Tive a sorte existencial de nada ter me atrapalhado (pais, religiões,
faculdades, essas coisas) e nunca ter sido obrigado a pensar no que ia ser
quando crescesse. Pois, ainda menino, trabalhava na redação de O Cruzeiro (uma
saleta de 20 metros quadrados que em dez anos seria a redação da maior revista
do Brasil – 750 000 exemplares) com apenas três funcionários: Accioly Netto,
diretor, Edgard de Almeida, paginador (hoje seria designer), e eu, contínuo,
entregador, resenhador, colador, factótum, em suma.
Foi aí que vi entrar todo mundo (Gago Coutinho, que tinha cruzado o Atlântico antes de Lindbergh, Manso de Paiva, assassino do candidato a ditador Pinheiro Machado, e um jovem mulato recém-chegado da Bahia).
Não encontrando quem procurava e vendo as figuras que eu recolava, esse jovem me disse: “Você ainda vai colar aí muito retrato meu”.
Tempo depois ele, Caymmi, me diria que fui a primeira pessoa que ele conheceu ao chegar ao Rio – glória da qual não abro mão. A vida nos juntou longos anos, até que o tempo nos afastou, nos esgarçou. A foto testemunha quando estivemos juntos em Itapoã (quase intocada), pra onde ele voltava pela primeira vez depois de muitos anos.
Mas esta nota não é pra lembrar Dorival e sua existência incomparável. É para lembrar Stela Maris, sua sempiterna companheira. A voz extraordinária de Stela, que me chegava orvalhada pela neblina da madrugada, nas ondas da Rádio Tupi fechando seu programa. A voz tonitruante de Caymmi vinha acompanhada pela voz dela, pelo contracanto inesquecível de Stela, na emoção do acalanto que encerrava o dia: “Boi, boi, boi da cara preta…”.
Millôr Fernandes
27 de julho de 2012
Foi aí que vi entrar todo mundo (Gago Coutinho, que tinha cruzado o Atlântico antes de Lindbergh, Manso de Paiva, assassino do candidato a ditador Pinheiro Machado, e um jovem mulato recém-chegado da Bahia).
Não encontrando quem procurava e vendo as figuras que eu recolava, esse jovem me disse: “Você ainda vai colar aí muito retrato meu”.
Tempo depois ele, Caymmi, me diria que fui a primeira pessoa que ele conheceu ao chegar ao Rio – glória da qual não abro mão. A vida nos juntou longos anos, até que o tempo nos afastou, nos esgarçou. A foto testemunha quando estivemos juntos em Itapoã (quase intocada), pra onde ele voltava pela primeira vez depois de muitos anos.
Mas esta nota não é pra lembrar Dorival e sua existência incomparável. É para lembrar Stela Maris, sua sempiterna companheira. A voz extraordinária de Stela, que me chegava orvalhada pela neblina da madrugada, nas ondas da Rádio Tupi fechando seu programa. A voz tonitruante de Caymmi vinha acompanhada pela voz dela, pelo contracanto inesquecível de Stela, na emoção do acalanto que encerrava o dia: “Boi, boi, boi da cara preta…”.
Millôr Fernandes
27 de julho de 2012
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