"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 27 de julho de 2012

MENSALÃO, O JULGAMENTO DA HISTÓRIA

Hoje, o discurso principal do PT é o social, não mais o ético ou o marxista; 75% dos filiações são recentes. Por isso, o partido não seria afetado pela condenação
Historicamente, o PT acumulou três camadas de discurso: ideológica, ética e social.
Embora fossem inseparáveis, elas tinham temporalidades diversas e provinham, respectivamente:
- dos aportes marxistas que o PT recebeu na sua fundação;
- de uma militância que transitava para a ordem, mas ainda se via fora dela;
- e da experiência das comunidades eclesiais de base.
Já em 2002, o PT acreditou que era preciso ocultar o discurso socialista para eleger Lula.
Foi em 2005, porém, que o partido viveu a maior crise de sua história. Naquele ano, o escândalo do mensalão derrubou o discurso sobre a "ética na política" e abateu o seu núcleo dirigente.
A crise foi uma ruptura na sua história. Pela primeira vez na história, o PT assumia o papel de vilão no teatro das Comissões Parlamentares de Inquérito.
Com a exceção de vozes isoladas no partido, como José Dirceu, que se recusou a renunciar ao mandato de deputado para evitar a sua cassação, a maioria das figuras públicas petistas se escondeu para salvar a própria pele.
E quando todos vaticinavam o fim de Lula e do PT, eis que eles se erguem dos escombros com aquilo que tinha sobrado do patrimônio histórico petista.
Era o discurso social, que assumia o primeiro plano.
Isso fez a oposição acreditar que o povo aceitava a corrupção em troca de recursos do Estado. Não percebia que, apesar de tudo, as classes desamparadas apoiariam o PT, em nome dos programas governamentais que interessavam a elas.
Obviamente não foi assim que os dirigentes petistas pensaram. Uns saíram, outros simplesmente voltaram à rotina. Mas o PT mudou.
Aquela agremiação de forte marca social incorporou outra base. Mais de três quartos dos atuais filiados ingressaram durante os dois mandatos de Lula. Talvez atraídos pelas oportunidades de carreira que um partido de governo oferece, mas também pela identificação de classe.
Não é que os novos filiados sejam necessariamente avessos aos conteúdos socialistas, mas a forma discursiva que encantava a velha militância de classe média parece ser de outro tempo.
O julgamento do STF não mudará este PT. O respaldo que ele tem não depende do que se lê nos autos do processo. É que o julgamento político já foi feito. Se os réus vierem a ser condenados, nada de novo se acrescentará à imagem do partido. Se forem absolvidos, quem lhes devolverá os anos de ostracismo?

Folha de S. Paulo (SP)
LINCOLN SECCO
27 de julho de 2012

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