"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 27 de julho de 2012

OS EUA E SUAS FICÇÕES

Os EUA, enquanto sociedade, sempre transitaram entre a fantasia e a realidade. A construção do mito americano e a sua disseminação pelo mundo, foram essenciais para o “american way of life” e a vitória sobre os soviéticos na Guerra Fria.

Usando o cinema como arma de propaganda e cooptação cultural, os Estados Unidos, de Tom Mix a John Wayne, sempre exploraram o mito do cavaleiro solitário, que é rápido no gatilho e vive à margem do sistema, embora, na verdade, Calamity Jane tenha morrido de alcoolismo, Buffallo Bill, de um problema renal, e Bat Masterson, do coração.



O cidadão típico norte-americano acredita piamente nisso, e de vez em quando sua convicção no individualismo vai além da crença, e explode como as bombas do “Unabomber” John Kaczynski, ou do veterano da Guerra do Golfo Timothy McVeigh, que implodiu em 1995 o Edifício Federal de Olklahoma City, com centenas de pessoas em seu interior.

Do hábito de fantasiar o passado de seus mitos os norte-americanos passaram a dar-lhes outras dimensões, mediante a ficção dos quadrinhos, com o aparecimento, em 1938, do Super-Homem, e, não por acaso, um ano antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial.

O menino de Krypton seria logo seguido de uma longa linhagem de seres dotados de identidades secretas e super-poderes, e alguns deles, como o Capitão América e o Príncipe Submarino, seriam convocados para combater, no plano da fantasia, os inimigos externos dos Estados Unidos.

Com o tempo, os roteiros e os vilões tornaram-se complexos, soturnos e psicologicamente mais bem estruturados. E a utilização de atores como Danny De Vito e Jack Nicholson para interpretá-los elevou a um outro patamar o que antes estava – teoricamente – dirigido apenas ao público infantil.

O cinema foi criado para que fantasia se sobrepusesse à realidade. Mas, de vez em quando, fantasia e realidade, neste novo mundo dominado pela ânsia da ilusão e do escapismo, tornam-se unidimensionais por um instante, e a tragédia eclode – lá e no resto do mundo.

Foi o que aconteceu na semana passada, em uma sala de cinema de shopping center de Aurora, na região de Denver, no Colorado. Como no título do filme, Batman – O Cavaleiro Negro ressurge das Trevas, um universitário de 24 anos, mascarado e vestido de preto, explodiu duas bombas de fumaça e gás lacrimogêneo dentro do cinema, trinta minutos depois do início do filme, e atirou, em seguida, a esmo, matando doze pessoas e ferindo mais de cinquenta, entre elas crianças. Preso pouco depois, fortemente armado, no estacionamento, o matador, James Holmes, identificou-se como o “Coringa”.

Apanhadas, como moscas em uma teia de aranha, entre a ilusão e o fato, muitas vítimas foram atingidas por ter continuado onde estavam, acreditando que tudo aquilo era parte do espetáculo.
O mundo necessita voltar à realidade.

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