido em 1962 que entrou na clandestinidade depois do golpe de 64 e se fundiu a grupos adeptos da luta armada a partir de 1968.
Lampadinhas azuis, verdes e vermelhas, além de um presépio, enfeitavam o apartamento de Leia numa tarde de dezembro. O imóvel de três quartos não tem mais de 90 metros quadrados. A sala, de parede azul, luz fria, sofá de veludo e flores de plástico, estava tomada por panetones e envelopes endereçados ao filho.
Leia mora no bairro do Morumbi desde que ficou viúva. Morava no Parque Regina, uma das comunidades de Campo Limpo, região pobre da Zona Sul de São Paulo, onde faz trabalho voluntário, mas mudou-se, contra sua vontade, depois da insistência de familiares.
Ela se refere ao filho como “esse Alexandre”: “Esse Alexandre é muito confiante. Ele acha que vai mexer aqui e ali e vai dar tudo certo”; “Esse Alexandre falou que estaria numa tribo longe de Santarém, que não era para eu ligar no aniversário dele. Você acha que eu não liguei? Pus todos os índios atrás dele.”
Leia engravidou no finalzinho de 1970, no momento mais sombrio da ditadura. Logo depois Anivaldo Padilha foi preso, torturado e deixou o país, exilado. Sem o parceiro, Leia teve a continuidade da sua gravidez posta em discussão na sua célula. “Nossa vida girava em torno da política, vivíamos na clandestinidade, era muito difícil uma mulher engravidar, ainda mais sem o companheiro. O pré-natal e o parto traziam insegurança para mim e para o partido. Eu poderia ser presa. Tudo foi discutido”, lembrou-se.
Alexandre Rocha Santos Padilha nasceu no dia 14 de setembro de 1971. O nomefoi uma homenagem a um companheirode militância da mãe que havia desaparecido. O bebê tinha meses quando Leia, temendo ser presa depois que um operário da Lorenzetti havia faltado ao encontro no ponto marcado, foi para a pensão onde morava, livrou-se às pressas de papéis comprometedores e fugiu com o filho. “Peguei o Alexandre e fomos embora com um pingo de coisas para não chamar a atenção”, lembrou.
O destino foi Belo Horizonte. “Esse Alexandre chorou o caminho inteiro porque a chupeta ficou para trás. Em todas as paradas eu descia para comprar outra e não achava. Morri de medo, todo mundo olhava o berreiro.” Ficaram alguns meses na capital mineira. Quando o medo arrefeceu, voltaram para São Paulo. Depois de um tempo foram para Maceió, onde ela concluiu a faculdade e, mais uma vez, regressaram a São Paulo para que o filho pudesse ter contato com os avós paternos.
“Eu levava o Alexandre comigo para todos os lugares. Nos plantões, ele ficava no quartinho dos médicos. Não é à toa que virou médico. Nos panelaços, ele ficava lá batendo as panelinhas dele. Era um catatauzinho de gente, adorava colher assinaturas para abaixo-assinado na feira, fazia o maior sucesso”, contou. Em 1979, os dois estavam no estádio da Vila Euclides no dia em que Lula iniciou a greve geral dos metalúrgicos no ABC paulista. Padilha disse se lembrar de correr da polícia no colo da mãe e de ver gente apanhando ao lado dele.
uando o garoto tinha 7 anos, Leia casou-se com um padre de esquerda. Foram morar na comunidade onde funcionava a paróquia, em Campo Limpo. Os dois eram lideranças locais: ele, o padre, e ela, a doutora do bairro. A religião sempre esteve presente em casa. “O Alexandre foi batizado, fez primeira comunhão, mas parou na crisma. Um dia voltou do curso e decidiu não continuar porque casar virgem era contra seus princípios.”
A mãe ficou surpresa quando o filho virou ministro das Relações Institucionais. Padilha teve que prepará-la psicologicamente para ir à posse: “Ele veio me avisar. Mãe, o Maluf vai estar lá.” Pelo filho, ela aceita as alianças que o PT faz com políticos que apoiaram a ditadura. “Eu só cobro o lado pessoal. Se deixar, o partido vai sempre querer mais. É você que tem que pôr os limites. Ele tem que casar e ter filhos”, disse a mãe. “Eu fico no pé para que ele faça exames, tome conta da saúde. Médico gordo não pode”, prescreveu doutora Leia. (Padilha engordou 16 quilos desde que virou ministro, em 2009.)
O e-mail é a principal forma de comunicação entre mãe e filho, que pouco se encontram. Todo dia de manhã ela escreve, enviando-lhe boas energias e correntes de reza. “Ele me responde em cinco minutos. Ai dele se não responder!”
Anivaldo Padilha, o pai do ministro, é um senhor magro, de aspecto frágil e voz mansa. Numa sala nos fundos da igreja episcopal anglicana, sede da ONG , onde trabalha em Santa Cecília, bairro da região central de São Paulo, ele se lembrou do dia em que viu Alexandre pela primeira vez. Foi em agosto de 1979, o filho já era um menino de quase 8 anos. Anivaldo vinha dos Estados Unidos e temia ser preso ao desembarcar no Brasil. Quando pisou em solo nacional, a chegada foi televisionada. A Lei da Anistia havia sido promulgada durante o voo. Sem saber, acabou sendo um dos primeiros perseguidos políticos a voltar ao país depois da anistia.
“Eu tive outros três filhos. Eu sei o que é segurar um bebê no colo, trocar fraldas. Essa é uma dívida que a ditadura tem comigo e com meu filho.” Anivaldo havia deixado o país depois de passar alguns meses no Presídio Tiradentes, onde foi vizinho de parede de Dilma Rousseff. Solto, não teve como avisar Leia. Ela só teve notícias um mês depois, quando ele chegou ao Uruguai. Cada qual seguiu o seu caminho.
os 17 anos, Alexandre Padilha foi estudar medicina na Unicamp. Naquele momento, o PT começava sua gestão na cidade de Campinas e o vínculo entre o partido e o Diretório Central dos Estudantes da universidade era muito forte. Gastão Wagner, o professor que mais tarde levaria Padilha a Brasília, era também secretário de Saúdeda cidade. O Sistema Único de Saúde,o SUS, começava a ser implementado e ele levava seus alunos aos hospitais para acompanhar in loco sua estruturação.
Joana Fróes, hoje cirurgiã oncológica no Hospital da Mulher na Unicamp, lembra de Padilha nos tempos de faculdade – já grisalho, magricela, vestindo sempre bermuda, chinelos e camiseta surrada. “Os estudantes de medicina costumam ter perfil mais conservador. Mas eu e Padilha somos filhos de presos políticos, tínhamos uma preocupação social forte”, contou Joana. “Ele era um namorador incorrigível. Mas nunca saía com as meninas da medicina.”
Em 1989, quando Lula se candidatou à Presidência, Padilha participou da campanha no Comitê Nacional de Juventude do PT. Aos 19 anos, foi eleito presidente da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina. “O pessoal tirava sarro de mim. Eu não podia assinar cheque, tinha que ter 21 anos. Precisei pedir autorização para minha mãe abrir uma conta para a Denem’’, disse o ministro.
No ano seguinte, Padilha deixou a presidência do movimento estudantil de medicina para fazer parte da executiva do PT, como secretário estadual de Juventude de São Paulo.
Aí começa a ter uma ação mais orgânica no partido. Trancou a faculdade em 1994 e, mais uma vez, participou da campanha de Lula. Então com mais responsabilidades, integrou a corrente Construindo um Novo Brasil, em torno da qual se articulou o chamado campo majoritário do partido sob o comando de José Dirceu.
Em 1995, o país do Plano Real vivia em lua de mel com o governo de Fernando Henrique Cardoso. Nesse ano Padilha abandonou a Secretaria de Juventude do PT e se desfez de todas as responsabilidades políticas para concluir o curso de medicina. “Eu percebi que, se continuasse ali, não me formaria nunca. Voltei para a política só em 2004, quando vim para o governo.”
