"Muitas
vezes me perguntei em que consistia a superioridade deste mundo chamado de
grande, mas não encontrei sequer uma resposta. É possível que seja muito
agradável usar roupa fina, fazer as leis segundo seu agrado e conversar
disparates sobre a virtude; mas seria bem melhor que não se tivesse tanta
presunção. E é disto que o mundo padece tanto. Assentam-se à cadeira dos juízes
e julgam-nos sem piedade. Sua polícia nos persegue; seus prefeitos mandam matar
nossos homens; seus sacerdotes nos prometem o inferno e seus magnatas especulam
com nossa fome. No entanto, mal a iluminação pública é reduzida à metade, todos
eles saem a nos procurar pelas ruas. E afinal, quando ali nos vemos à sua
frente, só em roupa íntima, desaparece toda sua arte e persuasão, murcha
completamente a presunção, cessa a arrogância; e nesse momento, balbuciam como
pequenos meninos a perdir dois tostões de doces..."
Quem assim escreve é Amélie Hélie, em suas memórias de cortesã, Mes Jours et mes nuits. Nascida em 1878, foi uma das grandes atrações dos bordéis de Paris, onde era mais conhecida como Casque d’Or. Seu sofrido lamento merece ser lembrado nestes dias em que a franco-marroquina Najat Vallaud-Belkacem, ministra dos Direitos da Mulher e porta-voz do governo, declarou ao Journal du Dimanche: "Meu objetivo, como o do Partido Socialista, é ver a prostituição desaparecer".
Começou mal o governo de François Hollande. No jornalismo on line, vejo fotos das profissionais parisienses manifestando nas ruas e ostentando cartazes em defesa do ofício:
LIBERTÉ? EGALITÉ? FRATERNITÉ? PUTES ELIMINÉES?
Segundo o Nouvel Observateur, os partidos políticos são todos favoráveis à abolição da prostituição. Ano passado, o Parlamento adotou uma resolução que preconisa a penalização dos clientes. Agora, sob o argumento de que a prostituição é uma violência às mulheres e às prostitutas, mesmo as « tradicionais », que são vulneráveis social e economicamente, a França pretende extirpar a dita mais antiga das profissões. Os socialistas jamais se curam da mania de utopia.
Logo na França, país em que as prostitutas sempre foram cantadas no mundo da cultura e das artes. Quem não lembra da Nana, de Émile Zola? Ou da Boulle de Suif, de Maupassant? Ou, mais contemporaneamente, da terna Irma, la Douce, de Billy Wilder? Toulouse-Lautrec vivia entre elas e as imortalizou em seus affiches. Um pintor afeito aos temas religiosos, como Rouault, não poupou pincel para pintá-las em seu ambiente.
Diz Lujo Bassermann, em A História da Prostituição:
"Se Paris é cognominada a cidade do amor, semdúvida não se trata do amor conjugal, mas sim da prostituição, embora no sentido mais geral: desde as grandes amantes, aravés das cortesãs e moças amáveis, até o último degrau com as meretrizes de rua mais ou menos sob controle ou suas colegas dos bordéis. E não resta dúvida sobre a existência de uma relação especial entre Paris e as diversas formas de amor que existem e existiram nas grandes metrópoles. Em nenhuma delas, contudo, atuaram de forma tão atraente como naquela cidade.(...) A atração especial da cidade de Paris com relação às diversas formas de amor é muito antiga, quase veneranda, e muitos dos pares amorosos maiscélebres encontram-se atualmente tão apagados quanto as figuras do portal principal da Notre Dame, cuja beleza apenas se pode imaginar : Heloísa e Abelardo, por exemplo, tão ludibriados".
Aposta risível a dos socialistas. Mania de síndico novo que assume um condomínio antigo. A prostituição jamais será extinta. Primeiro, por ser muito difícil determinar quando uma mulher recebe ou não pagamento por sexo. Segundo, porque a tendência no Ocidente é regulamentar a prostituição. Nos dias em que vivi na Suécia, as profissionais eram vistas como beneméritas, assistentes sociais que supriam as carências dos desvalidos do ponto de vista sexual ou emocional. Verdade que hoje, no reino dos Sveas, prostituição é crime. Isto é, crime para o cliente. A prostituição continua sendo permitida. Toda mulher pode vender seu corpo. O que não se pode é comprá-lo.
