"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 19 de maio de 2012

ANÁLISE: DESINTEGRAÇÃO DA FAMÍLIA NO CENTRO DA CRISE DE ENVELHECIMENTO


A desintegração da família é a causa ou a cura para a crise global do declínio populacional? Dois recentes artigos em importantes revistas de política externa levantam a questão.

“Na medida em que o abandono do casamento e a normalização do divórcio estão remodelando os compromissos de vida no Japão, o segmento dos adultos férteis casados está se reduzindo dramaticamente”, diz Nicholas Eberstadt. “E o casamento é o único caminho real para as pessoas serem pais e mães. A condição de mãe solteira permanece, por assim dizer, inconcebível por causa da humilhação permanente conferida por nascimentos fora do matrimônio. Aliás, os japoneses adotaram em massa e de modo voluntário uma vida sem filhos”. Eberstadt é um demógrafo e economista político no American Enterprise Institute. Seu artigo apareceu no volume mais recente da publicação Wilson Quarterly.

A resposta ao declínio populacional, de acordo com outro especialista, é a igualdade de gênero, imigração controlada e “aceitação de estruturas de família não tradicionais, tais como coabitação de indivíduos não casados. Afinal”, comentou Steven Philip Kramer no jornal New York Times, “os países que têm mais compromisso com a família tradicional, tais como a Alemanha, Itália e Japão, têm os índices de natalidade mais baixos. Países com elevado índice de natalidade, em contraste, geralmente têm também grande número de filhos nascidos fora do casamento”. Kramer ensina na Universidade de Defesa Nacional em Washington-DC, e suas opiniões foram também publicadas na edição mais recente da revista Foreign Affairs.

Embora as recomendações de Kramer para famílias não tradicionais tenham como foco a quantidade de filhos que nascem, outros especialistas avisam que a qualidade de vida das crianças sofre, assim como sofre a economia nacional. “Na Suécia, onde a coabitação goza aceitação generalizada e apoio legal, as famílias que coabitam são menos estáveis do que as famílias casadas”, diz um relatório do Instituto de Tendências Sociais.
Crianças que nascem para casais que coabitam tinham uma probabilidade 75% maior do que crianças que nasceram para casais casados de verem seus pais se separarem com a idade de 15, até mesmo enquanto a porcentagem de domicílios de mães solteiras na Suécia praticamente dobrou; de 11% em 1985 para 19% em 2008. Nascimentos fora do matrimônio são a “nova normalidade” em boa parte do mundo onde 40% de todas as crianças nascem sem pais casados.

“Homens que se casam e permanecem casados trabalham muito mais, de forma mais inteligente e por mais horas, e ganham entre 10 e 24 por cento mais dinheiro”, diz o relatório. “Crianças nos Estados Unidos que são criadas fora de um lar intacto e casado têm uma probabilidade de duas a três vezes maior de sofrer de problemas sociais e psicológicos, tais como delinquência, depressão e evasão do ensino secundário”.

Phillip Longman, membro de elevada posição da Fundação Nova América, é um dos autores do relatório. Longman e Eberstadt contribuíram para o livro Population Decline and the Remaking of Great Power Politics (Declínio Populacional e a Reconstrução das Políticas das Grandes Potências), que mostra por que o declínio da fertilidade está provocando instabilidade nos assuntos mundiais.

No Japão, diz Eberstadt, crianças sem irmãos podem trazer como consequência a síndrome do “pequeno imperador” que agora virou praga na China. Tão escassos são os irmãos, tias e tios que “parentes de aluguel” são agora prontamente disponíveis para noivas e noivos que não têm uma família para encher suas cerimônias de casamento. O declínio demográfico do Japão contribui para seu elevado índice de suicídio, que perde só para o da Rússia. A Rússia tem, depois do Japão, a segunda população mais velha.

Por pior do que esse quadro pareça, provavelmente vai ficar pior. Muitas crianças enfrentam o futuro de uma velhice solitária, diz Eberstadt. Uma mulher japonesa de 22 anos hoje tem uma expectativa de vida de 90 anos, mas uma chance de 25% de nunca se casar, só uma chance de 50% de ter um casamento que dure a vida inteira devido aos crescentes índices de divórcio, uma chance de 38% de terminar sem filho e uma chance melhor do que nunca de viver sua vida inteira sem nenhum neto biológico.

O que poderia ser feito para que tudo isso dê meia-volta? Eberstadt diz que um “despertamento nacional” parecido com um movimento religioso pode revigorar a procriação. “Mas nada assim já ocorreu numa sociedade aberta opulenta com níveis de fertilidade tão baixos quanto os do Japão”.

A Rússia deu o tom religioso na ONU na semana passada quando, depois de lamentar a escassez de crianças russas, disse seu delegado: “nosso objetivo é garantir as condições mais favoráveis para mais vida para eles, criar uma geração de pessoas espiritualmente desenvolvidas, bem educadas e socialmente ativas”. Os russos criticaram os relatórios do secretário-geral da ONU por sua “visão tendenciosa e unilateral” ao promover o declínio da fertilidade como “a única direção certa para a realização do desenvolvimento econômico e bem-estar social dos Estados”.

 Escrito por Susan Yoshihara
Tradução: Julio Severo
Publicado no ‘Friday Fax’ do C-FAM.

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