Parlamento impediu que Lugo bagunçasse as instituições como já fizeram Chávez, Correa, Evo e Cristina Kirchner! Ou: Por que não se falou em golpe no caso de Collor?
Num dos textos de ontem, escrevi num dado momento: “O melhor que este ex-bispo fazedor de filhos tem a fazer é cair fora sem resistência”. Uma leitora chamada Maria Helena me manda um comentário que não deixa de ser interessante:
“Não concordo quase nunca com você porque o considero muito conservador. Às vezes, acho você reacionário. Mas você é inteligente, escreve bem, me ajuda a saber o que eu não quero. Nesse caso você exagerou. Se ele não tivesse os filhos, quer dizer que ele poderia ser melhor, já que você achava ele um mau governante?”
Querida Maria Helena, se eu a ajudo a definir o que não pensar, já tenho uma serventia, não é? Quanto a Lugo e seus filhos (por enquanto, dois; outros dois reivindicam teste de paternidade), a resposta à sua pergunta, se quer saber, é “sim” e “não”. Como pode? Então vamos ver. Começo pelo “não”: ter filhos, por si, não torna, obviamente, um governante melhor ou pior. Não há qualquer relação de causa e efeito possível entre uma coisa e outra. Mas, no caso de Lugo, existe, sim, uma correlação. Ele não era apenas um padre, o que já o obrigaria ao celibato.
Vênia máxima, não existe golpe quando se segue a Constituição. Golpe parlamentar, como querem alguns, é outra coisa. Nesse caso, o Parlamento vota uma lei com o fito único de depor ou de inviabilizar o governo de turno, emprestando normalidade aparente à ilegalidade. A Constituição paraguaia não foi reescrita para botar Lugo pra fora. Foi apenas aplicada. “Ah, mas já havia o claro intento de cassá-lo”, dizem alguns. Se é assim, a cassação ocorreria agora ou daqui a dois ou três meses. Nesse caso, o risco de convulsão social, manipulada pelas forças “luguistas”, seria grande.
Escrevi ontem, como sabem, que o processo de destituição de Fernando Lugo, agora já e felizmente ex-presidente do Paraguai, foi legal e democrático e expus o conteúdo do Artigo 225 da Constituição, que evidencia que tudo se deu dentro das exigências legais.
O próprio Lugo, diga-se, admitiu isso, sempre observando, claro!, que ele apelaria a outras instâncias — essas “outras instâncias” costumam ser as vozes não institucionais. Há hoje na América Latina governantes que acreditam ser a formalidade legal e democrática apenas o que deve ser ultrapassado.
Pois bem! Meu querido amigo Caio Blinder, em seu post sobre o assunto, observou ser difícil condescender com o legalismo do Parlamento paraguaio. Escreveu: “Mas em uma conversa bacharelesca muito louca (eu que larguei o terceiro ano da nobre Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo), podemos também nos remeter ao artigo 17. E aqui novamente o original: ‘La comunicación previa y detallada de la imputación, así como a disponer de copias, medios y plazos indispensables para la preparación de su defensa en libre comunicación’.”
Bem, correndo o risco de não ter entendido direito o que Caio escreveu, contesto, obviamente, que recorrer à Constituição seja “conversa bacharelesca muito louca”. Ou temos as leis ou temos paus e pedras (e suas derivações: espadas, garruchas, revólveres, metralhadoras, tanques…). Se falha a lei escrita, só sobra a lei do mais armado.
O meu caro Caio está melhor do que eu, que não cheguei ao terceiro ano da São Francisco — só entrei ali para participar de debates. O Artigo 17 a que ele se refere traz no caput o seguinte: “En el proceso penal, o en cualquier otro del cual pudiera derivarse pena o sanción, toda persona tiene derecho a”… O julgamento de Lugo foi político — não sofrerá por conta desse processo em particular nenhuma pena ou sanção. Se for alvo de um processo penal — como eu acho que deveria ser, já que suas ligações com os delinquentes disfarçados de sem-terra são óbvias —, aí, sim, se pode evocar o Artigo 17.
“Ah, mas é um absurdo um país ter uma Constituição que permite esse tipo de coisa…” Posso até concordar com isso, mas é a Constituição do Paraguai, e Lugo foi eleito segundo os seus dispositivos, podendo ser destituído segundo os próprios. Lembram-se da Carta Magna hondurenha? Naquele país, um presidente que seja flagrado tramando a própria reeleição está automaticamente destituído. Foi o que aconteceu com Manuel Zelaya, também democraticamente deposto. Desta vez, ao menos, nenhum maluco decidiu se meter nas questões internas do Paraguai, a exemplo do absurdo que se viu naquele caso.
O bispo e seus filhos
Num dos textos de ontem, escrevi num dado momento: “O melhor que este ex-bispo fazedor de filhos tem a fazer é cair fora sem resistência”. Uma leitora chamada Maria Helena me manda um comentário que não deixa de ser interessante:
“Não concordo quase nunca com você porque o considero muito conservador. Às vezes, acho você reacionário. Mas você é inteligente, escreve bem, me ajuda a saber o que eu não quero. Nesse caso você exagerou. Se ele não tivesse os filhos, quer dizer que ele poderia ser melhor, já que você achava ele um mau governante?”
Respondo
Querida Maria Helena, se eu a ajudo a definir o que não pensar, já tenho uma serventia, não é? Quanto a Lugo e seus filhos (por enquanto, dois; outros dois reivindicam teste de paternidade), a resposta à sua pergunta, se quer saber, é “sim” e “não”. Como pode? Então vamos ver. Começo pelo “não”: ter filhos, por si, não torna, obviamente, um governante melhor ou pior. Não há qualquer relação de causa e efeito possível entre uma coisa e outra. Mas, no caso de Lugo, existe, sim, uma correlação. Ele não era apenas um padre, o que já o obrigaria ao celibato.
