A reforma política volta, mais uma vez, ao centro do palco, desta feita sob o clamor da maior movimentação social da história brasileira. Se é a “mãe de todas as reformas”, como se tem argumentado, é razoável imaginar que a sua construção constitui uma alavanca para o progresso da vida institucional e, por consequência, para a melhoria do bem-estar da coletividade.
Nesse caso, a reforma de padrões políticos se insere no conjunto das prementes demandas nacionais, ao lado dos programas para fechar os buracos nas áreas da saúde, educação, mobilidade urbana e segurança pública.
Pode-se, até, atribuir à presidente da República o uso de um escudo maquiavélico, sob o qual se protege contra o bombardeio que, nas últimas semanas, atinge, indistintamente, governantes e atores de todos os naipes.
Há quem tenha visto oportunismo na atitude da mandatária de sugerir ao Congresso a adoção de um plebiscito para consultar o povo sobre reforma política. O fato é que a questão foi posta e a locomotiva reformista começa a se movimentar.
Quanto à polêmica aberta pela divergência sobre os meios para fazê-la – plebiscito ou referendo – a régua do bom senso aconselha medir o tamanho da encomenda e verificar se as formas sugeridas atendem ao espírito do nosso tempo, ao calendário e às disposições constitucionais.
O ajuste fino se faz necessário para evitar a montagem de um corpo franksteiniano, que, ao invés de contribuir para enterrar práticas antiquadas, poderia ensejar a continuidade de mazelas.
A primeira condição que se impõe é vontade política. Sob a batuta de clara disposição, os músicos ajustam seus instrumentos e conseguem levar adiante a partitura, mesmo que, no meio da afinação, possa haver partes fora do tom.
Aliados da base governista e partidos oposicionistas se opõem à sugestão de realização de plebiscito. É evidente que os 70 dias estipulados pelo Tribunal Superior Eleitoral e a agenda congressual inviabilizam o uso desse instrumento.
Mais razoável é defender uma proposta para valer em 2016. Afinal de contas, o assunto está posto na mesa política há duas décadas, merecendo, agora, um projeto bem acabado e condizente com a nova ordem que se firma no país.
Há pontos que podem ser aprovados pelo Congresso sem necessidade de plebiscito ou referendo, principalmente os anacrônicos, geradores de desvios, como coligações em eleições proporcionais. O fim do voto secreto, que acaba de ser aprovado pela CCJ do Senado, aponta também nessa direção.
Que aspectos devem balizar mudanças na forma de fazer política? Pelo menos, aqueles que contemplam as metas: fortalecer os partidos; aproximar os representantes dos eleitores; depurar as campanhas eleitorais da corrupção e motivar a participação das bases. Livrar os partidos da marca “geléia geral” é conferir a eles uma identidade, elementos de diferenciação.
Na moldura contemporânea, os mecanismos políticos clássicos – ideologias, partidos, parlamentos, oposições, participantes– tornaram-se menos contrastados, fato que aproxima os atores políticos no arco ideológico.
Se a maioria dos entes se posiciona na esfera da social-democracia, cujo escopo se volta para o estado de bem-estar social, resta-lhes agregar elementos de distinção, a partir do compromisso com temáticas de vulto, em defesa de minorias étnicas e sociais, gêneros, classes, setores, ativismo sexual, ou nas frentes das políticas de desenvolvimento econômico, social, cultural e político.
Evitariam, assim, entrar no rolo dos “catch-all parties” (“agarrar tudo que podem”), designação dada pelo constitucionalista alemão, Otto Kirchheimer, para caracterizar o ciclo do “poder pelo poder”.
A crise da democracia representativa abriu grande distância entre a representação e as bases. Veja-se a situação nacional. O descrédito nos políticos atinge os píncaros. As manifestações que se multiplicam pelo território expressam tal sentimento.
São poucos os eleitores que recordam os nomes de parlamentares que receberam seu voto, ficando evidente a necessidade de serem resgatados os vínculos entre representante e representado. Para tanto, o voto distrital – aos candidatos identificados com a região do eleitor – é o instrumento adequado.
Mudança radical na maneira de votar gera embaraços ao eleitor? Que se implante, então, o sistema misto, pelo qual metade das vagas seria preenchida pela regra proporcional e a outra pelo modelo distrital. O eleitor votaria duas vezes, na lista proporcional (fechada) e no candidato do distrito. A depuração das campanhas poderia começar pela proibição das doações de recursos de empresas e adoção do financiamento público.
Mas, e os controles? Alguém acredita ser possível evitar a entrada do bolso privado no domínio público?
Espinhosa será a tarefa de explicar a injeção de dinheiro do Estado nos cofres das campanhas, quando o caos dos serviços públicos está a exigir absoluta prioridade (e recursos). Já a motivação das bases obedece a um longo processo de educação política, que pode se iniciar com a adoção do voto facultativo, no entendimento de que o sufrágio universal é um direito, não um dever.
O verbo indignado está nas ruas. A massa tende a associar signos, símbolos e perfis que representam o poder com os dissabores da vida cotidiana. Na moldura, cabem Executivos, Congresso, representantes, juízes corruptos, empresários flagrados na maré de corrupção.
Urge, porém, separar a expressão passional da locução racional. Fazer política sem as instituições é cair na escuridão das ditaduras. A imagem é tosca, mas lembra o momento.
No Coliseu romano, gladiadores se engalfinhavam em lutas ferozes. Ao final, os berros: Viva! Morra! O imperador ouvia o clamor da turba para levantar ou baixar o polegar, permitindo ao perdedor viver ou consentindo ao vencedor a última estocada. Que os atores políticos e a nossa presidente consigam levantar, logo, logo, o polegar das multidões. Precisam de um Viva para evitar o caos.
07 de julho de 2013
Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação.
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