Está nas livrarias “Cartas ao presidente Lula”, da professora Amelia Cohn,
ex-diretora de Programas do Ministério do Desenvolvimento Social. Ela estudou
1.375 cartas enviadas a Lula entre 2004 e 2006 por beneficiários ou postulantes
ao Bolsa Família. Com o início da campanha eleitoral, deveria ser leitura
obrigatória para candidatos e marqueteiros de todos os partidos.
A base do estudo é delimitada, pois dá uma amostra das aspirações e dos pleitos apenas de pessoas pobres que escrevem ao presidente da República. Aí começam as surpresas. São poucos os casos em que pedem favores.
Predominam as tentativas de exercício daquilo que pessoas pobres veem como um direito e apelam ao presidente para que as ajude a exercê-los. Por exemplo: uma mulher cadastrada desde 2003 esperava há três anos uma resposta e não conseguia sequer ser bem tratada. Diz a professora: “Lula não é visto como pai dos pobres, como no caso de Getulio Vargas, mas sim como um presidente dos pobres.”
As narrativas mais instrutivas vêm de pessoas que são maltratadas na rede de atendimento dos municípios. Uma senhora escreveu quatro cartas, nunca teve resposta, foi de bicicleta à prefeitura (oito horas e meia de viagem), e o encarregado do serviço não estava. Quando reclamou, um magano disse-lhe que “o Brasil todo está passando fome”.
Noutro caso, a senhora andou oito horas e soube que o cadastro só abriria no próximo ano: “É um direito nosso e, se formos falar isso, é capaz até de irmos presos.” Outra senhora, que recebia R$ 95, foi rebaixada para R$ 45. Quando se queixou, o funcionário disse que, se voltasse a reclamar, ficaria sem nada.
Nas respostas-padrão do governo federal, os comissários usam expressões como “congênere” ou “pleito” e sugerem a quem não consegue colocação por meio do posto local do Sistema Nacional de Emprego que vá buscá-lo em outra cidade. Isso e algum blá-blá-blá: “O presidente Lula faz um convite para que continue acreditando e participando cada vez mais da construção do país com que todos sonhamos.”
“O que as cartas revelam é a presença generalizada de uma insensibilidade da máquina estatal”, diz a professora. Ela aponta a existência de uma “gincana de obstáculos” no caminho de quem quer exercer seus direitos previdenciários.
“Cartas ao presidente Lula” tem duas virtudes. Numa, dá voz aos pobres. Noutra, diz a professora Cohn, essas vozes “negam todas as ideias preconcebidas daqueles que acusam o Bolsa Família de ser um programa meramente assistencialista, que estimula o não trabalho (a preguiça) e a dependência dos pobres em relação ao Estado”.
08 de julho ded 2012
Elio Gaspari, O Globo
A base do estudo é delimitada, pois dá uma amostra das aspirações e dos pleitos apenas de pessoas pobres que escrevem ao presidente da República. Aí começam as surpresas. São poucos os casos em que pedem favores.
Predominam as tentativas de exercício daquilo que pessoas pobres veem como um direito e apelam ao presidente para que as ajude a exercê-los. Por exemplo: uma mulher cadastrada desde 2003 esperava há três anos uma resposta e não conseguia sequer ser bem tratada. Diz a professora: “Lula não é visto como pai dos pobres, como no caso de Getulio Vargas, mas sim como um presidente dos pobres.”
As narrativas mais instrutivas vêm de pessoas que são maltratadas na rede de atendimento dos municípios. Uma senhora escreveu quatro cartas, nunca teve resposta, foi de bicicleta à prefeitura (oito horas e meia de viagem), e o encarregado do serviço não estava. Quando reclamou, um magano disse-lhe que “o Brasil todo está passando fome”.
Noutro caso, a senhora andou oito horas e soube que o cadastro só abriria no próximo ano: “É um direito nosso e, se formos falar isso, é capaz até de irmos presos.” Outra senhora, que recebia R$ 95, foi rebaixada para R$ 45. Quando se queixou, o funcionário disse que, se voltasse a reclamar, ficaria sem nada.
Nas respostas-padrão do governo federal, os comissários usam expressões como “congênere” ou “pleito” e sugerem a quem não consegue colocação por meio do posto local do Sistema Nacional de Emprego que vá buscá-lo em outra cidade. Isso e algum blá-blá-blá: “O presidente Lula faz um convite para que continue acreditando e participando cada vez mais da construção do país com que todos sonhamos.”
“O que as cartas revelam é a presença generalizada de uma insensibilidade da máquina estatal”, diz a professora. Ela aponta a existência de uma “gincana de obstáculos” no caminho de quem quer exercer seus direitos previdenciários.
“Cartas ao presidente Lula” tem duas virtudes. Numa, dá voz aos pobres. Noutra, diz a professora Cohn, essas vozes “negam todas as ideias preconcebidas daqueles que acusam o Bolsa Família de ser um programa meramente assistencialista, que estimula o não trabalho (a preguiça) e a dependência dos pobres em relação ao Estado”.
08 de julho ded 2012
Elio Gaspari, O Globo
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