Sujeita a vírus, por Ruy Castro
Assim como ninguém mais se coloca –se posiciona. Ninguém mais se dirige a um lugar –se direciona. Ninguém mais acrescenta nada –adiciona. E ninguém mais é diferente –é diferenciado. Sem nenhum motivo ou necessidade, certas palavras saem da fala comum e outras entram. Nada contra essa seleção natural, semelhante à que se dá na vida. Ali também é puro Darwin. Mas, para que morra uma palavra e nasça outra, é preciso haver um sentido.
Outra palavra do momento é polêmico. Ninguém mais tem um comportamento ou opinião original, diferente ou discutível –só polêmico. Mesmo que esse comportamento ou opinião não encontre ninguém para polemizar com ele. O mesmo quanto a inédito –nada parece mais importante hoje, num disco, show ou exposição, do que conter material inédito. Se estou para lançar um livro de textos sobre cinema, música popular ou literatura, sempre querem saber se contém material inédito. Respondo, encabulado: “Não. É tudo já é dito”.
E para onde tem ido a preposição “a”, em construções como “daqui a três meses”, que estão se tornando o capenga “daqui três meses”?
A língua é viva, eu sei, mas sujeita a vírus que, de repente, atacam a TV, a internet e a imprensa, contaminam milhões, e as pessoas começam a achar que foi sempre assim que se falou ou se deve falar.
Ruy Castro, escritor e jornalista, já trabalhou nos jornais e nas revistas mais importantes do Rio e de São Paulo. Considerado um dos maiores biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda.
29 de junho de 2012
Fonte: Folha de S. Paulo
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