Depois da denúncia feita pelo Correio Braziliense de superfaturamento das passagens aéreas vendidas para o governo, veio a reação. O Executivo vai criar central de compras para dispensar agências de turismo e, assim, evitar fraudes. A fim de atingir o objetivo, o Ministério do Planejamento contratou o Serpro para desenvolver o sistema que permitirá a aquisição de bilhetes aéreos sem intermediários.
Em vez de alívio, a resposta trouxe preocupação. Teme-se a reprise de velha e desalentadora novela. Mudam os personagens, muda o espaço, muda o tempo. Mas o enredo se mantém. A imprensa divulga ralo por onde escoam recursos do erário. O governo, apesar de dispor de órgãos de informação e controle, se diz “surpreendido”. Responde não com medida eficaz, apta a estancar a hemorragia. Mas com o velho jogo do faz de conta.
Conhecida desde o Império, a prática deu origem à expressão “para inglês ver”, que sobrevive com vitalidade renovada. A longevidade — vale lembrar — não se deve ao acaso. Deve-se ao dinamismo crescente com que palavras, gestos e obras de fachada ganham espaço nos tentáculos do poder.
Temas como violência, drogas e trânsito se tornam prioridade sempre que acontecimento fora da rotina mobiliza os cidadãos. No calor da emoção, criam-se comissões, convocam-se ministros, aciona-se o Congresso. Discursos, num toque de mágica, viram solução. Ganham espaço na imprensa, merecem comentários de especialistas e, não raro, editoriais de respeitados jornais.
Passada a comoção, fica o dito pelo não dito. Cumpre-se, então, o conselho do conde de Lampedusa. É preciso mudar pra ficar tudo na mesma. É preocupante. Espera-se que a mais recente investida governamental fuja do script. Não há necessidade de inchar a administração com mais um órgão para comprar passagens. O Executivo precisa enxugar a máquina com urgência a fim de dispor de recursos para investimentos que não podem ser adiados.A infraestrutura é um dos setores cujo atraso emperra o desenvolvimento nacional. Escoar a produção tornou-se um dos calcanhares de aquiles do país. Portos, aeroportos, estradas, vias férreas não respondem às necessidades dos empresários e da população em geral. Não só. A desqualificação da mão de obra rouba a competitividade das nossas mercadorias.
O trabalhador brasileiro gasta mais horas que os principais concorrentes para fazer uma mercadoria que, com frequência, peca pela qualidade. É importante, por isso, fechar os ralos do desperdício para aplicar em setores por que o país clama. Impõe-se, porém, mudar o enredo tantas vezes reprisado: tapar um furo para abrir uma comporta.
Correio Braziliense
06 de agosto de 2013
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