"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 2 de abril de 2012

AS PAREDES NUAS, SEM CRUCIFIXOS, NO TRIBUNAL GAÚCHO

Não é demais voltar ao assunto quando não passa um dia sem que a mídia abra espaços para a decisão do Conselho de Magistratura do TJ/RS. Viva! Mais uma façanha do Rio Grande. Noutra despachamos a Ford. Nesta, os crucifixos, enxotados e empacotados.

Há uma peculiaridade passando batida nessa história. Quem é, mesmo, que quer a remoção? Até hoje, não vi, entre as manifestações de apoio à determinação, uma única que tenha sido emitida por qualquer das centenas de confissões religiosas em consideração às quais se diz que foi decretada.

Embora o relator do processo tenha escrito que o cidadão judeu, o muçulmano, o ateu, ou seja, o não cristão, tem o mesmo direito constitucionalmente assegurado de não se sentir discriminado pela ostentação de símbolo expressivo de outra religião em local público, ninguém, de crença alguma, se manifestou, mesmo que fosse para um simples e protocolar “muito obrigado”. Por quê? Por que lhes ficou inequívoco terem sido usados para intenções que também lhes são hostis!

As próprias entidades que requereram a retirada dos crucifixos articulam-se em torno de comportamentos sexuais e não sobre religião ou religiões. Nesse mesmo viés, se observamos com acuidade iniciativas análogas, será forçoso perceber que tampouco provêm de crentes ou ateus num sentido genérico, mas de pequena parcela destes últimos – os ateus militantes.

Suas manifestações, sistematicamente, se voltam contra o que os símbolos representam, ou seja, as religiões, cuja influência na sociedade anseiam por eliminar. Mostram, especialmente em relação ao cristianismo, animosidade e um conhecimento de panfleto. Sempre mencionam Cruzadas, Inquisição e Galileu, mas parecem incapazes de escrever meia página séria sobre esses temas pois tudo que repetem, vida afora, foi o que ouviram por aí, servido como nutrição ideológica.

Desculpem-me o sarcasmo, mas passei os últimos dias lendo tais tolices aportadas anacronicamente como se fossem argumentos para justificar a retirada dos crucifixos! Pior do que desconhecer pelo não uso da inteligência é conhecer raivosamente pelo uso do fígado. Corre-se o risco de passar por cima do tesouro e ir catar lixo logo adiante.

Esse exótico discernimento, assumido nos poderes de Estado, resulta danoso à identidade nacional, ofensivo à história do Brasil, depreciativo ao que há de melhor na civilização ocidental e agressivo a um bem do espírito e da cultura considerado precioso pela imensa maioria do povo deste país! Mas a história ensina: é preciso gerar descrédito ao que merece respeito para, depois, exigir respeito ao que não merece.

Quando os constituintes de 1988 promulgaram nossa Constituição declarando que o faziam “sob a proteção de Deus” estavam querendo dizer que a essência dos preceitos esculpidos na nossa lei maior e a ordem jurídica de convivência a que ela nos submete não decorrem de uma ideologia ou da mera vontade humana, não foram achados na rua ou numa mesa de bar, mas provêm de uma lei natural, transcendente e superior. Com efeito, do Estado recebemos a cidadania, mas não é dele que nos vêm a dignidade humana nem os correspondentes direitos.

Ora, o ateísmo militante não tolera isso. Deseja manipular a natureza humana a seu bel-prazer e a sociedade inteira através da política. O Estado, como o concebem, não pode conviver com juízos morais divergentes.

Por isso, reitero: a remoção dos crucifixos é muito menos um ato jurídico e muito mais um ato político que contradiz nossa história e tradição. Paredes nuas não têm passado nem memória. Assemelham-se a santuários do nada.

02 de abril de 2012
Percival Puggina

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