Causa preocupação a atuação brasileira num organismo multilateral
informal criado recentemente, dedicado ao desenvolvimento de políticas e
mecanismos destinados à prestação de informação de governos às suas respectivas
sociedades.
Transparência Brasil
27 de julho de 2012
Trata-se da Open Government Partnership – Parceria para o Governo
Aberto. A iniciativa, originalmente do governo norte-americano, contou como
parceiro de primeira hora o governo brasileiro.
Ocorre que a atuação brasileira na OGP tem deixado a desejar.
Os entes brasileiros representados na OGP (a Controladoria-Geral da
União e uma organização da sociedade civil, o Instituto de Estudos
Socioeconômicos) estão apresentando ao mundo um retrato distorcido da realidade
brasileira no que tange a participação de organizações não-governamentais na
esfera de interesse da OGP.
A OGP congrega representantes de países e de entidades da sociedade
civil com o objetivo de obter “compromissos concretos de governos no sentido de
promover a transparência, fortalecer a cidadania, combater a corrupção e obter
domínio de novas tecnologias para fortelecer a governança”.
A direção do organismo é exercida por representantes de dois países,
sendo que a gestão atual cabe aos EUA e ao Brasil (representado pela
Controladoria-Geral da União). Um “Steering Committee” (Comissão de Orientação)
tem a responsabilidade de organizar os trabalhos do ente.
Além de representantes dos governos dos EUA e Brasil, a Comissão de
Orientação é hoje composta pelos governos da Noruega, Grã-Bretanha, México,
Filipinas, Indonésia e África do Sul.
Organizações da sociedade civil são também representadas. São elas:
National Security Archives (EUA), International Budget Project (internacional),
Transparency and Accountability Initiative (idem), Revenue Watch (idem), African
Center for Open Governance (Quênia), Twaweza (Tanzânia), Instituto Mexicano para
la Competitividad (México), MKSS (Índia) e o Instituto de Estudos
Socioeconômicos (INESC, brasileiro).
Entre 17 e 18 de abril a OGP realizará em Brasília uma “Cúpula de
Alto Nível”. O evento, cujos principais protagonistas são, naturalmente,
representantes de governos, conta também com a participação de diversas
organizações não-governamentais, pois uma das peculiaridades centrais desse
organismos é o diálogo permanente com opiniões e práticas situadas fora do
âmbito do Estado. Além disso, o desenvolvimento de melhores mecanismos de
divulgação de informações provenientes do poder público não pode prescindir
daqueles que utilizam essas informações e as disseminam na sociedade, motivo
pelo qual essa dimensão se situa em lugar proeminente entre as prioridades da
OGP.
Verifica-se que a Controladoria-Geral da União e seu parceiro
não-governamental (o INESC) têm agido de modo inadequado no que tange a
participação de ONGs brasileiras tanto na OGP de modo geral quanto na “Cúpula”
acima referida -- têm sido suprimidas as organizações que mais têm trabalhado,
no Brasil, nas atividades que justificam a própria existência da OGP.
Tais organizações são a Transparência Brasil e a Associação Contas
Abertas. Essas entidades lideram, no Brasil, o uso de informações públicas para
melhor propiciar um monitoramento de órgãos do Estado.
A Transparência Brasil tem desenvolvido e mantido ferramentas de
vasto uso nesse monitoramento. Podem ser mencionados os seguintes projetos,
publicados e sistematicamente atualizados na Internet (todos os links estão
acima):
Às Claras (desde 2003) – dedicado à organização e análise de doações
eleitorais;
Deu no Jornal (desde 2004) – dedicado ao registro sistemático de
reportagens relativas ao tema da corrupção e assuntos correlatos, recolhidas
diariamente de cerca de 35 jornais diários; trata-se de iniciativa inédita
mundialmente;
Excelências (desde 2006) – dedicado ao acompanhamento de todos 2.368
os integrantes das 55 principais Casas legislativas brasileiras; também inédito
mundialmente;
Meritíssimos (desde 2009) – dedicado ao monitoramento do desempenho
dos ministros do Supremo Tribunal Federal; igualmente inédito mundialmente;
Assistente Interativo de Licitações (desde 2004) – dedicado a
fornececer análises de conformidade de editais de licitação; mais uma vez,
inédito mundialmente.
