“Bonnie and Clyde” mexeu com a imaginação antes de estrear, em 1967. Faye Dunaway e Warren Beatty estavam em grande forma, a trilha musical era de um cobra. Só tinha um probleminha: era “proibido para menores de 18 anos”. Angústia das angústias.
O que fazer ? Segui o figurino da época: falsifiquei a caderneta escolar, vesti a melhor calça boca de sino do armário franciscano, não raspei por umas três semanas as penugens ralas que brotavam na pele espinhenta e fui à luta. Na porta do cine Comodoro, na Tijuca, veio a pergunta implacável: “Cadê a carteira de identidade ?”. Quantos da minha geração não tiveram pesadelos com essas palavras … Não tinha o documento, fui barrado. O filme só assisti décadas depois.
Minha carreira de falsificador acabava ali e talvez tenha sido a maior transgressão de um careta assumido. Passei pela geração paz & amor sem fumar um baseado, sem cair de boca na marvada da cachaça. Nunca senti necessidade. Cresci cercado pela ditadura militar, sob censura e medo.
Muitos jovens se envolveram na luta contra o arbítrio, tínhamos um objetivo político que nos preenchia, entusiasmava, dava sentido à vida. Não tenho a menor saudade dos milicos, mas tenho me perguntado onde andam e o que fazem os jovens de hoje. Ao menos os de classe média, com os quais tenho mais familiaridade.
Num feriado recente, uma briga entre adolescentes num clube em Campos do Jordão resultou em pelo menos uma internação hospitalar. No local da festa, a polícia encontrou jovens na faixa de 15 anos bebendo em quantidades industriais uísque, cerveja e pinga. O número de bêbados era assustador. Em nosso país, as bebidas alcoólicas são baratas e os menores de 18 anos as conseguem com grande facilidade, muitas vezes com a cumplicidade dos pais.
Nos Estados Unidos, onde o acesso de menores às bebidas alcoólicas é mais difícil, cresce um fenômeno: o consumo de géis para limpar as mãos, que, em muitos casos, chegam a ter mais de 60% de teor alcoólico. Só em Los Angeles 16 adolescentes foram parar em hospitais nesse ano, envenenados pela ingestão desse tipo de produto.
Festinhas, baladas e raves são grande mercado para drogas ilícitas (o álcool é, cinicamente, tolerado). Da insegurança típica da adolescência à absoluta falta de perspectivas na vida amorosa e no mercado de trabalho e ao desencanto com o espaço político, dizimam-se os sonhos e germina o entorpecimento.
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SUICÍDIOS
A revista norte-americana Lancet revelou um dado assustador: o suicídio já é a primeira causa mundial de morte entre meninas de 15 a 19 anos. No Brasil, o suicídio é a terceira causa de morte entre jovens, ficando atrás de acidentes e homicídios. Pior: esses números estão crescendo. Não simplifico a questão, chutando uma causa única, mas os pesquisadores apontam o abuso de drogas como uma das causas principais. Um psiquiatra da USP disse que o suicídio é uma epidemia silenciosa.
Lembro da chuva de críticas de determinados setores ao filme Tropa de Elite, quase todos rotulando-o como fascista. Polemizei com alguns, discordando. Quando o personagem do BOPE acusa estudantes da PUC, consumidores de maconha, de jogarem os pobres nos braços do tráfico, pensei: bingo! Não há mercado sem oferta … e demanda. O ex-secretário de segurança Hélio Luz dizia que, à noite, Ipanema brilha. Alguém discorda ? Com que dinheiro se compra o armamento pesado que abastece as quadrilhas de traficantes ?
Há novas peças nesse tabuleiro. Problemas mentais ligados à tecnologia são cada vez mais estudados. O psicólogo Larry Rosen listou uma dezena de males psiquiátricos ligados ao uso extensivo de Smartphones. “Narcisismo, depressão e obsessão são os que parecem mais frequentes”, disse. “Mais gente está se tornando mais narcisista, ou está se apresentando para o mundo como se só se importasse consigo própria. Mais gente está ficando obcecada e compelida a checar constantemente o telefone. E há uma pesquisa que mostra que mais pessoas estão ficando mais deprimidas quando não têm coisas maravilhosas para mostrar aos outros no Facebook”.
O maior número de casos é de jovens que sofrem crises de ansiedade por estarem sem sinal na internet, estudantes que perdem a capacidade de concentração e até um programador que começou a desenvolver esquizofrenia por viver isolado, interagindo só via web. Virou quase praxe ver pessoas em bares, restaurantes ou mesmo em bate-papos com celulares na mão, sem força para abandonar a engenhoca por umas poucas horas.
Recentemente, eu estava num evento que começou com a projeção de um filme. Uma jovem mulher, na minha frente, ficou mais de duas horas abrindo e fechando a bolsa, ligando o celular e mandando mensagens de texto. Não estava nem aí para o filme, pelo qual havia comprado ingresso ! Atrás, um homem não parava de receber chamadas. Simplesmente se recusava a desligar o troço. Em tempo: nenhuma delas parecia urgente. Se isso não é doença, eu é que estou doente.
A situação, na área política, é desanimadora. Sinto que minha geração, embora tenha sido ferozmente perseguida por uma ditadura, fracassou ao não conseguir passar adiante o tesão por transformações radicais. Sei que o homem não faz o que quer, limitado que é pelas circunstâncias históricas.
A grande crise que está em curso no mundo capitalista traz condições objetivas para mudanças importantes, que, no entanto, não virão sem que se preencham as condições subjetivas, ou seja, a organização política, as referências teóricas, a mobilização de todos os explorados. Onde, nesse momento futuro, estará a juventude ? Revoltada ? Submissa nas filas de desempregados ? Desbundada e afogada em álcool e ecstasy ? Não sei.
