"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 16 de julho de 2013

O FATOR LULA

Na medida em que a fragilidade política da presidente Dilma vai ficando evidente, a expectativa de poder do PT e de partidos aliados transfere-se preferencialmente para o ex-presidente Lula, que está calado em público, mas agindo nos bastidores, para, dizem as boas almas, fortalecer Dilma.

Os céticos veem na ação do ex-presidente manobra para garanti-lo como a alternativa de poder quando chegar o momento certo.

Até o fim do ano nada acontecerá, mesmo porque o marqueteiro João Santana já garantiu que até lá a “soberana” terá recuperado seu prestígio. Se isso não acontecer, e o PT entrar em 2014 com uma candidata sem popularidade, um governo com a economia em baixa e inflação em alta, veremos fortemente o apelo à volta de Lula às campanhas eleitorais, não só como o avalista, mas candidato a salvador do PT e da pátria.

Nos próximos dias teremos uma demonstração de como está seu ânimo. Há informações de que pressionam o ex-presidente para que antecipe um check-up, marcado para o fim de agosto, para mostrar que sua saúde está boa, ao contrário do que dizem os boatos.

Se Lula se recusar a esse tipo de exposição, os que defendem sua candidatura terão menos esperanças de tê-lo na cédula em 2014.

Para fortalecer a tese dos que dizem que Lula pretende mesmo tentar voltar ao Palácio do Planalto, há a evidente retração da atividade política do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, a quem se atribui a decisão de não se candidatar se o ex-presidente for o candidato do PT. Campos não só apoiaria Lula como poderia ser seu vice, o PSB substituindo o PMDB.

Há ainda quem considere que Lula, não desejando concorrer, tentaria convencer o PT a apoiar a candidatura de Campos à Presidência no caso de Dilma estar definitivamente enfraquecida. São especulações que rondam o mundo político enquanto cada um tenta adivinhar para onde o vento estará soprando em 2014.

O próprio Lula deve estar fazendo suas avaliações dos riscos contidos nessa empreitada para a qual está sendo pressionado pelas suas bases partidárias. O risco de perder sempre existe, especialmente diante de um governo frágil que teve Lula como avalista.

Como explicar que não deu certo? Mais ainda, como fazer uma campanha eleitoral com um governo enfraquecido politicamente, desmoralizado pela deposição simbólica da presidente, que não tem condições de tentar a reeleição?

Além do mais, como ter certeza de que vencerá uma eleição se o ambiente político continuar conturbado pela ânsia de mudanças da sociedade? Lula continua sendo visto como o salvador da pátria ou estaria entre os políticos rejeitados pela classe média urbana que está nas ruas pedindo melhores serviços públicos?

O apoio do Nordeste continuará suficiente para elegê-lo, ou o ambiente de contestação alcançará as classes populares? A inflação continuará corroendo o poder aquisitivo dos brasileiros mais pobres, fazendo com que o prestígio do PT decaia? Como revelou pesquisa feita em São Paulo, o partido governista perdeu grande parte do apoio que tinha mesmo no chamado cinturão vermelho, onde predominam seus eleitores.

A recente tentativa de demonstração de força das centrais sindicais mostra que elas, embora capazes até mesmo de parar grandes cidades, já não arrebatam as multidões. A lei sancionada por Lula em 2008 reconhecendo as centrais nos fez retornar aos tempos do Estado Novo getulista, ressuscitando o papel do Estado como indutor da organização sindical.

O Lula líder sindicalista defendia o fim da Era Vargas, classificava a CLT de “AI-5 dos trabalhadores” e dizia que, se Vargas foi o "pai dos pobres", era também “a mãe dos ricos”. Hoje, a CLT e a unicidade sindical (só um sindicato por categoria em cada município) persistem, e o sindicato continua atrelado ao Estado. A “legalização” das centrais ficou conhecida como “pelegalização”.

A cooptação pela fisiologia das entidades de classe, como os sindicatos, a UNE, ONGs de diversas correntes, foi uma política eficiente para neutralizar manifestações populares oposicionistas, mas retirou dessas entidades a credibilidade da representação.

A sociedade brasileira que está nas ruas nos últimos meses é a mesma que deu a Lula um recorde de apoio popular, ou os parâmetros mudaram?A mudez de Lula é eloquente, mas os políticos o têm como a salvação de um projeto de poder.

16 de julho de 2013
Merval Pereira, O Globo

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