Da graduação na Unicamp, Padilha foi fazer residência na USP. Estava no 2º ano,especializando-se em infectologia, quando o professor Marcos Boulos voltou da Jornada de Doenças Tropicais do Baixo Amazonas. Trouxe a notícia de que havia na margem do rio Tapajós uma cidadezinha em que as pessoas estavam ictéricas (amarelas) e morrendo em grande quantidade.
O barco em que estava, porém, não podia chegar à região. “Era grande demais para subir aquela parte do rio, a doença podia ser febre amarela e algumas pessoas do grupo não estavam vacinadas. Eu prometi voltar com ajuda”, contou o professor Boulos, durante entrevista na Coordenadoria de Controle de Doenças, da Secretaria da Saúde do estado de São Paulo.
Assim que chegou, o professor explicou a seus residentes que precisava de alguém que fosse até aquele fim de mundo para ver o que estava acontecendo. Padilha imediatamente se voluntariou. Foi colher sangue de toda a população e fechou o diagnóstico. Era uma epidemia de leptospirose, causada por roedores silvestres. “Aí começa a história do ministro na Amazônia”, disse Boulos.
Quando Padilha concluiu a residência, seu professor assinou um convênio com a Prefeitura de Santarém. “A ideia era ter dois médicos que se alternassem: três meses lá, três meses aqui, atendendo os viajantes e a população que ficasse doente”, explicou Boulos. “Os médicos costumam ser ambiciosos, gostam de estar vinculados a centros de excelência. O Alexandre passou no concurso para ser médico no Hospital das Clínicas, mas não teria como conciliar com o projeto em Santarém. Ele fez uma opção improvável. Ficou com Santarém.”
adilha foi escolhido por Dilma só depois que Sérgio Cabral queimou o nome que havia emplacado. Ao anunciar para a imprensa, de maneira precipitada, que o então secretário de Saúde do Rio, Sérgio Côrtes, seria o novo comandante da Saúde, o governador morreu pela boca. Comentou-se na época que o ministro “Porcina” de Cabral, aquele que foi sem nunca ter sido, já havia estourado um champanhe para comemorar quando Dilma tratou de desmentir o governador, acrescentando que o novo nome seria do porte de um Adib Jatene ou de um José Gomes Temporão. Acabou sendo do porte de Padilha – um médico sem carreira expressiva, com trajetória política discreta, mas veloz e exitosa.
Ele diz não saber explicar exatamente a escolha da presidente. “Acho que é porque tínhamos uma relação de confiança desde a SAF”, especulou. Dentro do PT, quem trabalhou na campanha de Dilma defendia seu nome. O cardiologista Roberto Kalil Filho, médico particular de Lula e da presidente, foi um dos que fez lobby pelo ministro.
Ainda faltava 1 hora para o pouso em Manaus e o avião chacoalhava, mas Padilha parecia não dar importância. À vontade na cadeira, comentou, sorrindo: “Um ano e meio depois de dizerem que eu era muito técnico para a Secretaria de Relações Institucionais, começaram a dizer que eu sou político demais para o Ministério da Saúde. Acho gozado isso.”
Mas não é apenas a presidente que cobra gestão do ministro. Na definição de um peso pesado do PT, “como titular da Saúde, Padilha é um bom articulador político”. Transcorridos quase dois anos e meio de mandato, cobra-se dele que não tenha imprimido nenhuma marca própria ao Ministério.
Nada que possa ser lembrado. Mais do que isso, Padilha é acusado de ser o único ministro da área que não pleiteia mais recursos para a saúde, sujeitando-se ao discurso de que é possível “fazer mais com menos”. Especialistas o veem como um homem do governo, engessado, que obedece espartanamente à presidente e não entra em bola dividida com medo de prejudicar seu futuro político.
Padilha se defende. No discurso que fezno Congresso, em 2011, mostrou que o Brasil precisaria de pelo menos mais 45 bilhões de reais (mais ou menos o que foi subtraído com o fim da CPMF) para investir em saúde no mínimo o equivalente ao que fazem outros países da América Latina, como Chile e Argentina. “Agora, como ministro eu não tenho que ficar esperando o dinheiro cair do céu, meu papel não é pedir dinheiro. É buscar fazer mais com o que nós temos”, disse, mais uma vez repetindo seu mantra.
Quando lhe perguntei sobre a propalada ausência de marcas do Ministério, um assessor de Padilha reagiu com perguntas: “Mas quais seriam as marcas dos outros ministérios? Qual seria a marca deste governo?” Nas questões estava implícita a ideia de que qualquer iniciativa, qualquer política pública do Ministério só acontece como slogan se for encampada pelo cérebro do governo, ou seja, pela Presidência.
E Dilma nunca se preocupou em fazer nada parecido com isso em relação à saúde.
No Ministério, gosta-se de exibir uma pesquisa realizada em março deste ano pelo Datafolha. Nela, entre aqueles que aprovam a presidente, 8% dizem que o fazem em função do desempenho do governo na saúde. E 2% entre esses apontam o programa de distribuição gratuita de remédios para doenças crônicas como causa principal.
Não obstante, a saúde é a área mais mal avaliada do governo Dilma. A desaprovação traduz um problema sistêmico: superlotação, filas de espera, falta de médicos, falta de insumos. Pode-se olhar a esmo, o quadro é tenebroso em todo o país: em 2011, o governo de Rondônia decretou estado de calamidade pública na saúde.
O maior hospital do estado – e o único com serviço de emergência – não podia receber mais ninguém. Em 2013, médicos do Rio Grande do Norte fizeram a marcha do fio de aço, depois que um cirurgião filmou uma cirurgia que fez usando fio de náilon. A Federação Nacional dos Médicos recorreu à Corte Interamericana de Direitos Humanos, pelas condições indignas de trabalho.
No Rio de Janeiro, o caso da menina Adrielly, de 10 anos, causou indignação. Atingida por uma bala perdida, na noite de Natal do ano passado, chegou ao hospital com vida, mas o plantonista não apareceu. O médico fraudava o ponto e recebia sem trabalhar. Na capital paulista, segundo revelou a Folha, há mais de 600 mil pedidos na fila para fazer exames. Alguns podem levar até 35 meses de espera.
Sistema Único de Saúde é que nem o Papai Noel, todo mundo simpatiza, mas ninguém acredita”, disse-me a sanitarista Ligia Bahia, doutora em saúde pública pela Fundação Oswaldo Cruz, em seu apartamento no Flamengo, na Zona Sul do Rio.
“O ministro costuma dizer que nenhum outro país com mais de 100 milhões de habitantes tem um sistema universal como o nosso. Primeiro, isso não é verdade, tem o Japão. Segundo, não pode ser desculpa. É exatamente porque somos 200 milhões de pessoas em um país de baixa renda que nós propusemos o SUS como solução”, completou.
Até 1988, o sistema de saúde do Brasil era excludente. Só quem tinha carteira assinada poderia acessar serviços de saúde através do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, o Inamps. Criado na Constituinte, o SUS, integral, universal e gratuito, é um dos sistemas mais generosos do mundo.
Da vacina ao transplante, do combate à dengue à neurocirurgia, da aspirina ao medicamento de alto custo, tudo é direito de todos e dever do Estado. A equação é explosiva: direitos amplos com recursos cada vez mais escassos. O problema é estrutural e independe do governo de plantão.
A mudança do perfil demográfico também pressiona o sistema. O crescimento do percentual da população acima de 60 anos, com doenças crônicas, aumenta os custos. A revolução científico-tecnológica que traz novas drogas, novos equipamentos, novas terapêuticas, cada vez mais caras, também fragiliza o sistema. O fenômeno da judicialização da saúde é um dos sintomas de uma conta que não fecha.
Há um ensurdecedor consenso de que o SUS é subfinanciado. De acordo com dados do Banco Mundial, o Brasil gasta 1 mil dólares per capita com saúde. Desse valor, 45% do gasto é público, 55%, privado. O dado mostra a desigualdade. Cinquenta e cinco por cento do que é gasto com saúde atende 25% da população, que tem plano de saúde. Os outros 45% dos gastos vão para os 147 milhões de brasileiros, sem planos privados.
