Minha visão das coisas é fundamental: é não ter qualquer visão básica de nada. Meus dogmas não existem mais".
— Ingmar Bergman —
— Ingmar Bergman —
Em meio aos faces, twitters, e outras tantas bobagens da net, mal e porcamente escritas, sem nenhuma acentuação, com um português paupérrimo, resultado de uma humanidade que a cada dia se emburrece mais, o youtube resgata alguns filmes que sempre merecem ser revistos.
No meu caso, foi O Silêncio, do sueco Ingmar Bergman (pronuncia-se Inimár Bériman), que faz parte de uma trilogia do começo dos anos 60s. É bom ressaltar, antes de mais nada, que a escassa tecnologia dos anos 60s, exigia atrizes, atores, fotógrafos e diretores. Isso, no caso de Bergman, quer dizer que ele trabalhou com o mesmo fotógrafo a sua vida inteira, e praticamente com as mesmas atrizes e o mesmo Max von Sydow, que acabou fazendo carreira nos Estados Unidos mas nem por isso abandonou o cinema sueco.
Vi O Silêncio pela primeira vez no cine Bijou, na Praça Roosevelt, o primeiro cinema de arte de São Paulo e que hoje já não existe mais. A delicadeza da câmera de Bergman foi a primeira coisa que me chamou a atenção, em contraposição à crueza da mesma câmera. Eu estava muito interessada na sua estética.
Havia acabado de assistir Morangos Silvestres, e esperava algo do gênero, cheio de símbolos intrigantes. Porém, o que veio foi diferente. E a simbologia que eu esperava encontrar caiu por terra. Fiquei fascinada com Ester, que mesmo tendo seguidas crises, que a levaria à morte faltamente, conseguia manter, através da sua postura física, uma dignidade que a sua irmã perdera. Assim me parecia.
Depois, muito depois, revendo-o pela segunda vez, ative-me à relação das duas irmãs, Ana e Ester, onde ondas de inveja e ciúme perpassam analogamente os fotogramas. Ficou claro que jamais haveria entre elas uma cumplicidade maior, quer pela situação física, quer pela dureza da alma. Bergman expõe, a olho nu, as precariedades da alma. de todas as almas. Que até hoje existem, em maior ou menor escala, mas que são minimizadas pela loquacidade de seus protagonistas. Porque a linguagem é a melhor forma de defesa que o ser humano possui. Essa loquacidade, desonesta e inútil, acabou levando Bergman para longe da sociedade, como ele mesmo disse em uma entrevista.
(acho que me empenho em seguir seus passos, sem a sua genialidade, claro. )
Revendo-o pela terceira vez, fixei-me no tema da morte. A iminência da partida de Ester desencadeia em Ana um desespero para ver-se livre dessa agonia, ou seja, de acompanhar Ester no seu estado terminal. Nove anos depois, em Gritos e Sussurros, volta-me a mesma sensação, quando é a empregada da família que acolhe, abraça e conversa com Agnes, que também vai morrer. E que conversa e abraça Agnes, quando esta já se foi. Não somos as melhores pessoas para nós mesmos. E Bergman aproveita para demolir o sentido religioso das falsas palavras e promessas.
Dessa revisão de O Silêncio, pontuada por experiências pessoais, ficou-me a sensação de que Bergman resvalou, não só a morte em si, mas a repulsa que a sua aproximação causa. O seu vestuário de dor afasta e exclui. E ao asco, acrescenta a iniquidade do ser humano.
Tenho muito a rever de Bergman e muito a pensar e escrever. Devo dizer que minha formação estética, deve muito a ele, e ele detestaria saber disso, porque dizia que queria exatamente o contrário em seus filmes: quebrar a espinha das pessoas. E agora eu me deparo com outro Bergman: a antítese da solidariedade, e talvez por causa disso, a sua aproximação à ela.
Não devo estar certa. Estou certa apenas quando revejo Bergman. Porque a sua obra possui todas as portas de entrada possíveis. E pretendo transpor cada uma delas. Sem dogmas.
Não devo estar certa. Estou certa apenas quando revejo Bergman. Porque a sua obra possui todas as portas de entrada possíveis. E pretendo transpor cada uma delas. Sem dogmas.
04 de junho de 2013
Mécia Rodrigues
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