Os antigos demonstraram mais sensatez. Sólon foi o primeiro legislador a reconhecer suas nobres funções, merecendo de Filémon justa homenagem em sua oração fúnebre:
“Por isto te tornaste um benfeitor de teus cidadãos, reconheceste nessa instituição só o bem e a tranqüilidade do povo. Ela se tornava absolutamente necessária numa cidade em que a juventude turbulenta já não se podia conter, nem obedecer à mais imperiosa lei da natureza. Instalando mulheres em certas casas, preveniste desgraças e desordens de outra forma inaceitáveis”.
Desde tempos imemoriais, a prostituta é personagem constitutiva de todas as sociedades. Foi louvada tanto por Tomás de Aquino como por Sade. Diz o aquinata:
“Eliminai as mulheres públicas do seio da sociedade e a devassidão a perturbará com desordens de toda a espécie. São as prostitutas, numa cidade, a mesma coisa que a cloaca num palácio; suprimi a cloaca e o palácio tornar-se-á um lugar sujo e infecto”.
O divino marquês é mais efusivo:
“Chamam-se assim, minha muito querida, essas vítimas públicas do deboche dos homens, sempre prontos a entregar-se ao seu temperamento ou ao seu interesse; felizes e respeitáveis criaturas que a opinião pública infama e a volúpia coroa, e que muito mais necessárias à sociedade do que as recatadas, têm a coragem de sacrificar, para servi-la, a consideração que essa sociedade ousa negar-lhes injustamente”.
Melhor entendimento do mundo teve o rei Ludwig I, que nomeou Margaret Trautmann como ministra da Cultura e das Artes da Baviera. Esta senhora, longe de ser uma acadêmica, administrava um bordel em Munique. Quando o ministro da Justiça mandou fechar a casa, Trautmann pediu uma entrevista ao rei. Alegou que sua casa era um ponto de encontro de poetas e artistas, nobres e políticos, que lá se reuniam para cultivar o espírito, claro que sempre na boa companhia de suas pupilas.
Ludwig não hesitou. Ordenou a reabertura do bordel e a nomeou ministra. Os socialistas franceses, em seu afã de síndicos novos, começam seu governo pretendendo enxugar gelo. O máximo que farão é empurrar a prostituição para a clandestinidade.
08 de julho de 2012
janer cristaldo
Quem assim escreve é Amélie Hélie, em suas memórias de cortesã, Mes Jours et mes nuits. Nascida em 1878, foi uma das grandes atrações dos bordéis de Paris, onde era mais conhecida como Casque d’Or. Seu sofrido lamento merece ser lembrado nestes dias em que a franco-marroquina Najat Vallaud-Belkacem, ministra dos Direitos da Mulher e porta-voz do governo, declarou ao Journal du Dimanche: "Meu objetivo, como o do Partido Socialista, é ver a prostituição desaparecer".
Começou mal o governo de François Hollande. No jornalismo on line, vejo fotos das profissionais parisienses manifestando nas ruas e ostentando cartazes em defesa do ofício:
LIBERTÉ? EGALITÉ? FRATERNITÉ? PUTES ELIMINÉES?
Segundo o Nouvel Observateur, os partidos políticos são todos favoráveis à abolição da prostituição. Ano passado, o Parlamento adotou uma resolução que preconisa a penalização dos clientes. Agora, sob o argumento de que a prostituição é uma violência às mulheres e às prostitutas, mesmo as « tradicionais », que são vulneráveis social e economicamente, a França pretende extirpar a dita mais antiga das profissões. Os socialistas jamais se curam da mania de utopia.
Logo na França, país em que as prostitutas sempre foram cantadas no mundo da cultura e das artes. Quem não lembra da Nana, de Émile Zola? Ou da Boulle de Suif, de Maupassant? Ou, mais contemporaneamente, da terna Irma, la Douce, de Billy Wilder? Toulouse-Lautrec vivia entre elas e as imortalizou em seus affiches. Um pintor afeito aos temas religiosos, como Rouault, não poupou pincel para pintá-las em seu ambiente.