“Hoje a universalidade do SUS é uma retórica. O SUS é para pobre. Então o Brasil tem de pensar que tipo de sistema de saúde quer. Ou é universal ou é para pobre. São dois modelos diferentes. A equipe econômica tem plano de saúde e não acredita que pode haver um sistema público de saúde de qualidade no Brasil”, disse Ligia Bahia.
A sanitarista sustenta que o Brasil vive um claro período de privatização, ou americanização, da saúde, quando, para ela, deveria estar se publicizando. A complementaridade entre público e privado no Brasil é perversa. Os planos mais baratos só existem porque procedimentos mais caros, negados pela operadora, são feitos pelo SUS.
ma semana antes que Mercadante anunciasse sua decisão de deixar a disputa em São Paulo, Padilha foi à Assembleia Legislativa do estado para participar de uma audiência pública. O evento foi muito concorrido.
Deputados, prefeitos, vereadores e agentes de saúde lotaram o plenário para ouvir o ministro. Durante sua apresentação, ele anunciou a liberação de mais de 440 milhões a cerca de 90% das cidades paulistas, parte de um programa de atenção básica, que leva médicos e sustenta por pelo menos um ano sua presença nas periferias da região metropolitana de São Paulo e no interior.
No PT, muita gente entendeu a visita do ministro como o ato inaugural da campanha pela cadeira de Geraldo Alckmin. Dezoito dos 22 deputados petistas na Assembleia se reuniram com Padilha para declarar apoio à sua candidatura.
Parlamentares do PSDB também foram para a audiência munidos com o mesmo espírito, tratando Padilha como adversário. Lembraram, por exemplo, que a maioria das 422 santas casas do estado paralisou parcialmente suas atividades, reivindicando reajuste no valor pago pela Saúde em 100 procedimentos médicos, entre consultas, exames e cirurgias. De acordo com a Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo, a tabela não é reajustada desde 2008, o que teria feito com que as instituições fechassem 2012 com uma dívida de 12 bilhões de reais.
A defasagem na tabela federal do SUS, disseram os tucanos, é uma grave distorção na saúde pública, uma vez que as santas casas respondem por 50% das internações da rede pública. Só a Santa Casa de São Paulo hoje acumula um déficit de mais de 180 milhões de reais. Quanto mais ela atende o SUS, mais se endivida.
O PSDB levantou ainda outro problema: a participação proporcional da União no financiamento da saúde em São Paulo, e também no país, vem minguando a cada ano desde que Lula chegou ao poder. Passou de 42% em 2002 para menos de 30% nos dias de hoje. Quem está pagando o grosso da conta são o governo do estado e os municípios. Se o financiamento seguisse a arrecadação proporcional das três esferas de Poder, a União deveria arcar com, pelo menos, 60% do total.
Os adversários de Padilha e do PT em São Paulo batem na tecla de que a oportunidade de corrigir essadistorção foi perdida por ocasião da regulamentação da Emenda 29, que estabelece percentuais mínimos de gastos com a saúde.
A regra que obrigava a União a investir pelomenos 10% do PIB foi engavetada pelo governo quando orientou sua bancada no Senado a votar contra.
seu gabinete, no Planalto, o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse que às vezes se comporta um pouco como “tiozão” de Padilha. “Quando começaram a surgir os boatos de que ele era candidato, chamei o Padilha para tomar um café. Falei: ‘Véio, deixa claro para a presidenta que você não é candidato, ela não gosta disso. Você precisa de paz para governar o seu ministério.’”
Nascido em uma área rural do norte do Paraná, Carvalho primeiro pediu desculpas pela metáfora e a seguir recorreu ao processo de capação de touros para explicar por que Padilha é um trunfo para o PT:
“O touro que não vai ser reprodutor é castrado. Às vezes o corte inflama e o animal é perdido. O bom boi é aquele que passou pela capação sem se estragar”, disse Carvalho. E concluiu: “O que eu quero dizer? O risco que ele tinha de ficar vaidoso, de achar que o poder é uma coisa eterna, de achar que isso aqui é mais do que é... Dói em mim ver pessoas que crescem e se seduzem ou pelo dinheiro ou pelo poder – ou pelas farras. O Padilha se preservou, se humanizou no poder. Ele é um tesouro para nós. No meu juízo ele está moldado para ser uma referência grande no país. E ele gosta disso.”
O secretário de Organização Paulo Frateschi está na máquina do partido desde a sua fundação.
Na sede nacional do PT, atrás da Praça da Sé, no coração de São Paulo, ele disse que o partido tem muitos planos para Padilha. “Ele é uma quadraço, o maior símbolo da renovação partidária. Para nós, já é um orgulho tê-lo como ministro. O PT vai tentar exponenciar, formar e dar força política para a nova geração. Se isso vai se confirmar em 2014 ou 2018, é uma questão de tempo. Mas o futuro é deles.” Já ia concluindo quando emendou: “Agora, se você quer saber, o Lula gosta muito do Padilha.” “Gosta muito do Aloizio também”, completou, após alguns segundos de silêncio.
Alexandre Padilha continua a agir como um soldado obediente. Diz que politicamente sua prioridade é a mesma de qualquer outra pessoa dentro do PT: reeleger Dilma presidente. “A única coisa que penso para 2014 é em como ajudar a presidenta. O debate nos estados tem que estar necessariamente vinculado à intenção de auxiliá-la”, disse.
Como o padrinho, o ministro aprendeu a se valer de metáforas futebolísticas para falar de política: “Eu sou Corinthians, tá certo? Eu não faço questão nenhuma de ser o centroavante no mundial. Eu posso ser o zagueiro, posso ser o meio-campo, o volante, posso ser o cara que está na reserva ou um dos 30 mil que cruzam o mundo até o Japão para ver o jogo. O presidente Lula é corintiano como eu e entende que essa é minha característica. Não tenho projeto político, nunca tive. O que eu quero é ajudar a mudar esse cansaço que existe no estado de São Paulo.”
09 de maio de 2013
CLARA BECKER
– Deve ser goteira, por causa da chuva, presidenta.
Dilma Rousseff foi até a janela e abriu uma brecha na cortina. O céu de Brasília estava como no cartão-postal da cidade, incrivelmente azul.
– Padilha, que chuva? Olha só o sol lá fora... É assim que funciona: tem que ver, ligar e cobrar.
Alexandre Padilha ouviu a lição em silêncio.
Naquela tarde de janeiro, participava da primeira reunião da Presidência com o Ministério da Saúde, que ele comanda desde o início do governo. Andando pela sala no Palácio do Planalto, Dilma passava em revista as câmeras que exibiam ao vivo imagens de alguns prontos-socorros pelo país, integrados a um dos programas da pasta, o SOS Emergências.
Momentos antes de flagrar o balde no Hospital de Base do Distrito Federal e ensinar ao ministro como deveria proceder, a presidente já havia se incomodado com uma paciente estacionada sobre uma cadeira de rodas no meio do corredor de um pronto-socorro em Porto Alegre. Ordenou que ligassem para o hospital exigindo explicações: O que fazia ali aquela mulher de avental e aparência sonolenta? Em questão de minutos a paciente se desmaterializou da tela. “Pode melhorar, pode melhorar”, repetia, como um mantra, a presidente. “Antes, tinha tantas macas nos corredores que não seria possível ver nem o balde nem a mulher”, defendeu-se o ministro.
O médico Alexandre Padilha é o mais jovem dos 39 ministros de Dilma Rousseff. Com 41 anos, pertence também ao grupo do primeiro escalão do governo em quem ela costuma dar broncas sem muita cerimônia. Ao menos em público, Padilha não reclama. “Aprendi esse tipo de monitoramento com a presidenta”, diz, referindo-se ao tempo em que a atual chefe era ministra da Casa Civil e ele trabalhava como subchefe de Assuntos Federativos da Secretaria de Relações Institucionais, ainda antes de assumir o comando daquela pasta. Padilha era então encarregado de tratar com as prefeituras sobre o andamento das obras do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento. Longe da presença de jornalistas, assessores do ministro já o viram comentar que o detalhismo dos monitoramentos da presidente muitas vezes emperra as ações do governo.
