"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 29 de junho de 2012

SOBRE A VENTURA DE SER PRESIDIÁRIO NA NORUEGA


Rafael Piaia me envia um link da revista eletrônica Consultor Jurídico, no qual João Osório de Melo, correspondente nos Estados Unidos, nos mostra as idílicas prisões da Noruega, país que consegue reabilitar 80% de seus criminosos.
Transcrevo a descrição da Halden Fengsel:

Qualquer projeto de construção de edifícios, na Noruega, reserva pelo menos 1% do orçamento para a arte. A construção da prisão de Halden foi concluída com obras do artista grafiteiro Dolk em um muro do pátio e toilettes, que incluiu mais de R$ 2 milhões no orçamento. As paredes dos corredores do prédio são cobertas por quadros enormes, de flores a ruas de Paris, e azulejos de Marrocos. A prisão foi construída em uma área de floresta, em blocos que "servem de modelo ao chique minimalista", descreve a BBC. A prisão já ganhou prêmios de "melhor design interior", com uma decoração que tem mesas de laminado branco, sofás de couro tangerina e cadeiras elegantes espalhadas pelo prédio.

A prisão tem ainda estúdio de gravação de músicas, ampla biblioteca, chalés para os detentos receberem visitas da família, ginásio de esporte, com parede para escalar, campo de futebol e oficinas de trabalho para os presos. Tem trabalho (com uma pequena remuneração), cursos de formação profissional, cursos educacionais (como aulas de inglês para presos estrangeiros, porque os noruegueses em Halden já são todos fluentes). No entanto, a musculação não é um esporte permitido porque, segundo os noruegueses, desperta a agressividade nas pessoas. Promover muitas atividades esportivas, educacionais e de trabalho aos detentos é uma estratégia. "Presos que ficam trancados, sem fazer nada, o dia inteiro, se tornam muito agressivos", explica o governador da prisão de Halden, Are Hoidal. "Não me lembro da última vez que ocorreu uma briga por aqui", afirma.

Dizer que um criminoso já está atrás das grades pode ser uma afirmação falsa. As celas da prisão de Halden não têm grades. Têm amplas janelas, com vistas para a floresta, e bastante luminosidade. As celas individuais são relativamente maiores do que a de muitos hotéis europeus, têm uma boa cama, banheiro com vaso sanitário decente, chuveiro, toalhas brancas grandes e macias e porta. Tem, ainda, televisão de tela plana, mesa, cadeira e armário de pinho, quadro para afixar papéis e fotos, além de geladeiras. Os jornais dizem que, de uma maneira geral, são acomodações bem melhores do que quartos para estudantes universitários nos EUA. E é normal que prisioneiros portem suas próprias chaves.

Cada bloco tem sua cozinha. A comida é fornecida pela prisão, mas é preparada pelos próprios detentos. Eles podem comprar ingredientes na loja da prisão para refeições especiais. Podem comprar, por exemplo, de pasta de wasabi para fazer sushi a carne de primeira (por R$ 119 o quilo), com contribuições de todos que se sentam à mesa — normalmente, grupos de dez. Os livros mais emprestados na biblioteca de Halden são os de culinária. Os presos também podem ir à loja para reabastecer suas geladeiras nas celas com iogurtes e queijos, por exemplo. No restaurante, membros do staff da prisão (incluindo os graduados), sempre desarmados, sentam-se à mesa com os presidiários.

Melhor nem divulgar, Piaia. Prisão, na Noruega, oferece mais educação que milhares de escolas no Brasil. Sem falar no conforto. Imagine um pobre diabo imigrado da Somália, da Argélia ou do Marrocos. Pode viver a vida inteira em seu país e jamais terá tais luxos. Para um faminto oriundo da África, Halden é mega sena acumulada. Em uma outra prisão, na ilha de Bastoey, a vida não é menos mansa:

Os detentos vivem, em pequenos grupos, em espécies de chalés espalhados pela ilha, com quartos individuais, cozinha completa, televisão de tela plana e todos os confortos de uma casa pequena. O lugar tem uma grande biblioteca, escola, sala de música, sala de cinema, sala de ginástica, capela, loja, enfermaria, dentista, oficinas para conserto de bicicletas (o meio de transporte dos presos pela ilha) e de outros equipamentos, carpintaria, serviços hidráulicos, estábulo (onde os prisioneiros cuidam dos animais), campo de futebol, quadra de tênis e sauna. Trabalham no estábulo, na oficina, na floresta e nas instalações do prédio principal, praticam esportes, fazem cursos, pescam, nadam na praia exclusiva da "prisão" e tomam banho de sol no verão — para o inverno, há uma máquina de bronzear.

Melhor que isso, só férias nas ilhas gregas. Com a diferença de que em Bastoy os involuntários turistas não pagam nada. O correspondente não informa, mas certamente haverá no país muito imigrante cometendo pequenos crimes - ou nem tão pequenos – para aceder ao status de prisioneiro norueguês. Em meus dias de Suécia, soube de casos inclusive de suecos que, no inverno, praticavam esses tais de crimes sem vítimas, para gozar da calefação, alimentação e conforto das prisões do país.

Obviamente, o tipo de criminalidade na Noruega é outro que não o nosso. A rigor, ninguém precisa matar ou roubar por falta de comida ou condições materiais. Anders Breivik, o maluco que matou 77 pessoas, é uma anomalia não só na Noruega como em toda Europa. Segundo o correspondente do Consultor Jurídico, foi a ação criminal contra Breivik que despertou a atenção dos americanos e do mundo para as "prisões de luxo" da Noruega. No princípio, os americanos ficaram horrorizados com a ideia de que o "monstro da Noruega" fosse parar em um estabelecimento correcional, cujas celas são bem melhores do que qualquer dormitório universitário dos Estados Unidos. Uma apresentadora de uma emissora de TV repetiu a zombaria que mais se ouvia no país: "Eu quero ir para a Noruega cometer um crime".

Mas, para consolo dos americanos, como Halden ou a ilha de Bastoey não têm alas de segurança máxima, Breivik deve permanecer na prisão de Ila, em Oslo, que já foi, no passado, um campo de concentração nazista, movimento com o qual ele se identifica. Onde certamente tampouco passará mal.

Como as notícias correm rápido na aldeia global, certamente nossos incondicionais defensores dos direitos humanos já devem estar pensando em prisões semelhantes para os coitadinhos dos assassinos e estupradores nacionais.


29 de junho de 2012
janer cristaldo

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