O que fazer ? Segui o figurino da época: falsifiquei a caderneta escolar, vesti a melhor calça boca de sino do armário franciscano, não raspei por umas três semanas as penugens ralas que brotavam na pele espinhenta e fui à luta. Na porta do cine Comodoro, na Tijuca, veio a pergunta implacável: “Cadê a carteira de identidade ?”. Quantos da minha geração não tiveram pesadelos com essas palavras … Não tinha o documento, fui barrado. O filme só assisti décadas depois.
Minha carreira de falsificador acabava ali e talvez tenha sido a maior transgressão de um careta assumido. Passei pela geração paz & amor sem fumar um baseado, sem cair de boca na marvada da cachaça. Nunca senti necessidade. Cresci cercado pela ditadura militar, sob censura e medo.
Muitos jovens se envolveram na luta contra o arbítrio, tínhamos um objetivo político que nos preenchia, entusiasmava, dava sentido à vida. Não tenho a menor saudade dos milicos, mas tenho me perguntado onde andam e o que fazem os jovens de hoje. Ao menos os de classe média, com os quais tenho mais familiaridade.
Num feriado recente, uma briga entre adolescentes num clube em Campos do Jordão resultou em pelo menos uma internação hospitalar. No local da festa, a polícia encontrou jovens na faixa de 15 anos bebendo em quantidades industriais uísque, cerveja e pinga. O número de bêbados era assustador. Em nosso país, as bebidas alcoólicas são baratas e os menores de 18 anos as conseguem com grande facilidade, muitas vezes com a cumplicidade dos pais.
Nos Estados Unidos, onde o acesso de menores às bebidas alcoólicas é mais difícil, cresce um fenômeno: o consumo de géis para limpar as mãos, que, em muitos casos, chegam a ter mais de 60% de teor alcoólico. Só em Los Angeles 16 adolescentes foram parar em hospitais nesse ano, envenenados pela ingestão desse tipo de produto.
Festinhas, baladas e raves são grande mercado para drogas ilícitas (o álcool é, cinicamente, tolerado). Da insegurança típica da adolescência à absoluta falta de perspectivas na vida amorosa e no mercado de trabalho e ao desencanto com o espaço político, dizimam-se os sonhos e germina o entorpecimento.
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SUICÍDIOS
A revista norte-americana Lancet revelou um dado assustador: o suicídio já é a primeira causa mundial de morte entre meninas de 15 a 19 anos. No Brasil, o suicídio é a terceira causa de morte entre jovens, ficando atrás de acidentes e homicídios. Pior: esses números estão crescendo. Não simplifico a questão, chutando uma causa única, mas os pesquisadores apontam o abuso de drogas como uma das causas principais. Um psiquiatra da USP disse que o suicídio é uma epidemia silenciosa.
Lembro da chuva de críticas de determinados setores ao filme Tropa de Elite, quase todos rotulando-o como fascista. Polemizei com alguns, discordando. Quando o personagem do BOPE acusa estudantes da PUC, consumidores de maconha, de jogarem os pobres nos braços do tráfico, pensei: bingo! Não há mercado sem oferta … e demanda. O ex-secretário de segurança Hélio Luz dizia que, à noite, Ipanema brilha. Alguém discorda ? Com que dinheiro se compra o armamento pesado que abastece as quadrilhas de traficantes ?
Há novas peças nesse tabuleiro. Problemas mentais ligados à tecnologia são cada vez mais estudados. O psicólogo Larry Rosen listou uma dezena de males psiquiátricos ligados ao uso extensivo de Smartphones. “Narcisismo, depressão e obsessão são os que parecem mais frequentes”, disse. “Mais gente está se tornando mais narcisista, ou está se apresentando para o mundo como se só se importasse consigo própria. Mais gente está ficando obcecada e compelida a checar constantemente o telefone. E há uma pesquisa que mostra que mais pessoas estão ficando mais deprimidas quando não têm coisas maravilhosas para mostrar aos outros no Facebook”.
O maior número de casos é de jovens que sofrem crises de ansiedade por estarem sem sinal na internet, estudantes que perdem a capacidade de concentração e até um programador que começou a desenvolver esquizofrenia por viver isolado, interagindo só via web. Virou quase praxe ver pessoas em bares, restaurantes ou mesmo em bate-papos com celulares na mão, sem força para abandonar a engenhoca por umas poucas horas.
Recentemente, eu estava num evento que começou com a projeção de um filme. Uma jovem mulher, na minha frente, ficou mais de duas horas abrindo e fechando a bolsa, ligando o celular e mandando mensagens de texto. Não estava nem aí para o filme, pelo qual havia comprado ingresso ! Atrás, um homem não parava de receber chamadas. Simplesmente se recusava a desligar o troço. Em tempo: nenhuma delas parecia urgente. Se isso não é doença, eu é que estou doente.
A situação, na área política, é desanimadora. Sinto que minha geração, embora tenha sido ferozmente perseguida por uma ditadura, fracassou ao não conseguir passar adiante o tesão por transformações radicais. Sei que o homem não faz o que quer, limitado que é pelas circunstâncias históricas.
A grande crise que está em curso no mundo capitalista traz condições objetivas para mudanças importantes, que, no entanto, não virão sem que se preencham as condições subjetivas, ou seja, a organização política, as referências teóricas, a mobilização de todos os explorados. Onde, nesse momento futuro, estará a juventude ? Revoltada ? Submissa nas filas de desempregados ? Desbundada e afogada em álcool e ecstasy ? Não sei.
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