Veterano no Planalto, o atual secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, diz que a relação entre Dilma e Padilha “é de muito carinho”. Eexplica: “O Padilha tem, naturalmente, uma forte propensão a privilegiar a política. O medo da presidenta sempre foi de que ele fique mais na política do que na gestão. Quando vê que ele está rodando muito pelo país, vai lá e puxa a orelha: ‘Padiiiiilha, olha a gestão, Padilha!’”
O fiador do político Alexandre Padilha é o mesmo padrinho de Dilma, Luiz Inácio Lula da Silva. Sem o seu patrocínio, o nome do ministro da Saúde não estaria sendo seriamente cogitado para concorrer ao governo de São Paulo no ano que vem.
Até poucas semanas atrás, dava-se como certo que a disputa no PT pelo Palácio dos Bandeirantes se travava entre Padilha e Aloizio Mercadante. O anúncio inesperado do ministro da Educação, na última sexta-feira de abril, de que está fora do páreo pegou as hostes padilhistas de surpresa. A reação foi mais de cautela do que de comemoração.
O ministro, desde então, tem se esquivado do assunto. “O meu foco continua o mesmo: enfrentar os grandes desafios da saúde, principalmente levar os médicos para perto da população”, limitou-se a dizer à piauí, antes de embarcar para um compromisso do ministério em Israel, na véspera do 1° de Maio.
Na prática, porém, Padilha já deixou vários rastros de que está em pré-campanha. No final do mês passado, a Folha de S.Paulo publicou que ele concentrou viagens a São Paulo no último ano. Entre janeiro de 2012 e abril de 2013, esteve no estado, para compromissos oficiais, em 57 dias – quase dois meses inteiros.
Em outra reportagem do jornal, soube-se que Padilha percorreu 36 cidades paulistas nos três meses finais das eleições municipais do ano passado para dar apoio a candidatos.
A não ser Mercadante, que se colocou fora do jogo, nenhum dos eventuais adversários que tenha no PT se movimentou mais do que ele.
s cabelos acentuadamente grisalhos são o único elemento que dão a Padilha uma aparência mais velha do que sua idade de fato. No mais, o ministro tem hábitos e espírito de jovem. Veleja, pratica windsurfe e usa gírias como “massa” com certa frequência. Carrega tatuado nas costas um índio da tribo Zo’é, com a qual teve contato na época em que viveu em Santarém, no Pará. E gosta de dançar carimbó e coco, dois ritmos de origem indígena que receberam influência africana e são muito difundidos no Norte e Nordeste.
Solteiro, Padilha mora sozinho num flat em Brasília. Em São Paulo, aluga um apartamento na rua Avanhandava, conhecido endereço de restaurantes e hábitos noturnos na região central da cidade. Ele se entusiasma ao falar da namorada: “Meu corpo e alma têm dono. Estou apaixonadíssimo.” E faz a seguir uma autocrítica que também soa como um autoelogio: “Mas não devo ser um bom companheiro, sou muito ausente.”
“Dinâmico”, “máquina”, “alucinante”, “sem limites”. É muito comum ouvir tais palavras na boca de terceiros para descrever a energia do ministro. Na definição de um assessor, Padilha é “uma pessoa muito agitada, que não consegue ficar quieta”. Quando passa das 22 horas, acontece de arrastar parte da equipe para continuar o despacho em um pub perto da Esplanada dos Ministérios, apelidado de “gabinete londrino”. Também vão à chácara de um assessor, a “sede campestre do Ministério”. “Mudar o ambiente ajuda”, justifica-se o ministro.
“Não tem o compromisso de fazer encaminhamento ali na hora, as pessoas se sentem mais à vontade para fazer avaliação crítica.”
Ao comentar a rotina do chefe, um de seus assessores diz que ele “só consegue isso porque não tem mulher e filhos”. “O que mantém a gente aqui, apesar da loucura, é a afetividade dele”, disse outro. Padilha é do tipo atencioso: repara em cortes de cabelo, pergunta sobre a vida pessoal dos subordinados, gosta de contato físico. É frequente vê-lo andando com o braço em volta do ombro de quem conversa, não importa quem seja. Lembra mais Lula do que Dilma nesse aspecto.
um sábado de janeiro seu destino era Borba, município da região ribeirinha do Amazonas, onde Padilha inauguraria uma Unidade Básica de Saúde Fluvial. O voo estava programado para as 8 horas. Como de costume, ele chegou com atraso à Base Aérea. Vestia calça azul-marinho e uma blusa social branca, com os emblemas do Ministério e do governo federal bordados.
Usava colar e anel. Colocou o pé em cima da mesinha do avião para exibir sua tornozeleira de proteção. Eram todos artefatos indígenas. “Protege mesmo. Quando estava em Alter do Chão, no Pará, pisei numa arraia e levei ferroada no outro pé”, disse, sorrindo.
Enquanto tomava café da manhã no Legacy da Força Aérea Brasileira, entre Brasília e Manaus, Padilha falou sobre sua trajetória de vida. Disse que o acaso interferiu na decisão que tomou de voltar à política quando já a havia abandonado.
Era novembro de 2003 e ele, então um jovem médico, esbaforido, arrufava-se com a atendente no balcão de uma companhia aérea, no aeroporto de Manaus. O voo em Brasília atrasara, e ele perdera a conexão para Santarém. Insistiu que era médico, que tinha compromissos urgentes e inadiáveis. Foi em vão. A companhia aérea o encaminhou para o hotel Tropical Manaus. O próximo voo sairia só no dia seguinte.
O hotel, um complexo com mais de 4 mil metros quadrados, na entrada da floresta amazônica, estava às moscas. Ao caminhar por longos corredores desertos, Padilha teve a sensação de estar enclausurado num mosteiro. Seu pensamento era a única coisa audível: “Vou ou não vou?” Ligou para um amigo do governo: “Vocês mandaram a Infraero atrasar o voo de Brasília, não foi? Só para eu ficar aqui sozinho repensando a proposta. Como vocês fizeram isso?”
Alexandre Padilha fora a Brasília participar de uma conferência na área de saúde. Era supervisor do Núcleo de Extensão em Medicina Tropical do Departamento de Doenças Infecciosas e Parasitárias, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, e havia sido convidado para ser um dos relatores do Plano Saúde Amazônia Legal. Na conferência, encontrou-se com Gastão Wagner, então secretário-executivo de Humberto Costa, ministro da Saúde à época. Wagner o convidou para assumir a área indígena da Fundação Nacional de Saúde, a Funasa.
Naquele momento, lembrou Wagner, “o problema dos índios era crítico, a taxa de mortalidade estava altíssima. Eu disse para o presidente Lula e para o ministro Humberto Costa que precisávamos de um médico que fosse político e entendesse de cultura indígena. Eles me perguntaram: ‘Mas existe esse cara?”’. Wagner falou de um ex-aluno da Universidade Estadual de Campinas que trabalhava com índios, militava no PT e em quem confiava: “Liguei para Marabá, onde o Padilha estava.
Combinamos de conversar assim que ele viesse a Brasília. Quando fiz o convite, ele me respondeu: ‘Pelo amor de Deus, professor, não posso deixar meus compromissos aqui. Estou concluindo meu projeto de doutorado, dirijo o Fundo de Pesquisa em Doenças Tropicais da Organização Mundial da Saúde, estamos quase lançando um novo medicamento para a malária...’”
Terminada a conversa, Padilha foi ao Congresso visitar um amigo, assessor parlamentar da Petrobras. Os dois esbarraram em um terceiro amigo, também da época do movimento estudantil. Este, por sua vez, estava no telefone combinando um jantar com um quarto amigo do grupo. Saíram todos juntos nessa noite. Padilha não os via desde 1995, quando deixou a Secretaria de Juventude do PT. “Contei-lhes do convite e eles fizeram quase uma sessão de tortura comigo. Eu não podia ficar de fora desse governo que lutamos tanto para eleger, não podia fugir da responsabilidade de ajudar a construir”, lembrou Padilha.
