"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



segunda-feira, 2 de abril de 2012

HUMOR INTRIGANTE DE MILLÔR

Humorista e escritor morreu no dia 28 de março, aos 88 anos
Millôr, na verdade, deveria ter sido Milton. O nome desejado pela mãe e o pai foi escrito errado na certidão de nascimento: onde deveria estar Milton, lia-se “Millôr” (o corte da letra “t” confundia-se com um acento circunflexo, e o “n” com um “r”). Décadas mais tarde, lançou um livro inteiro apenas com variações visuais em torno de sua assinatura. O livro, claro, era uma forma de questionar sua própria trajetória pela condição do próprio nome. Afinal, o que há num nome? Millôr teria sido um artista completamente diferente não fosse o erro do escrivão?

Talvez um convencional “Milton Fernandes” não tivesse o senso de humor perplexo de um nome estranho como Millôr, aquele crítico mordaz, ao mesmo tempo, incisivo e intrigante, que a gente nunca sabia se atirava para a direita ou para esquerda. Mesmo em épocas de simplismos ideológicos, nas quais cada um brigava em seu campo, o independente Millôr nunca se deixou levar por proselitismos – enquanto um Milton talvez não tivesse resistido à tentação.

Na verdade, em vez de tomar partidos, Millôr sabia das dificuldades em exercer a liberdade individual num mundo onde todos vivem como cães adestrados, que se matam sem razão por slogans ilusórios. “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”, dizia um de seus aforismos mais famosos. No fundo, somos todos impotentes diante de nossas prisões. A única forma de libertação se dá pelo absurdo do humor, a capacidade do ser humano em brincar com sua própria condição.

“Sempre vivi, continuo vivendo, e espero viver sempre sob ditadura com suas várias grifes. É muito divertido”, disse ele certa vez.

Millôr, no entanto, não era o que se podia chamar de niilista, amargurado ou descrente (“Acreditar que não acreditamos em nada é crer na crença do descrer”, dizia outro famoso aforismo). Sua crença era no humor, mas não qualquer humor – um humor movediço, cheio de curvas, escorregadio como um peixe que sempre escapa de nossas mãos. Um humor “Millôr”. Bendito escrivão!

02 de abril de 2012
opinião e notícia

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