Enquanto o crime de homicídio prescreve, o de racismo é
imprescritível
13 de junho de 2012
Apesar de cada vez mais raras,
ainda existem pessoas que usam a cabeça para algo mais que apenas separar as
orelhas. A doutora em direito penal pela USP, advogada e professora
livre-docente da Faculdade de Direito da USP, Janaina Conceição Paschoal é uma
delas.
Direito penal politicamente
correto
Penalistas sempre denunciaram o fato de o legislador
criar crimes para atender o clamor público. Mas várias das propostas para um
novo Código Penal vêm para atender aos reclamos da
intelectualidade.
Por um lado, a comissão diminui a pena daquele que
realiza um aborto na gestante e alarga consideravelmente as hipóteses em que se
torna lícita tal prática. Por outro, a mesma comissão propõe pena de um a quatro
anos para quem abandona um cachorro na rua.
Isso sendo que, atualmente, o abandono de incapaz está
sujeito a uma pena de seis meses a três anos.
Não é raro, no ambiente acadêmico, encontrar pessoas que
defendem o aborto como política de saúde pública e, ao mesmo tempo, entendem ser
crime grave usar ratos como cobaias de laboratório. É uma inversão de valores
intrigante.
A
questão da discriminação é outro exemplo. Alarga-se significativamente a
incidência do direito penal nessa seara, quando, com todo o respeito, ações
afirmativas seriam muito mais eficazes.
Nesse sentido, cumpre destacar que já não há qualquer
proporcionalidade no fato de o racismo ser imprescritível enquanto o homicídio
prescreve. E todos aceitam tal situação como
normal...
Foi aplaudida também a proposta de criminalização do
bullying e do tal stalking (perseguição obsessiva), pois é inadmissível alguém
ser humilhado.
Os
juristas se esquecem de que um pouco de agressividade faz parte do processo de
amadurecimento -e que ensinar a criança e o adolescente a respeitarem o outro é
papel da família e dos professores, não da justiça
penal.
Ademais, os atos de violência que resultam em morte ou
lesão grave já são crimes onde quer que ocorram, inclusive na
escola.
Criminalizar o bullying retirará dos pais e dos
professores a sua responsabilidade. Para que dialogar? Por que tentar integrar?
Basta chamar a polícia.
A
esse respeito, é curioso constatar que o mesmo grupo que defende que as drogas
são uma questão de saúde traz propostas que implicam dizer que falta de educação
é um problema policial.
Paulatinamente, abrimos mão de nossos poderes e deveres
em prol de um Estado interventor, que nos dita como ser, pensar e falar. É o
império da padronização.
Também é surpreendente a notícia de que a comissão
preverá o acordo como solução célere do processo, principalmente pelo fato de,
ao ser anunciada a medida, ter sido comemorado o rompimento com o devido
processo legal, uma das maiores conquistas
democráticas.
Quem conhece a realidade forense sabe que não existe
qualquer paridade entre as partes. Como na transação penal, os acordos serão
impostos -com a conivência de muitos defensores.
Mesmo que decidamos adotar o instituto da barganha -que,
aliás, tem natureza também processual- é necessário, primeiro, um maior
amadurecimento.
Por mais que a legislação atual seja falha, não pode ser
reformulada a toque de caixa. São Tomás de Aquino já ensinava que só é
justificável mudar a lei quando os bônus são maiores que os
ônus.
Não é o que se anuncia. Não podemos transformar a lei
penal, braço mais forte do Estado, em uma sucessão de bandeiras do politicamente
correto. Há medidas menos invasivas e mais efetivas para a concretização de uma
sociedade mais solidária.
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