O fato de ter perdido o voo para Santarém no dia seguinte empurrou o ministro a tomar a decisão no hotel, nas horas em que ficou sozinho. Faltava comunicar sua mulher que aceitaria o convite de ir para Brasília. “Nós dois éramos de São Paulo, mas tínhamos nos conhecido em Santarém. Ela sabia que eu tinha militado no PT, que era filiado ao partido, mas não tinha a dimensão do grau do meu envolvimento. Eu estava afastado da política havia oito anos”, contou.
Padilha chegou a Brasília em julho de 2004. Um ano depois, o governo que ele tinha “lutado tanto para eleger e que tinha que ajudar a construir”, como disseram seus amigos, havia sido flagrado no escândalo do mensalão e mergulhava na pior crise política da era Lula. A Funasa foi parar nas mãos do PMDB e Padilha logo percebeu que teria que sair de lá. Bingo.
No mesmo momento, o atual governador da Bahia, Jaques Wagner, assumiu a coordenação política do governo. Padilha já pensava em retomar o doutorado quando foi levado ao Planalto mais uma vez por antigos amigos do movimento estudantil. Um deles era chefe de gabinete de Wagner. O outro, Olavo Noleto, trabalhava na Subchefia de Assuntos Federativos das Relações Institucionais. Desta vez, Padilha ficou em Brasília para assumir um cargo no quarto escalão do Ministério, como chefe de gabinete de Noleto.
nredado neste mundo invisível de assessores, subchefes e burocratas que muitas vezes têm mais poder e influenciam mais coisas do que se pode enxergar de fora, Padilha ascendeu silenciosa e rapidamente. Ocupou, primeiro, o lugar do amigo Noleto, que foi disputar uma vaga para deputado estadual em 2006.
Em 2007, Vicente Trevas, um quadro histórico do PT e titular da SAF, sai a convite de Tarso Genro, para auxiliá-lo no Ministério da Justiça. Padilha assume a subchefia. Tempos depois, o ministro José Múcio Monteiro, conhecido político do PTB, é nomeado para o Tribunal de Contas da União, e, em setembro de 2009, aos 38 anos, Padilha assume a Secretaria de Relações Institucionais.
A escolha do neófito foi alvo de muitas críticas e apreensão. Ele era considerado técnico demais para uma função essencialmente política. Com pouco trânsito no Congresso e virgem nas urnas, Padilha ficou encarregado da relação com os parlamentares. Dentro do PT, contudo, tinha respaldo de Dilma Rousseff e de Gilberto Carvalho. Em seu discurso de posse, disse que sentia “um honrão” com o novo cargo. “A minha geração começou na política e só se juntou na política pela liderança do senhor [Lula]”, falou Padilha. “Essa geração disputava intensamente na política, mas quando chegava para ser liderada pelo presidente Lula todo mundo cantava uma música só.”
Rogério Sottili, então na Casa Civil, hoje na Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania na prefeitura de Fernando Haddad, disse que toda uma geração de militantes se sentiu contemplada com a ascensão de Padilha. “Meu inconsciente dizia que um assessor como eu tinha virado ministro, por reconhecimento, sem politicagem”, contou Sottili. “O sentimento era de que um de nós virou general”, disse outro contemporâneo.
jovem guarda vem aí”, resume Marcos Nobre, professor de filosofia da Unicamp e pesquisador do Cebrap, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Segundo ele, o momento político atual exige renovação e os partidos se mexem para encontrar novas caras. “A transição de geração é algo que entrou na agenda de todos os partidos, desde a eleição de 2010. Só que no PT aconteceu mais cedopor causa do mensalão. A crise política obrigou o PT a dar a largada na troca de guarda geracional antes dos outros. O Lula precisou e soube fazer a troca”, disse.
Para Nobre, diferente do PSD de Gilberto Kassab ou do PSB de Eduardo Campos, onde é a própria nova geração que coordena a renovação, no caso do PT a velha guarda mantém a renovação sob seu controle. “O Lula vai escolher os caras que foram formados no governo dele. São, de fato, criaturas dele em um sentido muito maior do que se pode imaginar. Quando o Lula fala que o projeto do PT é para vinte anos, ele já está pensando nessa nova geração.”
É esse pano de fundo que pode ajudar a entender as razões da desistência de Mercadante. Ele já disputou e perdeu o governo paulista para os tucanos duas vezes. Em 2006, foi derrotado por José Serra, em 2010, por Geraldo Alckmin – nas duas ocasiões, não chegou sequer ao segundo turno. Um terceiro fiasco o colocaria na incômoda condição de ser o “Serra do PT”. E, até o momento, apesar da fadiga de material dos tucanos, que governam o estado há praticamente vinte anos, as pesquisas internas do PT mostram que Alckmin será um adversário muito duro de ser batido.
Mercadante se atreveria à disputa paulista se Lula tivesse feito um gesto público, convocando-o. Mas isso nunca passou de wishful thinking. Sem o ministro da Educação, a candidatura de Padilha fica obviamente reforçada, mas esse ainda não é um jogo decidido.
Nomes até então desconsiderados ou já esquecidos voltaram a circular. São eles o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, o da Fazenda, Guido Mantega, e o prefeito de São Bernardo, Luiz Marinho.
Dos três, o de Cardozo é o único que parece ter potencial para fazer frente às pretensões de Padilha. Entre outras razões, porque a segurança pública é o calcanhar de Aquiles da gestão tucana. No PSDB alckimista, porém, tem-se a avaliação firme de que a especulação de outros nomes no PT é pista falsa, cortina de fumaça para não expor antes da hora o candidato já definido, Padilha. O fato é que, embora aposte e invista no ministro da Saúde, Lula não tem em relação à sua candidatura a mesma convicção incontrastável que tinha quando impôs o nome de Fernando Haddad à prefeitura paulistana.
As semelhanças entre os dois são muitas. Como Haddad, Padilha não vem do movimento sindical, não é um quadro histórico do partido, nunca disputou uma eleição e era uma figura desconhecida quando Lula chegou ao poder. Entre os militantes, no entanto, Padilha é muito mais querido do que Haddad jamais foi. Quando se tornou candidato, o prefeito paulistano era visto no PT como alguém frio e cerebral, algo arrogante e desconectado da vida partidária. Padilha, pelo contrário, faz questão de se dar bem com todo mundo.
Marcos Nobre afirma que essa é uma geração essencialmente pragmática. Nascidos da década de 60 em diante, não participaram do enfrentamento da ditadura, não tinham governo para derrubar nem revolução pesando em suas costas. “É uma geração que aprendeu com Lula o que é um projeto político, como implantá-lo e como governar. O governo abriu muito espaço para essas pessoas, principalmente depois do mensalão. Se você for conversar com o Padilha sobre o que é o Brasil antes e depois do governo Lula, ele vai dizer que o país se transformou profundamente.”
Padilha acha exatamente isso. Chorou nas suas duas cerimônias de posse como ministro e diz que se emociona quando vê a presidente Dilma defender o legado de Lula. “Eu sou meio chorão”, ele disse. Mas foi evasivo quando eu quis saber o que achava do resultado do julgamento do mensalão: “O grande aprendizado que fica disso é que só aprimorando de forma permanente as instituições se pode impedir malfeitos e condutas irregulares.”
Quando lhe perguntei se havia sido beneficiado de alguma maneira pelas consequências políticas do mensalão, ele reagiu: “Não sou fruto do mensalão. Sou fruto da ousadia do presidente Lula, que colocou um cara de 38 anos para fazer a coordenação política do governo dele. O processo de renovação que está em curso no PT sempre existiu, é independente do que aconteceu no mensalão. Foi a própria chegada do PT ao poder que abriu espaço para a nova geração.”
oi no período em que esteve à frente da Subchefia de Assuntos Federativos que nasceu o “@padilhando”, o Twitter do ministro. Ele viajava vendendo a ideia do “país transformado em um canteiro de obras”, uma das marcas que Lula colou a seu segundo mandato. Nessa época, independentemente da área em que atuava, quando alguém no governo trabalhava até mais tarde, ou aos sábados e domingos, dizia-se que estava “padilhando”. A ex-mulher achou que Padilha dava padilhadas demais. O casamento acabou.
