A peça de
acusação que aponta a existência de um esquema de pagamento de mesadas à base
aliada do então governo Lula em troca de votos no Congresso Nacional foi
costurada a quatro mãos.
A matéria
começará a ser julgada a partir da próxima quinta-feira, 2 de agosto, no
Supremo Tribunal Federal, e é fruto de um trabalho elaborado pelo
ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza e o atual, Roberto
Gurgel.
O texto
aponta a existência de um "plano criminoso voltado para a compra de votos
dentro do Congresso Nacional", tendo como comandante o ex-chefe da Casa
Civil ministro José Dirceu. "Trata-se da mais grave agressão aos valores
democráticos que se possa conceber", afirmou Gurgel, em suas alegações
finais.
O
processo, que conta 50 mil páginas, no entanto, ainda não responde a várias das
perguntas que cercam um caso ainda envolto pela névoa {leia no quadro ao lado).
A
primeira denúncia do Ministério Público elaborada por Antonio Fernando, em
2007, já apontava a formação de quadrilha, na época com 40 nomes. Ela foi
baseada em investigações da Polícia Federal e nas conclusões do relator da CPI
dos Correios, Osmar Serraglio (PMDB-PR), instalada para apurar as denúncias do
ex-deputado Roberto Jefferson, de que o PT, por meio do empresário Marcos
Valério, e sob o comando de José Dirceu e de Delúbio Soares, tesoureiro da
legenda, transferia recursos ao PP e ao PL (atual PR) para a compra de votos no
Congresso com mesada de R$ 30 mil por deputado. Antes, Jefferson havia falado
em recursos para o financiamento de campanhas, o que caracterizaria o crime
menor de caixa dois—corrente na política nacional.
Segundo
Fernando, havia elementos que comprovavam a existência de um "eficiente
sistema de repasse de valores, especialmente a integrantes de diversos partidos
políticos, que se utilizavam de mecanismos altamente suspeitos, de que são
exemplos o desprezo pelos procedimentos bancários regulares, a entrega de
quantias elevadas em espécie e em locais inadequados (recepção e quartos de
hotéis, e bancas de revistas) e a preocupação de inviabilizar a identificação
do destinatário", completou o procurador.
Empossado,
Gurgel manifestou inteira concordância com a denúncia ao apresentar as
alegações finais ao STF, em julho de 2011. Manteve e reforçou todas as
acusações do antecessor— as exceções foram os pedidos de absolvição do
ex-ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência Luiz Gushiken e do ex-
assessor parlamentar Antonio Lamas. Explorou bastante o envolvimento de
instituições bancárias financiadoras maiores do valerioduto, mas nada
acrescentou para demonstrar a compra de vo- tns ou identificar deputados
aliciados. Apontou como indício da cooptação a proximidade de datas entre
saques e votações.
Gurgel,
no entanto, foi bem incisivo em outros pontos da denúncia. "As provas
colhidas no curso da instrução, aliadas a todo o acervo que fundamentou a
denúncia, comprovam a existência de uma quadrilha, constituída pela associação
estável e permanente dos seus integrantes, com a finalidade da prática de
crimes contra o sistema financeiro, contra a administração pública, contra a fé
pública e de lavagem de dinheiro", explicitou o procurador. Ao longo do
processo, alguns nomes ficaram pelo caminho.
O ex-secretário-geral
do PT Silvio Pereira fez um acordo com o Ministério Público e passou a prestar
serviços comunitários. O ex- Kder do PP na Câmara José Janene (PP) morreu em
2010 vítima de problemas cardíacos.
A ênfase
de Gurgel levou o PT a buscar outros caminhos para diminuir o impacto do
julgamento do mensalão no partido. Aproveitando-se da criação da CPI para
investigar as relações do bicheiro Carlinhos Cachoeira com entidades públicas e
privadas, os petistas tentaram convocar o procurador-geral para explicar por
que ele não iniciou as investigações contra o bicheiro em 2009, quando foi
deflagrada a Operação Vegas. "Foi uma maneira de tentar mostrar a
inconsistência jurídica do procurador. Desconstruindo o acusador do partido no
inquérito do mensalão, tentou-se desmontar a acusação que pesava contra a
legenda", confessa um parlamentar do PT com assento na CPI.
Núcleos
de atuação
O
documento de Gurgel divide os réus em três núcleos. O político, composto pelo
ex-ministro José Dirceu, o ex-tesoureiro do PT Delú- bio Soares, o
ex-secretário-geral Silvio Pereira, e o ex-presidente do PT José Genoino.
"O objetivo era negociar apoio político ao governo no Congresso Nacional,
pagar dívidas pretéritas, custear gastos de campanha e outras despesas do PT",
diz a denúncia.
O segundo
núcleo, identificado como núcleo operacional, seria integrado por Marcos
Valério, Rogério Tolentino e outros profissionais do meio publicitário. Ná
visão de Gurgel, coube a esse grupo "oferecer a estrutura empresarial
necessária à obtenção dos recursos que seriam aplicados na compra do apoio
parlamentar". Valério teria concordado em participar do esquema porque
desejava "aproximar- se do governo federal".
Já o
terceiro núcleo, chamado de núcleo financeiro, era integrado pelos dirigentes
do Banco Rural à época. "Visando à obtenção de vantagens indevidas,
consistentes no atendimento dos interesses patrimoniais da instituição
financeira que dirigiam, proporcionaram aos outros dois núcleos o aporte de
recursos que viabilizou, a prática dos diversos crimes objetos da acusa-"
ção, obtidos mediante empréstimos simulados, além de viabilizarem os mecanismos
de lavagem que permitiram o repasse dos valores aos destinatários finais",
conclui as alegações.
Sessões
O
julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal terá pelo menos 22 sessões
transmitidas ao vivo por rádios e televisões. O procurador-geral da República,
Roberto Gurgel, terá cinco horas para ler a acusação sobre a qual trabalhou
durante todo o recesso de julho. Diferentemente do ministro-relator Joaquim
Barbosa, que resumirá seu relatório em 15 minutos, embora dispondo de três
horas, Gurgel já disse que possivelmente fará uso de todos os 300 minutos de
seu tempo para a leitura do libelo acusatório.
Sob
pressão
Roberto
Gurgel enfrentou duas saias justas este ano. Com a instalação da CPI do
Cachoeira, descobriu-se ! que poderia ter denunciado o senador cassado
Demóstenes Torres em 2009, com base na Operação Vegas, da Polícia Federal, o
que só veio a acontecer dois anos depois, na Operação Monte Cario. Quando
membros da CPI ameaçaram convocá-lo para explicar o ocorrido, (afirmou que se
tratava de manobra dos que temiam o julgamento do mensalão).
Correio
Braziliense (DF) - 26/07/2012
Da Redação
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