Ao visitar o Brasil, o papa Francisco falou sobre diversos temas. Dado o estado desalentador da política no País, interessei-me particularmente por suas palavras sobre o assunto. Foram polidas, à sua maneira e para não ser descortês com autoridades locais, algumas delas presentes no eventos, mas distantes dos objetivos e caminhos que ele pregava.
Mas Francisco não deixou de dar os seus recados sobre o tema, como no sábado, no Teatro Municipal do Rio, onde estavam alguns políticos. Lia um texto, mas improvisou para acrescentar: “O futuro exige hoje reabilitar a política, uma das formas mais altas de caridade. O sentido ético é um desafio sem precedentes”.
E após a apresentação na Via-Crúcis no dia anterior, afirmou: “Jesus se une a tantos jovens que perderam a confiança nas instituições políticas”. Também atacou a corrupção na política, como ao visitar a comunidade de Varginha, na quinta-feira, quando pediu aos jovens que não se desiludissem “com notícias que falam de corrupção, com pessoas que, em vez de buscar o bem comum, procuram o seu próprio benefício”. É o figurino de muitos políticos brasileiros.
Sobre a política encontrei na internet uma recente fala papal mais explícita nas suas críticas, que também alcançaram os cristãos. Está em www.youtube.com/watch?v=-F5MwyYWKvQ. Foi em Roma, para uma plateia principalmente de jovens, no início do mês passado.
Na ocasião deixou de lado um discurso de cinco páginas, que chamou de “aborrecidas”, segundo a tradução que consta nas legendas do vídeo. E logo se dispôs a responder a questões da audiência.
Um participante, de grupo ligado a escolas jesuítas, pediu-lhe algumas palavras sobre “(...) como nosso compromisso, nosso trabalho hoje na Itália e no mundo, pode ser jesuítico e evangélico”. A resposta: “Envolver-se na política é uma obrigação para um cristão. Nós, cristãos, não podemos nos fazer de Pilatos e lavar as mãos. Temos que nos meter na política, porque a política é uma das formas mais altas de caridade, porque busca o bem comum. Os leigos cristãos devem trabalhar na política”.
Note-se que ele enfatizou a política como a busca do bem comum, o que repetiu aqui, na comunidade de Varginha, conforme assinalei acima. E não ficou apenas na crítica da política na sua prática, e de maneira mais forte, como mostrarei mais adiante. Recomendou que os cristãos participem dela dentro dessa visão centrada no bem comum.
Voltando à fala em Roma, veio a frase que intitula este artigo, traduzida na legenda como “a política está muito suja”. E continuou: “Mas, eu pergunto, está suja por quê? Por que os cristãos não se meteram nela com espírito evangélico? É a pergunta que eu faço. É fácil dizer que a culpa é dos outros. Mas eu, o que faço? Isto é um dever. Trabalhar para o bem comum é um dever do cristão”.
Não domino o italiano. Mas ao ouvir “sporcata” pareceu-me que o termo tinha um quê de porcaria e consultei um dicionário italiano-português. Em face do que encontrei, parece-me que a tradução da legenda usou a versão mais suave do termo original.
No dicionário consta “porcata”, um substantivo significando sacanagem, patifaria, safadeza, porcaria, porcalhada, obscenidade, bandalheira, coisa mal feita, droga. Há também o adjetivo “sporco”, que significa sujo, imundo, porco, porcalhão, imoral, obsceno e outros termos na mesma linha.
Uma tradução mais adequada ao Brasil seria imunda ou emporcalhada, ou outros termos mais contundentes, ou mesmo todos os citados. Sujo é pouco para o que se vê na política, e não só aqui, no Brasil. Sendo argentino e conhecedor da Itália, ele sabe o que falava.
Na Itália, aliás, na sexta-feira vi pela internet que foram presas aproximadamente cem pessoas em ação contra diferentes organizações da Máfia, numa operação que envolveu centenas de policiais. Entre os presos, a maioria na região da Calábria, havia um senador, Piero Aiello, membro do partido conservador do ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi, um “sporco” de destaque.
No contexto brasileiro, o que Francisco disse em Roma sobre a política reforça a crença na infalibilidade papal. Há as honrosas exceções, mas cada vez mais excepcionais. E vale também sua observação quanto à omissão dos cristãos, e que não é apenas deles. É dos cidadãos em geral.
Recentemente o País acordou dessa omissão e vieram as manifestações de junho, quando a reivindicação de menores ou nulas tarifas de ônibus levou a protestos de caráter político mais amplo, como contra a corrupção e a má gestão de recursos e serviços públicos em geral. Surpresos, políticos reagiram defensivamente, reduzindo essas tarifas e prometendo responder à voz das ruas.
Mas a “porcata” também se evidenciou, como na cúpula do Congresso, com o mau exemplo de viagens dos presidentes de suas duas Casas em aviões públicos postos à disposição de interesses privados. E num jantar oferecido pelo presidente da Câmara, por conta da Casa, para companheiros de partido, a R$ 350 por cabeça.
Não sei se por causa das férias escolares, ou qual outro motivo, as manifestações de rua com conteúdo político refluíram bastante em julho, em número e densidade. Na sexta-feira em São Paulo, na Avenida Paulista, o destaque ficou para os vândalos. É preciso que sejam retomadas, e também reforçada a prevenção e a atuação contra o vandalismo. Ontem ele se repetiu em nova manifestação, mas desta vez a polícia foi mais atuante.
Sou economista e tendo a enfatizar questões econômicas, Mas os nós que prendem o Brasil ao atraso estão mais na política do que na economia. Vejo a expressão “política econômica” nesta ordem: a política em primeiro lugar, mas no Brasil ela prejudica muito a economia, pois é muito, muitíssimo “sporcata”.