Na SAF, Padilha se transformou numa espécie de antena parabólica do governo Lula nos municípios. Mapeou as demandas e passou a ser visto como a pessoa mais bem informada da teia do poder no âmbito das prefeituras. Foi isso que lhe deu musculatura e o cacifou junto a Lula para virar ministro da articulação política e cuidar dos apetites de varejo do Congresso.
Vicente Trevas, hoje secretário adjunto de Relações Internacionais e Federativas na cidade de São Paulo, disse que Padilha chegou à SAF em um momento muito importante. “As políticas dos governos petistas, o PAC, o Bolsa Família, não funcionam sem a incorporação dos governos municipais. E a Subchefia tinha como tarefa construir diálogo com os prefeitos. O governo federal repassa o recurso, eles que têm que fazer as listas e executar as obras”, contou Trevas.
Segundo ele, Padilha aprendeu rapidamente a agradar os prefeitos. “Ele é contemporâneo desse país que mudou”, observou, durante uma conversa num café de Brasília. Careca e com a barriga saliente, Trevas é um pouco mais velho que Lula e diz fazer parte da geração dos coroas do PT. “Eu fico cansado só de lembrar o ritmo acelerado do Padilha”, comentou.
No avião entre Brasília e Manaus, depois de um farto café da manhã com direito a frutas, pão, omelete e café com leite (o ministro nunca sabe quando será sua próxima refeição), Padilha disse que não precisa dormir mais de quatro horas por noite, “mas se não fosse a entrevista agora, estaria dormindo”. O ministro é capaz de cochilar em qualquer canto.
Além dos muitos voos, também dorme no carro, independentemente do trajeto, entre um compromisso e outro. “Ele conversa um pouco, tira os óculos, coça os olhos e adormece em questão de segundos”, descreveu um assessor.
mãe de Padilha, Macileia Rocha Santos Chaves, uma alagoana mais conhecida como doutora Leia, é uma senhora enxuta e enérgica, que balança os pés enquanto fala. Em 1969, ela largou o 5º ano da faculdade de medicina, em Maceió, para juntar-se ao movimento de resistência à ditadura em São Paulo. Foi acolhida na casa dos pais de Anivaldo Padilha, futuro pai do ministro. Os dois foram membros da Ação Popular, movimento ligado à esquerda católica surgido em 1962 que entrou na clandestinidade depois do golpe de 64 e se fundiu a grupos adeptos da luta armada a partir de 1968.
Lampadinhas azuis, verdes e vermelhas, além de um presépio, enfeitavam o apartamento de Leia numa tarde de dezembro. O imóvel de três quartos não tem mais de 90 metros quadrados. A sala, de parede azul, luz fria, sofá de veludo e flores de plástico, estava tomada por panetones e envelopes endereçados ao filho.
Leia mora no bairro do Morumbi desde que ficou viúva. Morava no Parque Regina, uma das comunidades de Campo Limpo, região pobre da Zona Sul de São Paulo, onde faz trabalho voluntário, mas mudou-se, contra sua vontade, depois da insistência de familiares.
Ela se refere ao filho como “esse Alexandre”: “Esse Alexandre é muito confiante. Ele acha que vai mexer aqui e ali e vai dar tudo certo”; “Esse Alexandre falou que estaria numa tribo longe de Santarém, que não era para eu ligar no aniversário dele. Você acha que eu não liguei? Pus todos os índios atrás dele.”
Leia engravidou no finalzinho de 1970, no momento mais sombrio da ditadura. Logo depois Anivaldo Padilha foi preso, torturado e deixou o país, exilado. Sem o parceiro, Leia teve a continuidade da sua gravidez posta em discussão na sua célula. “Nossa vida girava em torno da política, vivíamos na clandestinidade, era muito difícil uma mulher engravidar, ainda mais sem o companheiro. O pré-natal e o parto traziam insegurança para mim e para o partido. Eu poderia ser presa. Tudo foi discutido”, lembrou-se.
Alexandre Rocha Santos Padilha nasceu no dia 14 de setembro de 1971. O nomefoi uma homenagem a um companheirode militância da mãe que havia desaparecido. O bebê tinha meses quando Leia, temendo ser presa depois que um operário da Lorenzetti havia faltado ao encontro no ponto marcado, foi para a pensão onde morava, livrou-se às pressas de papéis comprometedores e fugiu com o filho. “Peguei o Alexandre e fomos embora com um pingo de coisas para não chamar a atenção”, lembrou.
O destino foi Belo Horizonte. “Esse Alexandre chorou o caminho inteiro porque a chupeta ficou para trás. Em todas as paradas eu descia para comprar outra e não achava. Morri de medo, todo mundo olhava o berreiro.” Ficaram alguns meses na capital mineira. Quando o medo arrefeceu, voltaram para São Paulo. Depois de um tempo foram para Maceió, onde ela concluiu a faculdade e, mais uma vez, regressaram a São Paulo para que o filho pudesse ter contato com os avós paternos.
“Eu levava o Alexandre comigo para todos os lugares. Nos plantões, ele ficava no quartinho dos médicos. Não é à toa que virou médico. Nos panelaços, ele ficava lá batendo as panelinhas dele. Era um catatauzinho de gente, adorava colher assinaturas para abaixo-assinado na feira, fazia o maior sucesso”, contou. Em 1979, os dois estavam no estádio da Vila Euclides no dia em que Lula iniciou a greve geral dos metalúrgicos no ABC paulista. Padilha disse se lembrar de correr da polícia no colo da mãe e de ver gente apanhando ao lado dele.
uando o garoto tinha 7 anos, Leia casou-se com um padre de esquerda. Foram morar na comunidade onde funcionava a paróquia, em Campo Limpo. Os dois eram lideranças locais: ele, o padre, e ela, a doutora do bairro. A religião sempre esteve presente em casa. “O Alexandre foi batizado, fez primeira comunhão, mas parou na crisma. Um dia voltou do curso e decidiu não continuar porque casar virgem era contra seus princípios.”
A mãe ficou surpresa quando o filho virou ministro das Relações Institucionais. Padilha teve que prepará-la psicologicamente para ir à posse: “Ele veio me avisar. Mãe, o Maluf vai estar lá.” Pelo filho, ela aceita as alianças que o PT faz com políticos que apoiaram a ditadura. “Eu só cobro o lado pessoal. Se deixar, o partido vai sempre querer mais. É você que tem que pôr os limites. Ele tem que casar e ter filhos”, disse a mãe. “Eu fico no pé para que ele faça exames, tome conta da saúde. Médico gordo não pode”, prescreveu doutora Leia. (Padilha engordou 16 quilos desde que virou ministro, em 2009.)
O e-mail é a principal forma de comunicação entre mãe e filho, que pouco se encontram. Todo dia de manhã ela escreve, enviando-lhe boas energias e correntes de reza. “Ele me responde em cinco minutos. Ai dele se não responder!”
Anivaldo Padilha, o pai do ministro, é um senhor magro, de aspecto frágil e voz mansa. Numa sala nos fundos da igreja episcopal anglicana, sede da ONG , onde trabalha em Santa Cecília, bairro da região central de São Paulo, ele se lembrou do dia em que viu Alexandre pela primeira vez. Foi em agosto de 1979, o filho já era um menino de quase 8 anos. Anivaldo vinha dos Estados Unidos e temia ser preso ao desembarcar no Brasil. Quando pisou em solo nacional, a chegada foi televisionada. A Lei da Anistia havia sido promulgada durante o voo. Sem saber, acabou sendo um dos primeiros perseguidos políticos a voltar ao país depois da anistia.
“Eu tive outros três filhos. Eu sei o que é segurar um bebê no colo, trocar fraldas. Essa é uma dívida que a ditadura tem comigo e com meu filho.” Anivaldo havia deixado o país depois de passar alguns meses no Presídio Tiradentes, onde foi vizinho de parede de Dilma Rousseff. Solto, não teve como avisar Leia. Ela só teve notícias um mês depois, quando ele chegou ao Uruguai. Cada qual seguiu o seu caminho.
os 17 anos, Alexandre Padilha foi estudar medicina na Unicamp. Naquele momento, o PT começava sua gestão na cidade de Campinas e o vínculo entre o partido e o Diretório Central dos Estudantes da universidade era muito forte. Gastão Wagner, o professor que mais tarde levaria Padilha a Brasília, era também secretário de Saúdeda cidade. O Sistema Único de Saúde,o SUS, começava a ser implementado e ele levava seus alunos aos hospitais para acompanhar in loco sua estruturação.