Tais instrumentos têm tido, historicamente, papel importante no
esclarecimento do público. Milhões de pessoas os visitaram e o fazem
continuamente. Em particular no que tange o projeto Excelências, as informações
e análises que divulga tiveram impacto marcante na vida política brasileira.
Além do desenvolvimento dessas iniciativas, a Transparência Brasil
desempenhou papel central na formulação e promulgação da recentemente sancionada
Lei de Acesso a Informação.
Foi a Transparência Brasil que sugeriu ao governo brasileiro, no
âmbito do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção (sediado na
Controladoria-Geral da União), que este liderasse o esforço de regulamentar o
acesso a informação no país. Ao longo de todo o processo de transformação da
ideia em lei a Transparência Brasil sempre esteve no primeiro plano, tanto no
âmbito interno da CGU durante a confecção da primeira minuta do projeto quanto
posteriormente.
O tema do acesso a informação sempre foi central nas constantes
intervenções públicas da entidade.
Outra entidade que tem tido papel marcante no uso da informação
pública e na insistência de que a abertura do Estado é essencial para o
desenvolvimento democrático é a Associação Contas Abertas, concentrada na
disseminação e análise de dados extraídos da execução orçamentária de governos.
Quais outras organizações têm tido papel semelhante, no Brasil?
Pouquíssimas ONGs brasileiras usam sistematicamente dados públicos para iluminar
aspectos da esfera pública de modo a alimentar de informação outros interessados
e, assim, fortalecer a sua ação (ONGs, a academia, a imprensa, o próprio Estado
e assim por diante). Na verdade, apenas as duas mencionadas fazem isso de forma
sistemática. Nenhuma outra o faz com a constância e o rigor dessas duas.
Não obstante, nem a Transparência Brasil nem a Associação Contas
Abertas foram, em algum tempo, contactadas pela OGP ou pelos entes brasileiros
nela representados (a CGU e o INESC) para o desenvolvimento dos trabalhos da
Parceria. O evento que se realiza esta semana em Brasília não contará com a
participação da Transparência Brasil ou da Associação Contas Abertas, pois não
foram convidadas para compor mesas e se dirigir ao público e aos representantes
internacionais reunidos no conclave. A experiência combinada dessas duas
entidades foi irremediavelmente suprimida.
Ora, para qualquer pessoa que, no Brasil, tenha tido contacto mesmo
que lateral com os temas do acesso a informação e do monitoramento do Estado, a
omissão é escandalosa.
O panorama que está sendo apresentado ao mundo pela CGU e pelo INESC
corresponde a uma distorção. A distorção não se caracteriza pela substituição de
um exemplo por outro, de estatura semelhante -- o que não justificaria maiores
preocupações.
A distorção se caracteriza pela omissão do que há de mais relevante
na atuação não-estatal. No caso da Transparência Brasil, representa
adicionalmente um ato de negação e supressão do papel que a entidade teve na
regulamentação do acesso a informação no Brasil.
Não se afirma que a promulgação final dessa regulamentação tenha sido
obra da Transparência Brasil. Tampouco se afirma que outras entidades da
sociedade civil (na verdade, uma única) não tenham também colaborado. Longe
disso. São conhecidas as imensas dificuldades enfrentadas pela CGU quando da
tramitação da matéria internamente no governo, e os obstáculos que tiveram de
ser vencidos, outra vez pela CGU, quando a matéria chegou ao Senado Federal após
ter sido aprovada na Câmara dos Deputados.
O que se afirma é que o brilho dessa vitória está sendo manchado pela
tentativa de supressão de um protagonista relevante, que foi a Transparência
Brasil, e que esse desvirtuamento está sendo materializado no foro internacional
representado pela Open Government Partnership.
Transparência Brasil
27 de julho de 2012
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