Desde que a insatisfação foi às ruas para informar aos donos da verdade que o futuro não é mais o que era, a sucessão presidencial de 2014 tornou-se uma disputa sem roteiro. O PT, que vivia a realidade do videoclipe acima, perdeu o enredo. E os antagonistas ainda não acharam outro para colocar no lugar. Há 25 dias, se alguém dissesse que a conjuntura evoluiria para isso, passaria por maluco.
Tudo aconteceu muito rapidamente, em ritmo de truque cinematográfico. Começou em 13 de junho de 2013. Nesse dia, enquanto o asfalto fervia em São Paulo, Lula e Dilma Rousseff estavam em Curitiba. Participavam de mais um daqueles seminários organizados pelo PT para festejar seus dez anos no poder. Falavam de uma felicidade que se revelaria ficcional.
A certa altura, Lula usou a popularidade de Dilma como mote para divertir a plateia de militantes. “Se não tomar cuidado, a baixinha vai passar dos 100%. E não pode, só pode até 100”. Dali a 15 dias, o Datafolha informaria que a taxa de aprovação de Dilma seguia noutra direção, despencando 27 pontos –de 57% para 30%. Medida em intenções de voto, a “baixinha” foi lopoaspirada de 51% para 30%.
Dissolvidas todas as suas certezas, o PT agora queima os miolos para retirar das cinzas um discurso novo. O partido começa a se dar conta de que, quem ele era há três semanas, não estava preparado para o sucesso absoluto. O mensalão já havia aniquilado o que parecia ser a maior virtude da legenda: a presunção da superioridade moral.
As ruas informam que a corrupção dos meios não assegurou os fins.
A oposição agora já se opõe. Mas comete um erro capital: gasta 100% do seu tempo falando mal de Dilma e Cia... Para entrar no jogo, gente como Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) precisa levar à mesa pelo menos 300 gramas de ideias.
Um jovem manifestante pode gritar na rua que o que está aí não presta. Um político oposicionista tem a obrigação de dizer o que oferece para colocar no lugar.
É contra esse pano de fundo que Marina Silva alcançou no último Datafolha 23% das intenções de voto. Está seis pontos à frente de Aécio (17%), o terceiro colocado. Como política não orna com vazio, Marina ocupa o espaço. Se facilitarem, ela pode dar trabalho.
O debate sobre reforma política deu a Brasília uma aparência de parafuso espanado. A Capital roda a esmo. A rapaziada grita “saúde” e “educação”. E ouve “plebiscito” como resposta. Para tirar 2014 do buraco, a política teria de produzir um milagre. O diabo é que lhe falta matéria prima.
A saída exigiria, em primeiro lugar, um plano de ação patriótico. A partir daí, bastaria obter o apoio generoso do empresariado, a cooperação desinteressada dos partidos políticos, a prisão dos corruptos conhecidos e dos não tão conhecidos, além da demonstração de que o povo se dispõe a esperar mais uma década para que os resultados comecem a aparecer. Tudo muito simples, como se vê.
- Serviço: aqui, um vídeo com o discurso de Lula no seminário petista de 13 de junho, em Curitiba. Tem 26min55s de duração. Vale o desperdício de um pedaço domingo.
Quem assiste à peça verifica como é cruel o destino. Nesse dia, a grande preocupação do ex-soberano era a imprensa, “a verdadeira oposição nesse país.”
Pediu: “Parem de contar mentira, porque esse povo já aprendeu a pensar com a sua própria cabeça, de forma independente. Esse povo não se deixa mais enganar como antigamente… Esse povo tem outros instrumentos de comunicação para ter acesso a informação.”
Nada mais premonitório.
07 de julho de 2013
Josias de Souza - Folha de São Paulo
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