Joana Fróes, hoje cirurgiã oncológica no Hospital da Mulher na Unicamp, lembra de Padilha nos tempos de faculdade – já grisalho, magricela, vestindo sempre bermuda, chinelos e camiseta surrada. “Os estudantes de medicina costumam ter perfil mais conservador. Mas eu e Padilha somos filhos de presos políticos, tínhamos uma preocupação social forte”, contou Joana. “Ele era um namorador incorrigível. Mas nunca saía com as meninas da medicina.”
Em 1989, quando Lula se candidatou à Presidência, Padilha participou da campanha no Comitê Nacional de Juventude do PT. Aos 19 anos, foi eleito presidente da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina. “O pessoal tirava sarro de mim. Eu não podia assinar cheque, tinha que ter 21 anos. Precisei pedir autorização para minha mãe abrir uma conta para a Denem’’, disse o ministro.
No ano seguinte, Padilha deixou a presidência do movimento estudantil de medicina para fazer parte da executiva do PT, como secretário estadual de Juventude de São Paulo.
Aí começa a ter uma ação mais orgânica no partido. Trancou a faculdade em 1994 e, mais uma vez, participou da campanha de Lula. Então com mais responsabilidades, integrou a corrente Construindo um Novo Brasil, em torno da qual se articulou o chamado campo majoritário do partido sob o comando de José Dirceu.
Em 1995, o país do Plano Real vivia em lua de mel com o governo de Fernando Henrique Cardoso. Nesse ano Padilha abandonou a Secretaria de Juventude do PT e se desfez de todas as responsabilidades políticas para concluir o curso de medicina. “Eu percebi que, se continuasse ali, não me formaria nunca. Voltei para a política só em 2004, quando vim para o governo.”
Da graduação na Unicamp, Padilha foi fazer residência na USP. Estava no 2º ano,especializando-se em infectologia, quando o professor Marcos Boulos voltou da Jornada de Doenças Tropicais do Baixo Amazonas. Trouxe a notícia de que havia na margem do rio Tapajós uma cidadezinha em que as pessoas estavam ictéricas (amarelas) e morrendo em grande quantidade.
O barco em que estava, porém, não podia chegar à região. “Era grande demais para subir aquela parte do rio, a doença podia ser febre amarela e algumas pessoas do grupo não estavam vacinadas. Eu prometi voltar com ajuda”, contou o professor Boulos, durante entrevista na Coordenadoria de Controle de Doenças, da Secretaria da Saúde do estado de São Paulo.
Assim que chegou, o professor explicou a seus residentes que precisava de alguém que fosse até aquele fim de mundo para ver o que estava acontecendo. Padilha imediatamente se voluntariou. Foi colher sangue de toda a população e fechou o diagnóstico. Era uma epidemia de leptospirose, causada por roedores silvestres. “Aí começa a história do ministro na Amazônia”, disse Boulos.
Quando Padilha concluiu a residência, seu professor assinou um convênio com a Prefeitura de Santarém. “A ideia era ter dois médicos que se alternassem: três meses lá, três meses aqui, atendendo os viajantes e a população que ficasse doente”, explicou Boulos. “Os médicos costumam ser ambiciosos, gostam de estar vinculados a centros de excelência. O Alexandre passou no concurso para ser médico no Hospital das Clínicas, mas não teria como conciliar com o projeto em Santarém. Ele fez uma opção improvável. Ficou com Santarém.”
adilha foi escolhido por Dilma só depois que Sérgio Cabral queimou o nome que havia emplacado. Ao anunciar para a imprensa, de maneira precipitada, que o então secretário de Saúde do Rio, Sérgio Côrtes, seria o novo comandante da Saúde, o governador morreu pela boca. Comentou-se na época que o ministro “Porcina” de Cabral, aquele que foi sem nunca ter sido, já havia estourado um champanhe para comemorar quando Dilma tratou de desmentir o governador, acrescentando que o novo nome seria do porte de um Adib Jatene ou de um José Gomes Temporão. Acabou sendo do porte de Padilha – um médico sem carreira expressiva, com trajetória política discreta, mas veloz e exitosa.
Ele diz não saber explicar exatamente a escolha da presidente. “Acho que é porque tínhamos uma relação de confiança desde a SAF”, especulou. Dentro do PT, quem trabalhou na campanha de Dilma defendia seu nome. O cardiologista Roberto Kalil Filho, médico particular de Lula e da presidente, foi um dos que fez lobby pelo ministro.
Ainda faltava 1 hora para o pouso em Manaus e o avião chacoalhava, mas Padilha parecia não dar importância. À vontade na cadeira, comentou, sorrindo: “Um ano e meio depois de dizerem que eu era muito técnico para a Secretaria de Relações Institucionais, começaram a dizer que eu sou político demais para o Ministério da Saúde. Acho gozado isso.”
Mas não é apenas a presidente que cobra gestão do ministro. Na definição de um peso pesado do PT, “como titular da Saúde, Padilha é um bom articulador político”. Transcorridos quase dois anos e meio de mandato, cobra-se dele que não tenha imprimido nenhuma marca própria ao Ministério.
Nada que possa ser lembrado. Mais do que isso, Padilha é acusado de ser o único ministro da área que não pleiteia mais recursos para a saúde, sujeitando-se ao discurso de que é possível “fazer mais com menos”. Especialistas o veem como um homem do governo, engessado, que obedece espartanamente à presidente e não entra em bola dividida com medo de prejudicar seu futuro político.
Padilha se defende. No discurso que fezno Congresso, em 2011, mostrou que o Brasil precisaria de pelo menos mais 45 bilhões de reais (mais ou menos o que foi subtraído com o fim da CPMF) para investir em saúde no mínimo o equivalente ao que fazem outros países da América Latina, como Chile e Argentina. “Agora, como ministro eu não tenho que ficar esperando o dinheiro cair do céu, meu papel não é pedir dinheiro. É buscar fazer mais com o que nós temos”, disse, mais uma vez repetindo seu mantra.
Quando lhe perguntei sobre a propalada ausência de marcas do Ministério, um assessor de Padilha reagiu com perguntas: “Mas quais seriam as marcas dos outros ministérios? Qual seria a marca deste governo?” Nas questões estava implícita a ideia de que qualquer iniciativa, qualquer política pública do Ministério só acontece como slogan se for encampada pelo cérebro do governo, ou seja, pela Presidência.
E Dilma nunca se preocupou em fazer nada parecido com isso em relação à saúde.
No Ministério, gosta-se de exibir uma pesquisa realizada em março deste ano pelo Datafolha. Nela, entre aqueles que aprovam a presidente, 8% dizem que o fazem em função do desempenho do governo na saúde. E 2% entre esses apontam o programa de distribuição gratuita de remédios para doenças crônicas como causa principal.
Não obstante, a saúde é a área mais mal avaliada do governo Dilma. A desaprovação traduz um problema sistêmico: superlotação, filas de espera, falta de médicos, falta de insumos. Pode-se olhar a esmo, o quadro é tenebroso em todo o país: em 2011, o governo de Rondônia decretou estado de calamidade pública na saúde.
O maior hospital do estado – e o único com serviço de emergência – não podia receber mais ninguém. Em 2013, médicos do Rio Grande do Norte fizeram a marcha do fio de aço, depois que um cirurgião filmou uma cirurgia que fez usando fio de náilon. A Federação Nacional dos Médicos recorreu à Corte Interamericana de Direitos Humanos, pelas condições indignas de trabalho.
No Rio de Janeiro, o caso da menina Adrielly, de 10 anos, causou indignação. Atingida por uma bala perdida, na noite de Natal do ano passado, chegou ao hospital com vida, mas o plantonista não apareceu. O médico fraudava o ponto e recebia sem trabalhar. Na capital paulista, segundo revelou a Folha, há mais de 600 mil pedidos na fila para fazer exames. Alguns podem levar até 35 meses de espera.