01 de agosto de 2013
Roberto Macedo, O Estado de São Paulo
Mas Francisco não deixou de dar os seus recados sobre o tema, como no sábado, no Teatro Municipal do Rio, onde estavam alguns políticos. Lia um texto, mas improvisou para acrescentar: “O futuro exige hoje reabilitar a política, uma das formas mais altas de caridade. O sentido ético é um desafio sem precedentes”.
E após a apresentação na Via-Crúcis no dia anterior, afirmou: “Jesus se une a tantos jovens que perderam a confiança nas instituições políticas”. Também atacou a corrupção na política, como ao visitar a comunidade de Varginha, na quinta-feira, quando pediu aos jovens que não se desiludissem “com notícias que falam de corrupção, com pessoas que, em vez de buscar o bem comum, procuram o seu próprio benefício”. É o figurino de muitos políticos brasileiros.
Sobre a política encontrei na internet uma recente fala papal mais explícita nas suas críticas, que também alcançaram os cristãos. Está em www.youtube.com/watch?v=-F5MwyYWKvQ. Foi em Roma, para uma plateia principalmente de jovens, no início do mês passado.
Na ocasião deixou de lado um discurso de cinco páginas, que chamou de “aborrecidas”, segundo a tradução que consta nas legendas do vídeo. E logo se dispôs a responder a questões da audiência.
Um participante, de grupo ligado a escolas jesuítas, pediu-lhe algumas palavras sobre “(...) como nosso compromisso, nosso trabalho hoje na Itália e no mundo, pode ser jesuítico e evangélico”. A resposta: “Envolver-se na política é uma obrigação para um cristão. Nós, cristãos, não podemos nos fazer de Pilatos e lavar as mãos. Temos que nos meter na política, porque a política é uma das formas mais altas de caridade, porque busca o bem comum. Os leigos cristãos devem trabalhar na política”.
Note-se que ele enfatizou a política como a busca do bem comum, o que repetiu aqui, na comunidade de Varginha, conforme assinalei acima. E não ficou apenas na crítica da política na sua prática, e de maneira mais forte, como mostrarei mais adiante. Recomendou que os cristãos participem dela dentro dessa visão centrada no bem comum.
Voltando à fala em Roma, veio a frase que intitula este artigo, traduzida na legenda como “a política está muito suja”. E continuou: “Mas, eu pergunto, está suja por quê? Por que os cristãos não se meteram nela com espírito evangélico? É a pergunta que eu faço. É fácil dizer que a culpa é dos outros. Mas eu, o que faço? Isto é um dever. Trabalhar para o bem comum é um dever do cristão”.
Não domino o italiano. Mas ao ouvir “sporcata” pareceu-me que o termo tinha um quê de porcaria e consultei um dicionário italiano-português. Em face do que encontrei, parece-me que a tradução da legenda usou a versão mais suave do termo original.
No dicionário consta “porcata”, um substantivo significando sacanagem, patifaria, safadeza, porcaria, porcalhada, obscenidade, bandalheira, coisa mal feita, droga. Há também o adjetivo “sporco”, que significa sujo, imundo, porco, porcalhão, imoral, obsceno e outros termos na mesma linha.
Uma tradução mais adequada ao Brasil seria imunda ou emporcalhada, ou outros termos mais contundentes, ou mesmo todos os citados. Sujo é pouco para o que se vê na política, e não só aqui, no Brasil. Sendo argentino e conhecedor da Itália, ele sabe o que falava.
Na Itália, aliás, na sexta-feira vi pela internet que foram presas aproximadamente cem pessoas em ação contra diferentes organizações da Máfia, numa operação que envolveu centenas de policiais. Entre os presos, a maioria na região da Calábria, havia um senador, Piero Aiello, membro do partido conservador do ex-primeiro ministro Silvio Berlusconi, um “sporco” de destaque.
No contexto brasileiro, o que Francisco disse em Roma sobre a política reforça a crença na infalibilidade papal. Há as honrosas exceções, mas cada vez mais excepcionais. E vale também sua observação quanto à omissão dos cristãos, e que não é apenas deles. É dos cidadãos em geral.
Recentemente o País acordou dessa omissão e vieram as manifestações de junho, quando a reivindicação de menores ou nulas tarifas de ônibus levou a protestos de caráter político mais amplo, como contra a corrupção e a má gestão de recursos e serviços públicos em geral. Surpresos, políticos reagiram defensivamente, reduzindo essas tarifas e prometendo responder à voz das ruas.
Mas a “porcata” também se evidenciou, como na cúpula do Congresso, com o mau exemplo de viagens dos presidentes de suas duas Casas em aviões públicos postos à disposição de interesses privados. E num jantar oferecido pelo presidente da Câmara, por conta da Casa, para companheiros de partido, a R$ 350 por cabeça.
Não sei se por causa das férias escolares, ou qual outro motivo, as manifestações de rua com conteúdo político refluíram bastante em julho, em número e densidade. Na sexta-feira em São Paulo, na Avenida Paulista, o destaque ficou para os vândalos. É preciso que sejam retomadas, e também reforçada a prevenção e a atuação contra o vandalismo. Ontem ele se repetiu em nova manifestação, mas desta vez a polícia foi mais atuante.
Sou economista e tendo a enfatizar questões econômicas, Mas os nós que prendem o Brasil ao atraso estão mais na política do que na economia. Vejo a expressão “política econômica” nesta ordem: a política em primeiro lugar, mas no Brasil ela prejudica muito a economia, pois é muito, muitíssimo “sporcata”.
01 de agosto de 2013
Roberto Macedo, O Estado de São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário