Ainda o Facebook. Desconfio de militantes de qualquer causa. Todo militante é proselitista. Julga-se dono da verdade. Até pode ser que seja. Mas nada temos a ver com isso. O que mais me afasta da militância, no entanto, é sua ineficácia. Serve no máximo para promover alguns líderes e nada mais. Estou falando do que conheço.
Eu também fui militante, em um breve período de minha vida. Foi em meus dias de católico. Em meus quinze anos – pasma, leitor! – eu era presidente de Congregação Mariana em Dom Pedrito. Levei meus congregados às últimas conseqüências e acabei destruindo a congregação, meu primeiro contributo ao esclarecimento das gentes. Fui expulso da cidade – expulso pela primeira vez, é bom salientar. Mas os padres foram generosos. Cortaram minha matrícula no colégio mas me encaminharam ao colégio Santa Maria, em Santa Maria. Lá, passei a militar na Ação Católica. Era um cristianismo mais arejado, mas nem por isso menos asfixiante.
Transformar o homem e o mundo – este era o menor de nossos propósitos. Nos reuníamos em congressos com jovens de todo o país e aquele número de militantes, vindos de todos os quadrantes, nos dava uma sensação de poder e um gostinho de vitória. Cristo tinha reunido doze? Pois bem, nós reuníamos muito mais. Tínhamos certeza absoluta de que conseguiríamos levar os homens ao bom caminho e voltávamos em fogo para nossos municípios. Eu era bom orador e conseguia comover as massas. Em um desses encontros, uma freirinha em lágrimas me abraçou e disse: “Cem homens como você e nós transformamos o mundo”. Havia bem mais de cem e não transformamos coisa alguma.
À medida que nos aproximávamos de nossas cidades, o entusiasmo mermava. Aquela alta tensão espiritual que havíamos vivido por uma semana se esvaía como água entre os dedos. Longe dos nossos, nos sentíamos isolados e impotentes. Alguns optaram pela luta armada. Deu no que deu. Foi aí então que joguei ao lixo essa idéia perversa que até hoje contamina a humanidade, a idéia de Deus. Me senti livre e dono de meu destino. Militância nunca mais!
Na época, fui abordado pelos marxistas, que generosamente se propunham a acolher aquela pobre alminha desprovida de fé. Eles também eram religiosos a seu modo. Assim como acreditávamos em Deus e na parusia, eles acreditavam na História e no Estado comunista. Como nós, católicos, eram também arrogantes. Olhavam com discreta piedade os que não participavam de sua ideologia: esse coitado não entendeu o mundo.
O que nos dava certeza da vitória era a universalidade do movimento. Tanto cristãos como comunistas, sabíamos que em toda aldeia do Ocidente havia alguém lutando pela Causa. Saber-se partícipe de uma luta universal gera a certeza dos fanáticos. No Brasil, as pequenas cidades podiam não ter uma guarnição militar. Mas lá estavam, onipresentes, a Igreja e uma célula comunista. O eterno combate entre Don Camilo e o camarada Peppone. Mais tarde o pároco de aldeia e o alcaide juntariam forças, mas isto já é outro assunto.
Naqueles dias, um pouco antes de perder definitivamente a fé, militei na Juventude Estudantil Católica (JEC) e Juventude Universitária Católica (JUC). Os religiosos que nos orientavam eram homens abertos, mas o conflito sexual persistia. Em Santa Maria, eu apertava o padre Carlos Pretto contra a parede: "Se mulher é tão bom, por que é proibido?" Pretto armava uma longa história, de final curto e grosso. Que não devíamos ter relações com uma mulher por amor a ela. “Eu estudei em Roma – dizia Pretto – no meio daquelas gringas boazudas. Eu me perguntava porque não podia ir para a cama com elas. Examinei criticamente a Bíblia e concluí que não podia fazer isso pelo amor que devia a elas”.
Nada mais fácil para um crente do que inverter uma evidência. Eu também havia lido a Bíblia e, fora as neuroses de Paulo, não via nada demais no exercício da sexualidade. Mas o Paulo era o Paulo. Eu era o Cristaldo. De minha parte, era por amá-las que as queria na cama.
Mas Pretto não era de ferro. As militantes de JEC e JUC, secundaristas e universitárias cheias de charme e desejo, fizeram um excelente trabalho de sapa. Mais adiante Pretto já ousava heresias desde "mulher e religião não se discute, se abraça" a outras do tipo "se batina fosse bronze, que badaladas!" Os sacerdotes que desceram do púlpito para falar conosco – e foram vários – sempre condenando a sexualidade, acabaram largando a batina, casando e fazendo filhos. Foi nossa revanche a longo prazo.
Um sexualidade exigente e incontrolável foi, sem dúvida alguma, o que me libertou do obscurantismo. Houve também os questionamentos de ordem intelectual, mas estes foram secundários. E é o sexo que tem afastado milhares de sacerdotes da Igreja Católica. Em Santa Maria terminaram meus dias de militância. Ateu, decidi tratar de meu jardim.
Ora – perguntareis – então porque escreves? Boa pergunta. Escrevo por necessidade interior, gosto de questionar convicções. Fazer terrorismo intelectual, examinar as contradições de doutrinas que parecem sólidas, é algo que me diverte. Escrevo para exercitar meu senso de humor. Leitor algum me flagrará portando bandeiras. Aceito o mundo como ele é, com suas misérias e grandezas. Sou adepto do “amor fati” nietzscheano. Aceito integralmente o que me cerca, minha vida e meu destino, no que tiver de doloroso ou prazeroso. Hoje, liberto do cristianismo, não movo uma palha para modificar o mundo. Que siga seu curso. Mas me reservo o direito de fazer algumas anotações à margem.
Que jovens sejam militantes, entendo. Com que faremos a revolução? – perguntava-se um dos personagens de Roberto Arlt. Com os jovens – respondia seu interlocutor -. São estúpidos e entusiastas. O que me causa espanto é ver marmanjos lutando por causas bobas.
A militância está tomando novas formas nestes dias de Internet. Se antes seus instrumentos eram passeatas e manifestações, aos poucos está se tornando protestos indignados contra a corrupção no Facebook. Temos agora o militante de sofá. Ou de teclado, como quisermos. Os corruptos, se é que tem tempo para perder nas ditas redes sociais, devem morrer de rir. Nunca vi protestos, nem na Internet nem nas ruas, punindo corrupto. Se nem as leis conseguem puni-los, não serão mensagens indignadas que os levarão à cadeia.
Enfim, o choro é livre. Mas para mim soa como algo ridículo ver marmanjos, alguns até com certa estatura intelectual, protestando quais jovenzinhos indignados contra os políticos malvados. A impressão que me fica é a de um certo descargo de consciência. Algo como: não sou indiferente às injustiças do mundo. Do alto de meu sofá, estou contribuindo para um mundo melhor.
Contem outra.
28 de maio de 2012
janer cristaldo
Nenhum comentário:
Postar um comentário