Sistema Único de Saúde é que nem o Papai Noel, todo mundo simpatiza, mas ninguém acredita”, disse-me a sanitarista Ligia Bahia, doutora em saúde pública pela Fundação Oswaldo Cruz, em seu apartamento no Flamengo, na Zona Sul do Rio.
“O ministro costuma dizer que nenhum outro país com mais de 100 milhões de habitantes tem um sistema universal como o nosso. Primeiro, isso não é verdade, tem o Japão. Segundo, não pode ser desculpa. É exatamente porque somos 200 milhões de pessoas em um país de baixa renda que nós propusemos o SUS como solução”, completou.
Até 1988, o sistema de saúde do Brasil era excludente. Só quem tinha carteira assinada poderia acessar serviços de saúde através do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, o Inamps. Criado na Constituinte, o SUS, integral, universal e gratuito, é um dos sistemas mais generosos do mundo.
Da vacina ao transplante, do combate à dengue à neurocirurgia, da aspirina ao medicamento de alto custo, tudo é direito de todos e dever do Estado. A equação é explosiva: direitos amplos com recursos cada vez mais escassos. O problema é estrutural e independe do governo de plantão.
A mudança do perfil demográfico também pressiona o sistema. O crescimento do percentual da população acima de 60 anos, com doenças crônicas, aumenta os custos. A revolução científico-tecnológica que traz novas drogas, novos equipamentos, novas terapêuticas, cada vez mais caras, também fragiliza o sistema. O fenômeno da judicialização da saúde é um dos sintomas de uma conta que não fecha.
Há um ensurdecedor consenso de que o SUS é subfinanciado. De acordo com dados do Banco Mundial, o Brasil gasta 1 mil dólares per capita com saúde. Desse valor, 45% do gasto é público, 55%, privado. O dado mostra a desigualdade. Cinquenta e cinco por cento do que é gasto com saúde atende 25% da população, que tem plano de saúde. Os outros 45% dos gastos vão para os 147 milhões de brasileiros, sem planos privados.
“Hoje a universalidade do SUS é uma retórica. O SUS é para pobre. Então o Brasil tem de pensar que tipo de sistema de saúde quer. Ou é universal ou é para pobre. São dois modelos diferentes. A equipe econômica tem plano de saúde e não acredita que pode haver um sistema público de saúde de qualidade no Brasil”, disse Ligia Bahia.
A sanitarista sustenta que o Brasil vive um claro período de privatização, ou americanização, da saúde, quando, para ela, deveria estar se publicizando. A complementaridade entre público e privado no Brasil é perversa. Os planos mais baratos só existem porque procedimentos mais caros, negados pela operadora, são feitos pelo SUS.
ma semana antes que Mercadante anunciasse sua decisão de deixar a disputa em São Paulo, Padilha foi à Assembleia Legislativa do estado para participar de uma audiência pública. O evento foi muito concorrido.
Deputados, prefeitos, vereadores e agentes de saúde lotaram o plenário para ouvir o ministro. Durante sua apresentação, ele anunciou a liberação de mais de 440 milhões a cerca de 90% das cidades paulistas, parte de um programa de atenção básica, que leva médicos e sustenta por pelo menos um ano sua presença nas periferias da região metropolitana de São Paulo e no interior.
No PT, muita gente entendeu a visita do ministro como o ato inaugural da campanha pela cadeira de Geraldo Alckmin. Dezoito dos 22 deputados petistas na Assembleia se reuniram com Padilha para declarar apoio à sua candidatura.
Parlamentares do PSDB também foram para a audiência munidos com o mesmo espírito, tratando Padilha como adversário. Lembraram, por exemplo, que a maioria das 422 santas casas do estado paralisou parcialmente suas atividades, reivindicando reajuste no valor pago pela Saúde em 100 procedimentos médicos, entre consultas, exames e cirurgias. De acordo com a Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo, a tabela não é reajustada desde 2008, o que teria feito com que as instituições fechassem 2012 com uma dívida de 12 bilhões de reais.
A defasagem na tabela federal do SUS, disseram os tucanos, é uma grave distorção na saúde pública, uma vez que as santas casas respondem por 50% das internações da rede pública. Só a Santa Casa de São Paulo hoje acumula um déficit de mais de 180 milhões de reais. Quanto mais ela atende o SUS, mais se endivida.
O PSDB levantou ainda outro problema: a participação proporcional da União no financiamento da saúde em São Paulo, e também no país, vem minguando a cada ano desde que Lula chegou ao poder. Passou de 42% em 2002 para menos de 30% nos dias de hoje. Quem está pagando o grosso da conta são o governo do estado e os municípios. Se o financiamento seguisse a arrecadação proporcional das três esferas de Poder, a União deveria arcar com, pelo menos, 60% do total.
Os adversários de Padilha e do PT em São Paulo batem na tecla de que a oportunidade de corrigir essadistorção foi perdida por ocasião da regulamentação da Emenda 29, que estabelece percentuais mínimos de gastos com a saúde.
A regra que obrigava a União a investir pelomenos 10% do PIB foi engavetada pelo governo quando orientou sua bancada no Senado a votar contra.
seu gabinete, no Planalto, o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, disse que às vezes se comporta um pouco como “tiozão” de Padilha. “Quando começaram a surgir os boatos de que ele era candidato, chamei o Padilha para tomar um café. Falei: ‘Véio, deixa claro para a presidenta que você não é candidato, ela não gosta disso. Você precisa de paz para governar o seu ministério.’”
Nascido em uma área rural do norte do Paraná, Carvalho primeiro pediu desculpas pela metáfora e a seguir recorreu ao processo de capação de touros para explicar por que Padilha é um trunfo para o PT:
“O touro que não vai ser reprodutor é castrado. Às vezes o corte inflama e o animal é perdido. O bom boi é aquele que passou pela capação sem se estragar”, disse Carvalho. E concluiu: “O que eu quero dizer? O risco que ele tinha de ficar vaidoso, de achar que o poder é uma coisa eterna, de achar que isso aqui é mais do que é... Dói em mim ver pessoas que crescem e se seduzem ou pelo dinheiro ou pelo poder – ou pelas farras. O Padilha se preservou, se humanizou no poder. Ele é um tesouro para nós. No meu juízo ele está moldado para ser uma referência grande no país. E ele gosta disso.”
O secretário de Organização Paulo Frateschi está na máquina do partido desde a sua fundação.
Na sede nacional do PT, atrás da Praça da Sé, no coração de São Paulo, ele disse que o partido tem muitos planos para Padilha. “Ele é uma quadraço, o maior símbolo da renovação partidária. Para nós, já é um orgulho tê-lo como ministro. O PT vai tentar exponenciar, formar e dar força política para a nova geração. Se isso vai se confirmar em 2014 ou 2018, é uma questão de tempo. Mas o futuro é deles.” Já ia concluindo quando emendou: “Agora, se você quer saber, o Lula gosta muito do Padilha.” “Gosta muito do Aloizio também”, completou, após alguns segundos de silêncio.
Alexandre Padilha continua a agir como um soldado obediente. Diz que politicamente sua prioridade é a mesma de qualquer outra pessoa dentro do PT: reeleger Dilma presidente. “A única coisa que penso para 2014 é em como ajudar a presidenta. O debate nos estados tem que estar necessariamente vinculado à intenção de auxiliá-la”, disse.
Como o padrinho, o ministro aprendeu a se valer de metáforas futebolísticas para falar de política: “Eu sou Corinthians, tá certo? Eu não faço questão nenhuma de ser o centroavante no mundial. Eu posso ser o zagueiro, posso ser o meio-campo, o volante, posso ser o cara que está na reserva ou um dos 30 mil que cruzam o mundo até o Japão para ver o jogo. O presidente Lula é corintiano como eu e entende que essa é minha característica. Não tenho projeto político, nunca tive. O que eu quero é ajudar a mudar esse cansaço que existe no estado de São Paulo.”
09 de maio de 2013
CLARA BECKER
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