"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 19 de junho de 2013

É HORA DE LER CASTELLS

No início da tarde da última sexta-feira, o governador paulista Geraldo Alckmin foi à TV reiterar que o vandalismo de quem protesta não seria tolerado e que, bem, se acaso tivesse ocorrido algum abuso policial, ele seria investigado. Não é sempre que acontece: um governador de Estado alienado politicamente. Desinformado. Sem que ele soubesse, durante aquela manhã, centenas de milhares, talvez milhões, de brasileiros viram dezenas de vídeos estarrecedores no Facebook, Tumblr, distribuídos por Twitter e YouTube.

Policiais atirando contra jornalistas que claramente se identificavam. Quebrando o vidro de seus próprios carros para culpar os manifestantes. Disparando, a curta distância, contra manifestantes que nada faziam que não gritar "não à violência".
Alckmin não estava sozinho em sua desinformação. O prefeito Fernando Haddad, embora talvez mais hesitante do que o governador, tampouco havia percebido o tamanho do que ocorrera na tarde anterior. 

Governantes em todo o país, que não usam as redes sociais em seus cotidianos, estavam igualmente alienados. Há, evidentemente, uma diferença geracional. Mas não apenas: limitar à questão geracional faz parecer que o problema está em algumas pessoas que não usam uma ferramenta de comunicação nova. O fenômeno que chegou na semana passada ao Brasil é muito maior. E mais transformador. Se ganhar escala, a notícia não é boa nem para PSDB, nem para o PT.

Desde o início da semana, aqui no GLOBO fizemos o que jornalistas fazem nessas horas em que há algo de diferente no ar. Primeiro nos atemos aos fatos, vamos à rua reportar o que vemos e ouvimos. Depois, lançamos mão do telefone e da internet para conversar com cientistas políticos, sociólogos, para ouvir deles suas reflexões. E o que ouvimos é uma variante das velhas teorias: encontre os líderes e encontrarás as motivações. Não são apenas os políticos que não perceberam.

Hora de recorrer ao sociólogo espanhol Manuel Castells, um nome que anda incrivelmente ausente de todas as análises até agora. Nos EUA, Occupy Wall Street, na Espanha, Indignados. No Egito ou Tunísia, Primavera Árabe. Em inúmeros outros lugares do mundo, com outros nomes. A primeira característica destes movimentos é que começam na internet e depois se movem para o cenário urbano. No mundo real, celulares à mão, repetem a estrutura das redes sociais para se informar. A informação e os acordos são construídos assim, em rede. Lição número um: não há líderes.
Insatisfação difusa e generalizada

Outra característica: não há uma pauta clara nos protestos. Pertenço à geração que pintou a cara para derrubar um presidente da República. Nós tínhamos um desejo claro que podia ser manifestado em um slogan: Fora Collor. Eles, não. Porque o que os move é uma insatisfação difusa e generalizada. Um não sentir-se representado. A impressão de que as prioridades dos governantes, estejam na situação ou na oposição, não são as suas.

Eles têm razão. Nas últimas duas décadas, congelados entre a discussão macroeconômica e seus projetos de poder, políticos abriram mão de encarar no Parlamento temas sociais como o casamento gay e o aborto. Temas como as necessárias reformas política e fiscal. O país precisa de uma revolução na infraestrutura de transporte e energia. Saúde e educação não são questões resolvidas. E a classe média, hoje, é maior. Classe média, diferentemente do que sugerem alguns reacionários de esquerda, é quem cobra na sociedade. Não se trata de fazer aqui um discurso anti-político, apenas o de constatar que a política brasileira está inoperante.

Segundo Castells, movimentos como este que chegou às ruas brasileiras reiteram para a sociedade que o sistema partidário é incapaz de responder os dilemas do país. Na Espanha, não é todo mundo que protesta. Mas 70% dos espanhóis apoiam. A circunstância econômica brasileira é distinta.
 
Aqui há pleno emprego, um difusor potente de insatisfação. Mas a insatisfação está ali na esquina. Mais um ano de pibinho, pode estourar. Se é que já não estourou.

19 de junho de 2013

Pedro Dória é Jornalista

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