"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 11 de julho de 2012

HISTÓRIAS DO JORNALISTA SEBASTIÃO NERY

ANTIGAS E NOVAS HISTÓRIAS DE BRASÍLIA

Fernando Augusto era o diretor e locutor, em Brasília, no começo dos anos 60, da Rádio Mayrink Veiga, que comandava a pregação nacionalista de Brizola, eleito em 62 deputado federal pela Guanabara.
Veio o golpe de 64, Brizola estava em Porto Alegre, ficou clandestino lá e depois foi para o Uruguai, fardado de oficial da Brigada Militar gaúcha. No País inteiro, sobretudo aqui em Brasília e no Rio, começou a caça às bruxas.
A capital cercada, não entrava nem saía ninguém, as embaixadas lotadas de deputados, o pânico nas redações, cada dia um punhado de jornalistas presos, restaurantes e bares às moscas, ninguém saía de casa, um sufoco.
Fernando Augusto e Ronan Soares, do “Correio da Manhã”, resolveram ir uma noite à vizinha cidade de Planaltina, a alguns quilômetros de Brasília, para tomar umas, fazer uma farrinha, aliviar a alma e esquecer os militares.

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BARREIRA MILITAR

Foram no carro de Fernando Augusto. Logo na saída, uma barreira militar, a estrada fechada, soldados de fuzil na mão. Fernando gemeu:
- Ai, meu Deus, estou perdido! Como é que eu fui cair nessa?
Ronan, tranqüilo mineiro de Araxá, pegou suas carteiras de jornalista:
- Fernando, deixa comigo. Eu falo. Estou aqui com minha credencial do Comitê de Imprensa do Palácio do Planalto. É um passaporte.
Fernando, pálido, apavorado, parou o carro, encostou, suava como numa sauna turca. Ronan não entendia aquele medão desvairado. Conversou com o comandante da barreira, mostrou os documentos, passaram. Ronan riu:
- Está vendo, Fernando? Você estava com medo à toa. Não havia perigo.
- É porque você não sabe de nada. Olha só os documentos deste carro.
Era o carro de Brizola. No nome de Brizola.

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O RELÓGIO DA AP

José Caparelli era correspondente da agência norte-americana AP (Associated Press) em Brasília. Quando Jânio Quadros renunciou à Presidência, Caparelli deu um furo. Conseguiu a entrevista em que o marechal Denys, ministro da Guerra, vetava a posse do vice-presidente João Goulart.
Do Rio, David (leia-se “Dêvid”), diretor-geral da AP, com seu português atravessado, pior do que o de Mangabeira Unger, telefonou dando-lhe os parabéns e dizendo que ia lhe mandar um relógio. No dia seguinte, Caparelli recebeu um telex de David, muito simpático, cheio de adjetivos. Mas os dias passavam e o relógio não chegava. Caparelli reclamou, David confirmou:
- Já mandei, sim, pelo telex. Mandei um “elógio” (elogio) para você.

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MAIS DUAS DE JORNALISTA

1. – Quando o motorista de ônibus de Brasília, desesperado da vida, passou pela segurança armada, subiu a calçada do palácio, quebrou as paredes de vidro e enfiou o ônibus lá dentro, o sábio mineiro Ronan definiu:
- É como diz o Young. É o coletivo inconsciente.
2. – A TV Globo de Brasília havia dado uma notícia sobre o governador Jair Soares, da Arena do Rio Grande do Sul, que não gostou e ligou para Toninho Drummond, veterano diretor da Globo aqui, também mineiro, também de Araxá e também sábio, pedindo uma retificação.
- Pois não, governador. Vamos mandar um companheiro nosso, aí de Porto Alegre, entrevistá-lo, e o senhor fala.
- Jornalista, quanto tempo terei?
- O mínimo que o senhor quiser.

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DUAS DE JÂNIO

1. – Jânio Quadros, saindo do governo de São Paulo em 58, lançou seu secretário da Fazenda, Carvalho Pinto, para disputar o governo contra Ademar de Barros. Carvalho Pinto era um quatrocentão de colete e cabelinho arrumado, sério e sisudo. Jânio o carregava pelo Estado, mas ficava impaciente:
- O professor Carvalho Pinto tem uma certa volúpia da impopularidade.
2. – O jornalista Edísio Gomes de Matos, do “Correio Braziliense”, ficou irritado com o começo do governo de Jânio, que chegou a Brasília, em 61, atropelando todo mundo, no primeiro ano da nova capital. Queixou-se a um tio, velho sapientíssimo, prefeito lá do interior de Minas.
- Não ligue não, Edísio. Todo governo novo fica velho.
Em sete meses, Jânio envelheceu, renunciou e sumiu.

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