"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 5 de junho de 2013

CINEMA. OS CINCO MELHORES FILMES LANÇADOS EM CANNES

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'A Vida de Adèle' (Fonte: Reprodução/Divulgação)

Uma intensa história de amor lésbico, uma ode à música folclórica, um retrato da violência na China, e a história de uma prostituta adolescente são alguns dos enredos revelados em Cannes que valem a pena
     

1. A Vida de Adéle
Baseado no romance de Julie Maroh sobre uma adolescente que se apaixona por uma mulher um pouco mais velha, o filme vencedor da Palma de Ouro (prêmio de melhor filme), do diretor franco-tunisiano Abdellatif Kechiche, é uma obra avassaladora sobre o despertar sexual, a autodescoberta e corações partidos.

O longa cobre seis anos na vida de Adèle (interpretada por Adèle Exarchopoulos), uma jovem tranquila de 17 anos que mora com os pais em um bairro de classe média nos arredores da cidade francesa de Lille. O catalisador da trama ocorre quando Adéle conhece a atraente Emma (Léa Seydoux), uma estudante de pós-graduação lésbica e artista, de cabelos azuis, que vem de uma carinhosa família burguesa. O filme é uma confirmação de que Kechiche, com seu interesse em pessoas que vivem às margens da França moderna (imigrantes do Norte da África e suas crianças, jovens do interior da cidade, e, agora, gays, lésbicas e bissexuais), é o maior observador do comportamento humano e da sociedade que surgiu no cinema francês nos últimos anos. Quente, sensualmente vivo e com atuações brilhantes das duas protagonistas, A Vida de Adele é muito mais do que uma simples história de amor lésbico. Ao atingir a última cena do filme, algo silenciosamente devastador, porém esperançoso, percebe-se que o filme tornou-se um mapa da alma humana.



2. Inside Llewyn Davis

Situado no início dos anos 1960 em New York, essa comédia seca e deprimente dos irmãos Coen, que ficou em segundo lugar no Festival de Cannes, está à altura dos outros sucessos dos premiados irmãos (Fargo, No Country for Old Men, A Serious Man) em termos do equilíbrio perfeito entre humor satírico e profundas demonstrações de sentimento e humanidade.
O protagonista, um fracassado cantor de música folclórica (interpretado pelo cantor-ator Oscar Isaac) é ao mesmo tempo cruel e tenro, o que torna o filme um deleite. Navegando pela bagunça de sua vida fora dos palcos, marcada por noites dormidas em sofás emprestados, pequenos furtos e disputas com seu manager golpista e uma outra cantora folclórica (Carey Mulligan ) que pode ou não estar grávida do seu filho, Llewyn Davis é um personagem preguiçoso, carrancudo e rabugento. Mas quando ele sobe ao palco, revelando uma voz suave e ligeiramente rouca, seu rosto perde as duras linhas de expressão, ele fecha os olhos e parece abrir a sua alma para o mundo. As músicas folclóricas do filme, com suas letras sofridas e melodias melancólicas, não apenas compensam  a sagacidade seca do roteiro. Elas dão ao filme um rico subtexto emocional, permitindo que as queixas, brigas e acusações dos personagens ecoem sentimentos de arrependimento e desejo.



3. A Touch of Sin (Um toque de pecado)

Com sua exploração amarga, brutal e muitas vezes brilhante da violência e da corrupção na China contemporânea, o novo filme de Jia Zhangke ganhou o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes. Dividido em quatro histórias (os personagens principais são um mineiro, um trabalhador migrante, um funcionário de um spa e um adolescente operário de fábrica), o filme pinta uma imagem desesperada de um país devastado por problemas socio-econômicos e povoado por pessoas exploradas e levadas a cometer atos de fúria e destruição.
Jia pontua o ritmo contemplativo e estilo realista do enredo com imagens surpreendentes de horror e sensualidade, evocando uma China vasta e rústica, com suas cobras, suas tempestades de areia, suas prostitutas e seus habitantes de aparência frágil, que comem tigelas de macarrão e se amontoam no frio para assistir a uma ópera ao ar livre.  Como em muitos dos filmes do diretor, os personagens de Um Toque de Pecado são figuras inquietas, sempre tramando sua fuga para outro lugar e uma vida melhor. O que é algo novo, porém, é a mistura que Jia faz de vários gêneros, como o western, o drama romântico, as artes marciais e o filme policial. O filme é, por vezes, desagradável (tiros, espadadas e espancamentos ocorrem em abundância), mas a ambição e a raiva inerente no roteiro são marcantes.



4. Jeune et Jolie (Jovem e Bonita)

Um retrato maliciosamente engraçado de uma prostituta adolescente, Jovem e Bonita (Jeune et jolie) é provavelmente o melhor filme do diretor  François Ozon desde Piscina (2003). A história gira em torno de Isabelle, uma parisiense arrebatadora de 17 anos (interpretada por Marine Vacth), que leva uma vida dupla como estudante de colegial e garota de programa de alta classe. O filme mostra a descoberta da sexualidade pela jovem, o tempo que ela gasta com seus clientes e as consequências de suas ações, com um sentido afinado de ironia e compaixão, mas sem um pingo de juízo moral.
Sabiamente, Ozon não fornece qualquer argumento psicológico para “explicar” por que Isabelle, que vem de uma família abastada, com uma mãe amorosa (a fantástica Geraldine Pailhas), desliza para a prostituição. Uma das ideias mais inquietantes e provocadoras do filme é a sugestão de que tal transgressão talvez seja o caminho mais fácil para um jovem que é tão consistentemente um objeto de desejo. O filme parece, à primeira vista, um estudo clínico e essencialmente francês da sexualidade feminina, mas ele se aventura por território arriscado quando pondera o impacto das escolhas de Isabelle sobre as pessoas ao seu redor. O grande mérito do diretor é que o filme não é moralista, apenas se aprofunda em seus mistérios, até terminar com uma conclusão assustadora.



5. A Grande Beleza

Visualmente imaginativo e muito divertido, o novo filme do diretor italiano Paolo Sorrentino é essencialmente uma variação de La Dolce Vita, de Felini, mergulhando o espectador no mundo cruel e voluptuoso das elites da mídia, artísticas e intelectuais de Roma.
A trama gira em torno de um escritor que virou jornalista, interpretado por Toni Servillo. A primeira hora e meia do filme é uma delícia, na medida em que a câmera de Sorrentino serpenteia por luxuosas festas regadas a champanhe e música eletrônica (a sequência de abertura do filme é um tour de force). Depois o ritmo diminui para dar lugar a cenas do dia depois da festa (manhãs na cama com uma nova conquista, almoços com amigos, reuniões com o editor-chefe, passeios à tarde) que ecoam solidão e tristeza. Na última meia hora do filme, ele começa a escorregar um pouco, com o diretor explicando coisas desnecessárias através de diálogos e narrações que as imagens já evocam perfeitamente. Ainda assim, o filme oferece uma janela para um mundo vivo, engraçado e profundamente inquietante, um retrato da Itália “bunga-bunga” de Silvio Berlusconi, que apodrece lentamente por baixo de uma superfície luxuosa e vazia.



05 de junho de 2013

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