Diz Lujo Bassermann, em A História da Prostituição:
"Se Paris é cognominada a cidade do amor, semdúvida não se trata do amor conjugal, mas sim da prostituição, embora no sentido mais geral: desde as grandes amantes, aravés das cortesãs e moças amáveis, até o último degrau com as meretrizes de rua mais ou menos sob controle ou suas colegas dos bordéis. E não resta dúvida sobre a existência de uma relação especial entre Paris e as diversas formas de amor que existem e existiram nas grandes metrópoles. Em nenhuma delas, contudo, atuaram de forma tão atraente como naquela cidade.(...) A atração especial da cidade de Paris com relação às diversas formas de amor é muito antiga, quase veneranda, e muitos dos pares amorosos maiscélebres encontram-se atualmente tão apagados quanto as figuras do portal principal da Notre Dame, cuja beleza apenas se pode imaginar : Heloísa e Abelardo, por exemplo, tão ludibriados".
Aposta risível a dos socialistas. Mania de síndico novo que assume um condomínio antigo. A prostituição jamais será extinta. Primeiro, por ser muito difícil determinar quando uma mulher recebe ou não pagamento por sexo. Segundo, porque a tendência no Ocidente é regulamentar a prostituição. Nos dias em que vivi na Suécia, as profissionais eram vistas como beneméritas, assistentes sociais que supriam as carências dos desvalidos do ponto de vista sexual ou emocional. Verdade que hoje, no reino dos Sveas, prostituição é crime. Isto é, crime para o cliente. A prostituição continua sendo permitida. Toda mulher pode vender seu corpo. O que não se pode é comprá-lo.
Os antigos demonstraram mais sensatez. Sólon foi o primeiro legislador a reconhecer suas nobres funções, merecendo de Filémon justa homenagem em sua oração fúnebre:
“Por isto te tornaste um benfeitor de teus cidadãos, reconheceste nessa instituição só o bem e a tranqüilidade do povo. Ela se tornava absolutamente necessária numa cidade em que a juventude turbulenta já não se podia conter, nem obedecer à mais imperiosa lei da natureza. Instalando mulheres em certas casas, preveniste desgraças e desordens de outra forma inaceitáveis”.
Desde tempos imemoriais, a prostituta é personagem constitutiva de todas as sociedades. Foi louvada tanto por Tomás de Aquino como por Sade. Diz o aquinata:
“Eliminai as mulheres públicas do seio da sociedade e a devassidão a perturbará com desordens de toda a espécie. São as prostitutas, numa cidade, a mesma coisa que a cloaca num palácio; suprimi a cloaca e o palácio tornar-se-á um lugar sujo e infecto”.
O divino marquês é mais efusivo:
“Chamam-se assim, minha muito querida, essas vítimas públicas do deboche dos homens, sempre prontos a entregar-se ao seu temperamento ou ao seu interesse; felizes e respeitáveis criaturas que a opinião pública infama e a volúpia coroa, e que muito mais necessárias à sociedade do que as recatadas, têm a coragem de sacrificar, para servi-la, a consideração que essa sociedade ousa negar-lhes injustamente”.
Melhor entendimento do mundo teve o rei Ludwig I, que nomeou Margaret Trautmann como ministra da Cultura e das Artes da Baviera. Esta senhora, longe de ser uma acadêmica, administrava um bordel em Munique. Quando o ministro da Justiça mandou fechar a casa, Trautmann pediu uma entrevista ao rei. Alegou que sua casa era um ponto de encontro de poetas e artistas, nobres e políticos, que lá se reuniam para cultivar o espírito, claro que sempre na boa companhia de suas pupilas.
Ludwig não hesitou. Ordenou a reabertura do bordel e a nomeou ministra. Os socialistas franceses, em seu afã de síndicos novos, começam seu governo pretendendo enxugar gelo. O máximo que farão é empurrar a prostituição para a clandestinidade.
08 de julho de 2012
janer cristaldo
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