"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 27 de julho de 2012

FARINHA PODRE

O Tribunal de Contas do Rio de Janeiro não aprovou as contas de 499 cidadãos que ocuparam cargos públicos em seus municípios - quase todos ex-prefeitos e ex-presidentes de Câmaras de Vereadores - no estado. E o presidente do Tribunal Regional Eleitoral, Luiz Zveiter, anunciou o óbvio: nenhum deles poderá ser candidato nas eleições de outubro. Todos estarão inelegíveis por oito anos.
A existência desse prazo é curiosa: parece indicar a confiança de que, nos oito anos, políticos desonestos ou incompetentes em alto grau aprenderão a governar ou abandonarão o feio costume de meter a mão nas verbas públicas. Com uma pitada de cinismo, é bom não esquecer que a inelegibilidade sempre castiga - mas raramente conserta.
Nas eleições deste ano, 21 mil cidadãos do Estado do Rio são candidatos a mandatos diversos. Esse número sugere uma de duas conclusões: ou existe por aqui extraordinário índice de devoção aos interesses da coletividade, ou os cargos a serem preenchidos pelo voto popular são, por assim dizer, apetitosos.
O eleitor saberá qual das duas explicações é verdadeira. No caso da primeira, estamos todos de parabéns; na outra hipótese restará aos cidadãos a possibilidade - melhor dizendo, o dever - de tomar nota dos nomes daqueles que se dedicam a usar o poder em benefício próprio. É certo que existem políticos dos dois tipos. Aqui, como em qualquer outro país.
É difícil saber se os 499 que caíram na malha fina do Tribunal de Contas representam uma boa notícia ou uma situação de crise moral na vida pública: falta-nos a comparação com anos anteriores. Não parece improvável que a resposta correta às nossas preocupações seja a de que tudo continua com sempre foi: nem aumento de safadeza, nem o resultado animador de uma operação de enérgica limpeza nos quadros partidários.
Afinal, a turma parece ser a de sempre, numa mistura de cidadãos honestos e dedicados ao bem comum com aqueles que enxergam na carreira pública aquilo que uma gíria antiga batizou de "boca rica". Durante a campanha eleitoral, é difícil saber. Depois da posse dos eleitos, logo se saberá.

O número dos castigados pelo Tribunal de Contas não é animador. Como também não é excesso de pessimismo imaginarmos que os oito anos de inelegibilidade transformarão em varões de Plutarco, como se dizia antigamente, os 499 agora - mas não submetidos a qualquer pena de cadeia ou multa, o que não deixa de ser curioso. Afinal de contas, ser apanhado numa malha fina deveria ser apenas a prova de mau comportamento, primeiro passo no caminho para uma unica punição exemplar.
Luiz Garcia
O Globo, RJ
27 de julho de 2012

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