O Papa Francisco, na recente Jornada Mundial da Juventude, conseguiu, com generalizado reconhecimento, entender os mal-estares da sociedade contemporânea e oferecer, senão um remédio, ao menos um horizonte de esperanças, fundado nos esquecidos valores da simplicidade, tolerância e solidariedade.
Contrasta com essa atitude, a reação das autoridades brasileiras às manifestações de rua, marcadas por soberba, improvisação e incompetência, com destaque para o grotesco plebiscito para reforma política e o insubsistente programa “Mais Médicos”.
Ao mesmo tempo em que são liberados R$ 8 bilhões de emendas pouco virtuosas para “acalmar” os congressistas, as Forças Armadas são obrigadas a cortar um dia de trabalho por semana para economizar alimentação.
A política econômica naufraga e junto com ela fica cada vez mais evidente a ausência, dentre outras, de políticas públicas que consigam lidar com o acelerado fenômeno da urbanização das últimas décadas.
Continuamos prisioneiros de uma agenda que conferia prioridade à reforma agrária e não cuidamos de enfrentar os problemas de transporte público, saneamento, segurança, educação e saúde, típicos dos aglomerados urbanos.
Os programas de assentamento rural, como concebidos, se tornaram completamente obsoletos pelas mudanças que a tecnologia, as novas formas de gestão e a globalização impuseram à realidade dos campos.
Não se conhece um assentamento sequer que possa ser apresentado como paradigma. Ao contrário, eles, em sua maioria, são verdadeiras favelas rurais, sem futuro e sem dignidade social.
Há muito tempo, em boa parte das grandes cidades do mundo, transporte público é questão razoavelmente bem equacionada. No Brasil, somente nos anos 1970 é que demos início à construção e à operação das primeiras linhas de metrô. Desde então, a implantação desses sistemas segue um ritmo impressionantemente lento.
Nos últimos anos, optamos por estimular, com crédito e incentivos fiscais, a aquisição de automóveis, gerando uma frota notoriamente incompatível com a estrutura viária urbana.
Sequestros (relâmpagos ou não), tráfico de drogas e armas, vandalismo (pichações, invasões de imóveis públicos e particulares, quebra-quebras) e todos os tipos de assalto converteram-se em rotina. Alguém se sente, realmente, seguro aqui?
A falência da segurança pública não decorre da fragilidade da lei penal, mas de uma combinação complexa de impunidade, sistema prisional ultrajante e formador de marginais, polícia despreparada para enfrentar a marginalidade ou as manifestações de rua, e, sobretudo, desatenção com as desigualdades sociais.
A chamada pacificação das favelas no Rio de Janeiro eliminou a ostensiva presença de marginais armados a comandar comunidades. Isso, entretanto, é muito pouco. O tráfico continua o mesmo, conquanto mais discreto, e os bandidos permanecem à solta.
Segundo o General De Gaulle, citado por André Malraux (“Quando os robles se abatem”), Napoleão julgava que tinha vencido a batalha de Borodino, porque os russos tinham abandonado o terreno. Quando constatou, entretanto, que suas tropas não haviam feito nenhum prisioneiro, percebeu que travara uma falsa batalha e obtivera uma falsa vitória.
Os programas de saneamento jamais fizeram a alegria dos governantes, pois supostamente são invisíveis aos olhos dos eleitores. Esse desinteresse explica doenças que decorrem tão somente da falta de higiene e desastres naturais que se repetem lamentavelmente todos os anos.
Ainda que seja indispensável assegurar o acesso à escola, esse esforço terá sido inútil se inexistir ensino de qualidade.
Mais que alocação de novos recursos, a educação precisa de uma revolução, abrangendo gestão, qualificação de professores e uma nova grade curricular.
Não está na hora de repensar-se o sistema brasileiro de saúde pública? Tal como é hoje não satisfaz nem à população, nem aos próprios agentes de saúde.
O País está sem rumo. É indispensável construir um projeto nacional das cidades, liderado pela União, no contexto de um novo federalismo fiscal.
Já o combate à corrupção e ao desperdício de recursos públicos, como se costumava dizer, são outros quinhentos. Se as autoridades governamentais permanecerem inertes, as ruas continuarão a gritar.
01 de agosto de 2013
Everardo Maciel é ex-secretário da Receita Federal. Escreva aqui quinzenalmente.
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