Posso até ser contrário — e sou — a essa obrigação dos sacerdotes católicos, mas eles a conhecem quando decidem abraçar o ministério. Ponto! Se conhecem, têm apenas duas saídas: deixar a hierarquia da Igreja ou seguir as regras. Lugo era mais do que isso: era um bispo. Tinha, portanto, atribuições ainda mais graves e severas. Mesmo assim, resta evidente, pulava de leito em leito, quebrando os seus votos, faltando ao compromisso assumido com uma instituição, fazendo filhos país afora sem assumir nem mesmo as responsabilidades que caberiam a um não celibatário que decidisse ser pai. Nota-se que praticava, ademais, sexo pouco seguro.
É evidente, minha cara Maria Helena, que Lugo achava que podia viver de modo ambíguo e anfíbio, dando-se o direito de, como sacerdote, fraudar os princípios de uma instituição e, como homem, macular os fundamentos da formação de uma família. O sacerdote não era um bom homem.
O homem, por óbvio, não era um bom sacerdote. Tentou a mesma ambiguidade e, se me permite o neologismo, a mesma anfibiedade como político. Presidente da República, sua obrigação era defender as instituições. Não obstante, todos sabiam que o tal movimento dos sem-terra — que, no Paraguai, se confunde com movimento terrorista (no Brasil, com frequência, também, mas ainda sem se armar de modo sistemático) — era seu aliado objetivo. Seus representantes ameaçavam proprietários num dia e, no outro, eram recebidos como interlocutores válidos pelo governo. Constituíram a base de Lugo. O bispo que decidira ser um aventureiro das alcovas não se comportou de modo diferente quando político: deixou de lado o sacerdócio da lei para dar guarida política a notórios bandidos.
Assim, minha doce Maria Helena — que parece integrar o grupo dos que adoram me odiar —, há, sim, quando menos, uma correlação entre o bispo que se comportava como um fauno e o legalista que manipulava a ilegalidade. Seus extremistas, no entanto, cometeram um erro: assassinaram seis policiais desarmados. Na reação, as forças de segurança mataram 11 (ou 12) invasores. O resultado foi esse que se viu. Em qualquer país do mundo democrático — e até do não democrático —, um governante seria duramente questionado.
Golpe coisa nenhuma!
Vênia máxima, não existe golpe quando se segue a Constituição. Golpe parlamentar, como querem alguns, é outra coisa. Nesse caso, o Parlamento vota uma lei com o fito único de depor ou de inviabilizar o governo de turno, emprestando normalidade aparente à ilegalidade. A Constituição paraguaia não foi reescrita para botar Lugo pra fora. Foi apenas aplicada. “Ah, mas já havia o claro intento de cassá-lo”, dizem alguns. Se é assim, a cassação ocorreria agora ou daqui a dois ou três meses. Nesse caso, o risco de convulsão social, manipulada pelas forças “luguistas”, seria grande.
E vamos parar de conversa mole. Bastou uma votação na Câmara para tirar Fernando Collor do poder. E sem direito à defesa porque tal procedimento era descabido naquela fase. E FOI NUM PROCESSO POLÍTICO, NÃO CRIMINAL — no Supremo, aliás, ele foi absolvido. É bem verdade que seu afastamento, em tese, não era definitivo. Mas todos sabiam, a começar do próprio, que jamais voltaria. Ainda hoje, se vocês forem fazer pesquisa na Internet, encontrarão em muitas páginas a informação falsa de que a Câmara aprovou o impeachment no dia 29 de setembro de 1992. Errado! Aprovou apenas a abertura do processo — o que o obrigou a se afastar imediatamente, sumariamente. Assim é na nossa Constituição.
O processo seria mais longo do que o do Paraguai, mas Collor, como Lugo, já sabia o resultado. Renunciou ao mandato no dia 29 de dezembro, horas antes da sessão do Senado cujo resultado era óbvio. Não adiantou. A Casa deu prosseguimento ao processo político e condenou por crime de responsabilidade, por 76 votos a 3, quem já nem era mais presidente. Ficou inelegível por oito anos. Vale dizer: Collor já tinha renunciado e, mesmo assim, foi impichado…
Ninguém ousou questionar se o ex-caçador de marajás (e atual caçador de jornalistas) foi vítima de um golpe — e não foi! Afinal, à época, ele era considerado uma espécie de besta-fera da direita, de reacionário, de troglodita etc. E as ditas “forças progressistas” (naquele tempo, Lula ainda não dividia o jardim das delícias com Maluf) eram favoráveis a seu impedimento. Essa conversa torta — chamar a eventual deposição de mandatários segundo o que estabelece a lei — só está em curso porque, afinal, Lugo é um “progressista”, como “progressista” havia se tornado Manuel Zelaya, aquele delinquente paranoide que governava Honduras.
Tivesse Lugo zelado pela institucionalidade que o elegeu, seria presidente da República. Colegas seus como Chávez, Evo Morales, Rafael Correa e Cristina Kirchner acabaram lhe servindo de maus exemplos. O Parlamento paraguaio fez o certo. Antes que Lugo se animasse a bagunçar as leis, cortou-lhe a cabeça. É o que já deveria ter acontecido com todos os outros. E há muito tempo. Ou alguém nega que todos eles lideram uma contínua degradação do regime democrático?
Que o Paraguai siga no caminho da normalidade e realize eleições livres e democráticas daqui a nove meses, conforme o previsto. O meu candidato à próxima deposição, dentro da lei, é Evo Morales… Quem faz outra aposta?
23 de junho de 2012
Reinaldo Azevedo
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